Política em três tempos - Por Paulo Queiroz

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Foto: Divulgação

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Lula estrila, mas biocombustíveis podem mesmo representar um flagelo para a humanidade 1 – ETANOL E FOME "Fazemos nosso o chamado urgente do relator das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, para que os governos declarem uma moratória internacional sobre todos os incentivos para a produção e o comércio dos agrocombustíveis", diz a declaração final da Conferência Especial para a Soberania Alimentar, realizada em Brasília entre os dias 10 e 13 recentes. O encontro reuniu 120 organizações sociais representativas de pequenos agricultores, pescadores e índios, de 20 países da América Latina e Caribe, para aprovar recomendações à 30ª Conferência Regional da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) para América Latina e Caribe, que acontece na capital do Distrito Federal desde o dia 14 e encerra suas atividades nesta sexta-feira (18). O “chamado urgente” a que os signatários do documento aludiram, leitor, foi turbinado por uma declaração de Ziegler, em entrevista a uma rádio alemã na segunda-feira (14), segundo a qual a produção em massa dos biocombustíveis representa um “crime contra a humanidade” por seu impacto nos preços mundiais dos alimentos. Nem queira saber, considerado, do pinote que o presidente Lula da Silva (PT) deu. “É muito fácil alguém ficar sentado num banco da Suíça dando palpite no (sobre o) Brasil ou na (sobre a) África”, retrucou rispidamente e em cima da bucha o petista, para quem os biocombustíveis (etanol à frente) são – perdão pelo trocadilho - a salvação da lavoura. Convenhamos, para o presidente de um país que recebe um evento da mesma ONU de que Ziegler é um dos representantes mais respeitados mundo afora, Lula não terá sido um anfitrião lá muito amável. O cidadão Jean Ziegler, no entanto, terá dado de barato a afronta presidencial, porquanto perto dos ultrajes de que foi objeto por parte das autoridades locais noutras ocasiões em que andou fazendo observações igualmente verdadeiras sobre a realidade tapuia, também em missão da ONU, a declaração desabusada do petista chega a ser de pouca monta. 2 – BRAVO CIDADÃO “Jean Ziegler é maluco, desonesto e não tem seriedade necessária para representar a ONU”. Considerando que a expressão aí foi proferida por ninguém menos do que o chanceler Luiz Felipe Lampreia, de FHC, em 2001, faltou pouco para a zanga de Lula se legitimar em cortesia. Exageros desdenhosos à parte, o que se depreende na verdade disso tudo, leitor, é que nem as autoridades do pedaço sabem de quem estão falando quando decidem explorar o orgulho nacional com bravatas imberbes e muito menos gostam quando alguém torna públicas as contradições e misérias do país. No episódio, Ziegler virara manchete da “Folha de S. Paulo” depois de inspeção no Brasil com o seguinte veredicto: "O Brasil é um país que enfrenta uma guerra de classes com seus 40 mil assassinatos anuais", quando para a ONU o total de 15 mil assassinatos por ano já seria indicador de guerra social. Na verdade, a agressão do então porta-voz do governo brasileiro não era novidade alguma para o suíço. Também em seu país os argumentos contra as suas críticas são muito parecidos aos que foram e continuam sendo dados aqui no Brasil. Pudera! Ziegler é inimigo número um dos poderosos bancos suíços. Lá, Ziegler foi pioneiro em questionar a origem suja dos fundos dos bancos suíços, sejam como conseqüências dos espólios nazistas ou sejam de contas de governos corruptos pelo mundo ou ainda depósitos secretos e cifrados de narcotraficantes. As denúncias de Jean Ziegler vão além e tratam seus compatriotas como sendo hipócritas e falsamente liberais frente aos problemas do mundo. Como político (é um dos líderes do Partido Socialista) ou como pensador (é sociólogo, professor da Sorbonne e autor de livros) a razão de Jean Ziegler também é direta e implacável. Ele é contra a globalização e a supremacia do mundo financeiro sobre culturas e regiões inteiras. É também um incansável pregador contra a hegemonia neoliberal entre os seus pares políticos que, segundo ele, só aumentou a violência e as desigualdades no mundo. 3 – PROVA DOS NOVE Quanto às suas objeções ao xodó energético de Lula, multiplicam-se os estudos e relatórios altamente qualificados mostrando que, também agora, Ziegler está coberto de razão. É do que dá conta, por exemplo, o professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, de Geografia Agrária da USP e diretor da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) – não bastasse integrante da equipe que elaborou o Plano Nacional de Reforma Agrária para o governo Lula (2003) – em artigo publicado na edição desta quinta-feira (17) do jornal “Folha de S. Paulo” (seção “Tendências & Debates”). Pela transcrição de um pequeno trecho: “Em meio à expansão dos agrocombustíveis, uma pergunta se faz necessária: quais foram as conseqüências, para a produção de alimentos no Brasil, da expansão da cultura da cana nos últimos 15 anos? Os dados do IBGE, entre 1990 e 2006, revelam a redução da produção dos alimentos imposta pela expansão da área plantada de cana-de-açúcar, que cresceu, nesse período, mais de 2,7 milhões de hectares. Tomando-se os municípios que tiveram a expansão de mais de 500 hectares de cana no período, verifica-se que, neles, ocorreu a redução de 261 mil hectares de feijão e 340 mil hectares de arroz. Essa área reduzida poderia produzir 400 mil toneladas de feijão, ou seja, 12% da produção nacional, e 1 milhão de toneladas de arroz, o que equivale a 9% do total do país. Além disso, reduziram-se nesses municípios a produção de 460 milhões de litros de leite e mais de 4,5 milhões de cabeças de gado bovino. Embora a expansão esteja mais concentrada em São Paulo, já o está também no Paraná, em Mato Grosso do Sul, no Triângulo Mineiro, em Goiás e em Mato Grosso. Nesses Estados, reduziu-se a área de produção de alimentos agrícolas e se deslocou a pecuária na direção da Amazônia. Isso deu, conseqüentemente, em desmatamento. Por isso, a expansão dos agrocombustíveis continuará a gerar a redução da produção de alimentos. A produção dos três alimentos básicos no país -arroz, feijão e mandioca - também não cresce desde os anos 90, e o Brasil se tornou o maior país importador de trigo do mundo”. E por aí foi. Durma-se!
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