Política em Três Tempos - por Paulo Queiroz

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Foto: Divulgação

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1 – ALTA FILOSOFIA Não, minha senhora, o país não ficou assim tão pior do que é por conta da votação do Senado que absolveu o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) julgado por quebra do decoro parlamentar em razão de, segundo a acusação, ter tido despesas pessoais pagas por um lobista da empreiteira Mendes Júnior. Do mesmo modo, não imagine que a sua vida e a de todos que aqui estamos fosse mudar para melhor caso o mandato do político alagoano resultasse cassado. Isso é o que o sistema quer que a senhora acredite. Que ele – o sistema – é virtuoso, justo, bom e verdadeiro - o problema é gente como Renan. Ocorre que enquanto permanecerem intactas as estruturas que geraram e vão continuar a gerar indefinidamente as condições que induzem as pessoas à prática das malfeitorias atribuídas ao presidente do Senado, o país vai permanecer infestado de gente assim – cabendo hoje a Renan apenas desempenhar o papel de bola da vez. Mês que vem – ou pouco mais adiante – outro ocupará o proscênio. Daí esse circo todo, envolvendo políticos que vão aos tapas diante das câmeras para supostamente defender a virtude, juízes das altas cortes em disputa pelas luzes da ribalta hipoteticamente para garantir a transparência do espaço público, empresas de comunicação competindo furiosamente para tentar convencer a platéia qual delas é a mais capaz de acusar, julgar e condenar com mais severidade a pretexto de informar, enfim, um flash da comédia humana num recorte cínico da tragédia nacional. De modo algum, minha senhora. Nem tudo está perdido. Ainda tem gente pensando e algo desconfiada nesse mundo de meu Deus, como se diz por aí. E nem é preciso ir muito longe para descobrir isso. Quer um exemplo? Claro que não se vai exigir aqui que a senhora tenha a obrigação de saber quem é o internauta Tiago Góes. Para seu governo, nesta quarta-feira (12), após ler no site “Rondoniagora” sobre um protesto de estudantes contra a nomeação do deputado Chico Paraíba para o Tribunal de Contas, o cara postou o seguinte comentário: “Do governador, passando pelos deputados até uma cambada de juiz caindo no presidente Lula, trocando por merda, o dono da merda sai perdendo. Tiago Góes (tiagogpaes@uol.com.br)”. Pela síntese e pelo que disse logo depois (uma reflexão ligeira sobre a ignorância do povo acerca do seu real poder), é de se concluir apressado - que grande filósofo a humanidade desconhece! 2 – LIÇÕES PRECIOSAS Escatologias epistemológicas à parte, não dá para não reconhecer quão importante resultou este julgamento de Renan em termos de considerações, significados, símbolos e, principalmente, lições. A que toca mais de perto uma pá de gente boa que ao repórter foi dado o privilégio de conhecer diz respeito ao PT, melhor dizendo, às pessoas que abandonaram o partido tão logo concluíram que na esteira de Lula e na sombra do Poder a legenda enveredara para o brejo num caminho sem volta. E para não dar trela à arrogância e à injustiça, também àquelas que permanecem na agremiação imaginando-a na forma pré-palaciana ou ainda possível de recuperação – ou re-fundação para contemplar as boas intenções na formulação de origem. Para as primeiras, a sessão senatorial desta quarta-feira no Senado mostrou que elas estavam para lá de certas quando se exoneraram da legenda, reiterando-lhes confortavelmente as razões do dissídio e revigorando-lhes as atuais convicções. Em relação aos petistas de boa índole, porém, o resultado da votação dos senadores foi apenas mais um dentre os inumeráveis episódios em que Lula, avocando a tal governabilidade, envolveu o PT para envergonhar e constranger miseravelmente os partidários. No caso, transformando a agremiação em cúmplice das malfeitorias atribuídas a Renan e os seus parlamentares em integrantes da tropa de choque do peemedebista no Senado. E, no entanto, instado a comentar o acontecido na manhã desta quinta-feira (12) enquanto visitava a Dinamarca, Lula por pouco não voltou a repetir o folclórico bordão segundo o qual nunca ouviu nada e nada sabe. Mas chegou perto. No comentário mais reproduzido por aqui, disse: "Primeiro é preciso que a gente tenha clareza e trate o assunto com a seriedade que ele merece. É um problema que começou no Senado e terminou lá. O importante é que o Senado volte a funcionar com normalidade”. É formidável! Shakespeare devia estar pensando num dia como esse e uma circunstância como essa quando disse que havia algo de podre naquele reino. 3 – PRESSÕES IRRESISTÍVEIS Servindo obscuridade ao exigir clareza e produzindo deboche ao cobrar seriedade, Lula pretendeu fazer crer que tem absolutamente nada a ver com isso, circunscrevendo o abacaxi – com talo, coroa e casca – aos senadores, de quem quer apenas o beneplácito para a renovação da CPMF e outras propostas que considera igualmente relevantes. No entanto, na sua ânsia insana de livrar a cara de Renan, levou o PT a uma tal superexposição que nunca, antes, nesse país, se teve tanta certeza da participação de um partido numa cruzada politicamente tortuosa e moralmente aética. Não por acaso a quase totalidade dos títulos com que a imprensa procurou resumir o caso mencionou o PT e as abstenções (seis) como causas principais da absolvição de Renan. E, convenhamos, não deu para ser diferente. Mesmo sabendo que o segredo da sessão era de polichinelo, nada menos que metade dos senadores que ousaram ocupar a tribuna para defender Renan eram do PT – a saber, Sibá Machado (AC) e Ideli Salvati (SC). Um vexame tanto mais humilhante porquanto os outros 15 que subiram ao púlpito o fizeram para clamar pela cassação. E pelo menos um senador petista revelou ter sido um dos absenteístas – Aloísio Mercadante (SP). Agora imagine, minha senhora, quando é que pessoas como esse trio aí, cujas trajetórias individuais do período pré-palaciano são para lá de edificantes, iam tirar o traseiro dos seus assentos para subir à tribuna e defender gente como Renan ou, no caso de Mercadante, escalar o muro alegando indigência probatória, sem pressões irresistíveis? Por “gente como Renan”, minha senhora, não entenda que a coluna esteja apenas satanizando o presidente do Senado. Até porque é sabido que o vilão do lado de cá é sempre o herói do outro lado. Lá mesmo no plenário do Senado teve gente que foi, sinceramente, às lágrimas com a absolvição de Renan, como a senadora Roseana Sarney (PMDB-MA). Até aí morreu o Neves. O que leva internautas como Tiago a filosofar daquele jeito é ver Lula obrigar os petistas a defender Renan logo depois de proclamar no mais importante conclave da agremiação que não há, neste país, nenhum partido mais ético do que o PT. Ninguém merece!
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