Acompanho atento o caminhar das pessoas. São passos apressados que tentam manter uma sincronia. Seus olhos passam velozes pelas imagens e raras vezes detêm seu conteúdo. Ouço seus diálogos imperativos ao telefone celular enquanto andam seus passos apressados e chego a pensar que só podem estar enlouquecendo, falando com uma caixinha eletrônica.
Vejo pais e mães arrastando seus filhos pelos bracinhos, esquecidos de que os Seres ali conduzidos são a sua perpetuação genética e Espíritos (na maioria das vezes muitíssimo mais evoluídos que os genitores) experimentando a densa matéria. Ouço também seus imperativos comandos aos pequenos, como quem dirige soldados para os sacrifícios da guerra, descarregando todos os seus recalques nos indefesos.
Nas calçadas, no trânsito, nos templos, nas casas, nos bares só ouço a absoluta ausência de si mesmos. As pessoas se desconhecem e até têm muito medo de saber O QUE são. Nas ruas o assunto é sempre o outro, como o time, o dinheiro, a roupa, a comida, o carro, o trabalho e, pasmem, o futuro. O futuro que ainda nem foi escrito. O QUE EU SOU nem de longe é cogitado.
No trânsito, além da lentidão, repete-se o ritual do outro. Nos templos, ah... nos templos, novamente o outro toma a atenção das pessoas, pois nada se fala do O QUE EU SOU e sim do que alguém foi (alguém que sequer autorizou que seu pensamento fosse vendido em cotas de dízimos). Nas casas, quando se reúnem, o outro é o centro das atenções, seja nas fofocas da vizinhança, seja nas notícias de além mar, seja no "grande irmão" (big brother) da televisão que tudo fala e nada escuta, que nada educa e tudo deturpa, como quem domina os felizes ignóbeis e os conduz para o absoluto esquecimento e total dominação.
Até nos momentos de lazer, de férias, o outro continua a dominar. Vivemos a cultura da ausência, o sobreviver ao existir. Somos movidos pelo som do outro, pela vitória do outro, pela prosperidade do outro, pela inveja do outro, ao ponto de aceitarmos que outros nos vilipendiem e nos achaquem, porque o outro é um de nós que suplantou nossa pequenez social.
Citarei um trecho do livro "Mais Pepitas de Ouro" de autoria do Osho:
"...Você vem ao mundo sem coisa alguma. Nada lhe pertence. Você vem absolutamente despido, porém com ilusões... Nada lhe pertence, então você está preocupado com qual insegurança? Nada pode ser roubado, nada pode ser tirado de você. Tudo o que você está usando pertence ao mundo e um dia você terá que deixar tudo aqui. Você não será capaz de levar coisa alguma com consigo. Será que estou no caminho certo?..."
Nós, humanos, esquecemos que somos Espíritos experimentando a matéria ao invertermos este paradigma existencial. Vemo-nos como caixas de carne animadas à cata da sobrevivência e da perpetuação. Como zumbis desconexos, perambulamos guiados pelos cinco sentidos que nos afastam, a cada dia, de nós mesmos e nos fazem descrer do Ser de luz que somos em origem. Chegamos ao cúmulo de personificar Deus e estigmatizar um paraíso e um inferno. Nosso egoísmo é tamanho que somente conseguimos conceber um porvir baseado em nossa medíocre aparência carnal e em nossos preconceitos sociais.
Vivemos um mundo de aparências e necessidades a tal ponto que nos dispomos a sacrificar o que e quem quer que seja para conseguirmos sobreviver e manter o nosso "estilo de vida". Estamos tão apartados da mãe natureza que chegamos a nos auto-intitular "donos do mundo" e com isso subjugamos e destruímos os que nos cercam e nos alimentam.
Perdemos o nosso bem mais precioso. Perdemos a razão! Vagamos irracionalmente, não em busca da conexão desfeita com o Universo, mas, sim, na tentativa de manter inalteradas as falsas estruturas em que nos apoiamos. Perdemos o elo com o eterno! Perdemos a nós mesmos!
Volto às calçadas, ao trânsito, aos templos, às casas, aos bares e continuo a presenciar a turba amorfa a se esgueirar por entre o podre e o perverso, por entre o outro e a nulidade. Não falo aqui dos abandonados e desvalidos, falo dos bem nascidos e dos prósperos. Olho para o alto e vejo um Deus feito à imagem e semelhança do homem.
Seja feliz e encontre-se.
Ame-se e evolua.
Marco Anconi
mac.anconi@gmail.com