Confira na íntegra a sentença de condenação contra ex-prefeito de Jaru, José Amauri dos Santos
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Número
do Processo: |
003.2004.000757-2 |
Classe: |
Ação
civil pública |
Data
da Distribuição: |
16/03/2004 |
Requerente(s): |
Ministério
Público do Estado de Rondônia |
Advogado(s): |
Promotor
de Justiça |
Requerido(s): |
Iran
Cardoso Bilheiro e outro. |
Vara: |
2ª
Vara Cível |
Sentença de Mérito Decretada (cível) (30/11/2006 ) |
S E N T E N Ç A O Ministério Público
do Estado de Rondônia ajuizou ação civil pública por ato de improbidade
administrativa em face de José Amauri dos Santos e Iran Cardoso Bilheiro, alegando, em síntese, que os requeridos, na
qualidade de Prefeito e Secretário de Educação do Município de Jaru,
respectivamente, utilizaram os servidores públicos municipais Antônio Ribeiro
Milhomem, Ezuila Bandeira
de Souza e Carlos Simplício Gomes de Souza, em
horário de expediente, para trabalharem na campanha dos candidatos Natanael, Dorinha e João da Muleta, nas eleições de 2002, quando estes concorriam aos respectivos cargos de
Governador, Deputado Federal e Estadual. Segundo consta na inicial, os
candidatos João da Muleta e Dorinha são irmão e esposa do primeiro requerido,
então Prefeito do Município de Jaru. Após
notificados (fl. 115v), os requeridos apresentaram defesa preliminar às fls.
117/129 e 153/165, respectivamente. A petição inicial foi recebida às fls. 168/169,
na forma do art. 17, § 9º, da Lei nº 8.429/92, com
afastamento das preliminares de incompetência do juízo de primeiro grau,
impossibilidade jurídica do pedido e ilegitimidade ativa. Os requeridos José
Amauri e Iran foram citados pessoalmente à fl. 170ve apresentaram suas
respectivas contestações às fls. 172/187 e 188/203, ambos reiterando as preliminares já apreciadas e afirmando que em momento
algum cederam ou autorizaram funcionários do Município de Jaru a trabalharem
em campanha eleitoral, em horário de expediente. Réplica às contestações foi
apresentada às fls. 205/206. Despacho saneador à fl. 210, com a fixação dos
pontos controvertidos Durante a instrução colheu-se o depoimento pessoal dos
requeridos (fls. 229/232) e foram ouvidas as testemunhas Carlos Simplício Gomes de Souza (fl. 233), Marcos de Paula
Ferreira (fl. 234), Elsa Costa Alecrim Bufuman (fl. 235), Geiza da
Silva Pereira (fl. 236), Thimóteo Igor Santana (fl.
237), Ezuila Bandeira de Souza (fl. 238), Eudália Alves da Silva (fl. 239), Carlos Afonso Martins
(fl. 240), Camila Barbosa G. Vidigal (fl. 241), Antônio Ribeiro Milhomens (fl. 242), Tomás Guilherme Correa (fl. 250), Orni Rodrigues (fl. 251), Manoel Aparecido Cardoso (fl.
252), Altair José da Silva (fl. 253), Edevaldo
Elias Chagas (fl. 254), Joaquim Vicente (fl. 255), Osvaldo Martins da Costa
(fl. 256), Anísio José Mendes do Nascimento (fl. 275) e José Eunapio dos Santos (fl. 296). O juízo encerrou a
instrução à fl. 334, indeferindo a oitiva da testemunha João Joaquim dos
Santos. Desta decisão houve agravo retido (fls. 336/339) contra-arrazoado às
fls. 341/346, sendo mantida a decisão (fl. 347). O autor apresentou seus
memoriais às fls. 388/401, reiterando seus argumentos inicias que, segundo
ele, restaram provados no decorrer da instrução. Nesta ocasião juntou os
documentos de fls. 402/588. Os memoriais do requerido José Amauri dos Santos
vieram aos autos às fls. 595/620, argüindo a intempestividade da alegações finais do Ministério Público e fundamentando
seu pedido de improcedência dos pedidos iniciais. O Município de Jaru foi
citado às fls. 628v, integrou o pólo ativo da ação e
deu-se por satisfeito com os atos realizados, exceto quanto aos documentos
juntados pelo Ministério Público, com seus memoriais. O
requerido Iram Cardoso Bilheiro protocolizou
intempestivamente seus memoriais, que foram juntados às fls. 652/670. É o
relatório. Decido. Os memoriais apresentados tanto pelo autor quanto pelo
requerido Iran Cardoso Bilheiro são intempestivos,
de modo que serão desconsiderados para os efeitos da
presente decisão. Todavia, deixo de determinar-lhe o desentranhamento, com
base no seguinte aresto: "Embora verificada a intempestividade na oferta de memoriais de parte do apelado, não se vislumbra
a necessidade de desentranhamento dos mesmos, porquanto não foram eles que
serviram de substrato ao decisum, senão as provas -
principalmente técnica - aos autos coligidas" (TJ/RS, 9ª Cam. Cível - AC 70009363375 - rel. Marta Borges Ortiz - j. 20/04/2005). Superadas as
preliminares por ocasião do recebimento desta ação, às fls. 168/169,
passo diretamente à análise do mérito. Uma vez mais está-se
diante de maus tratos à coisa pública, de desrespeito, e que por ser pública,
pertence inclusive aos agentes causadores do dano. A falta de moralidade e honestidade no trato com o bem público é mal antiqüíssimo e ao mesmo tempo atual. Tem acompanhado o
homem e sua tendência profana por todos os tempos. Não é fenômeno restrito ao
Brasil. Ao contrário, está espraiada por todas as nações. Aqui, todavia,
em que pese os repetidos esforços em repudiá-lo, já que temos a muito tempo previsão constitucional, vários meios de
controle da administração e, mais recentemente, leis específicas aos
ímprobos, definitiva e paradoxalmente não podemos ser considerados modelo de
combate à corrupção, da preservação da moralidade pública, enfim, de respeito
a lisura no trato da coisa pública. São diárias as denúncias de desvio de
milhões e milhões de reais em verbas públicas, arrecadadas compulsoriamente
dos cidadãos brasileiros sangrados pelas contundentes taxas tributárias.
Milhões de reais que poderiam ser usados para, muitas vezes, minimizar, e
outras tantas vezes, para estancar a veia da miséria que corta este país de
canto a canto. A probidade administrativa, que conceitualmente se difere do
princípio da moralidade, já que o primeiro é corolário do segundo, nele
estando contido, requer do agente público e terceiros com ele relacionados um
agir transparente, sincero, calçado de princípios de lealdade e boa-fé. O seu
atuar deverá ser o do bom pai de família na administração do lar, preocupado
com a conservação e a correta destinação das receitas, visando sempre o bem
de seu país. É-lhe vedado qualquer comportamento astucioso, ardiloso ou
eivado de malícia. Não tem sido essa, todavia, nossa realidade. Nem foi essa
a forma como se conduziram os réus em suas relações com a máquina pública. Há
quem diga que a improbidade (má qualidade da administração, imoralidade,
malícia) se justifica na falibilidade humana, na fraqueza, e em última análise,
na incompetência dos administradores. Ouso discordar, todavia. E o faço por
uma só razão: dentre nós a improbidade não é fato eventual. Não tem sido
fenômeno raro, nem efêmero. Antes, um mal que se tem diagnosticado
freqüentemente, sem falar nas outras tantas vezes em que logra sucesso na sua
camuflagem. A existência de previsão legal específica, embora recente, e por
mais que seja um espetacular avanço, inclusive em severidade, não tem dado
conta, por si só, de cabrestear os ímprobos. Assim
também no tocante aos princípios constitucionais da administração pública,
que por mais nobres que sejam na tarefa de atribuir um regime jurídico
próprio à administração não tem tido eficácia satisfatória na moralização dos
agentes públicos. As formas de controle da administração, em suas diversas
modalidades, especialmente o repressivo, embora obtenha os melhores
resultados práticos, tem se mostrado insuficiente, deparando-se na maioria
das vezes com situações já consumadas, cuja reversibilidade nem sempre é satisfatória,
e, em outras vezes, nem possível. O que fazer? Sou daqueles que vê em cada
cidadão, por ocasião do exercício de sua cidadania, a arma mais poderosa no
combate a Improbidade Administrativa. Enquanto isso não ocorre, o Judiciário
haverá de permanecer vigilante, sendo implacável na punição daquele que
dilapida o que é de todos. Para o fim a que se destina, creio que o intróito
seja suficiente. Permitir que terceiros se utilizem
do trabalho de servidor público, empregado ou pessoa contratada pelas entidades
da administração direta, indireta ou fundacional,
em obra ou serviço particular, configura ato de improbidade administrativa -
daqueles que causam prejuízo ao erário - consoante dispõe o art. 10, XIII, da
Lei n. 8.429/92. Outrossim, o art. 11, I, da mesma
Lei de Improbidade descreve como ato de improbidade atentatório contra os
princípios da administração pública, a prática de ato visando fim proibido em
lei ou regulamento. Por sua vez, o art. 73, III, da Lei das Eleições
(9.504/97), proíbe expressamente o agente público de "ceder servidor
público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou
municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de
campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o
horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver
licenciado". No caso em tela, o ato de improbidade imputado aos
requeridos consiste justamente na cessão ou utilização de servidores públicos
municipais para trabalharem, durante o horário de expediente, na campanha dos
candidatos Natanael, Dorinha e João da Muleta,
quando estes concorriam aos respectivos cargos de Governador, Deputado
Federal e Estadual, durante as Eleições de 2002. Tratam-se dos servidores
Antônio Ribeiro Milhomem, Ezuila
Bandeira de Souza e Carlos Simplício Gomes de
Souza, que segundo o autor, teriam sido autorizados a trabalharem na campanha
pelo então Secretário Municipal de Educação, o requerido Iran Cardoso Bilheiro, com o conhecimento e anuência do requerido José
Amauri dos Santos, na época ocupando o cargo de Prefeito do Município de
Jaru. Os requeridos, por sua vez, negam haver utilizado servidor público em
horário de expediente, vez que um estava de férias, outro havia sido
exonerado e outro trabalhava na campanha somente nos horários em que não
estava prestando serviços ao Municípios. Antes de
apreciar cada uma dessas situações, importante trazer
à baila o ensinamento de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, ao tratar sobre o ônus da
prova na sistemática do art. 333 da lei adjetiva civil: "Cada parte,
portanto, tem o ônus de provar os pressupostos fáticos do direito que
pretenda seja aplicado pelo juiz na solução do litígio. Quando o réu contesta
apenas negando o fato em que se baseia a pretensão do autor, todo o ônus
recai sobre este [...] Quando, todavia, o réu se defende através de defesa
indireta, invocando fato capaz de alterar ou eliminar as conseqüências
jurídicas daquele outro fato invocado pelo autor, a regra inverte-se. É que,
ao se basear em fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do
autor, o réu implicitamente admitiu como verídico o fato básico da petição
inicial, ou seja aquele que causou o aparecimento do direito que,
posteriormente, veio a sofrer as conseqüências do evento a que alude a contestação".
A situação exposta na doutrina é exatamente a que se configura no caso de
dois dos três servidores. Senão, vejamos: a) Do servidor Antônio Ribeiro Milhomem. Segundo o Ministério Público, Antônio era
motorista contratado pelo Projeto Parecis mas trabalhava na campanha eleitoral de 2002. Os
requeridos não negam tal afirmação, mas alegam fato modificativo, no sentido
de que o servidor estava de férias quando trabalhou. Face o disposto no art.
333, II, do CPC, então, os requeridos é que tinham o ônus de provar que o
servidor Antônio Ribeiro Milhomens estava de férias
- o que não ocorreu. Note-se que o setor de protocolo da Prefeitura não
recebeu nenhum requerimento de férias nos meses de agosto e setembro de 2002
(fl. 35) e o nome do aludido servidor não está entre aqueles "concursados, contratados e detentores de cargo de
confiança" constantes na listagem anexa à certidão de fl. 37. Realmente
não há prova de que Antônio R. Milhomens
estivesse de férias, pois o documento de fl. 45 não teve seu recebimento
atestado por qualquer órgão da Prefeitura. Isto, sem falar que foram
elaboradas duas folhas de ponto, uma entregue pelo requerido Iran na
Promotoria (fls. 56/57) e outra juntada pelo requerido José Amauri, com sua
defesa preliminar (fl. 139), o que traz dúvidas sobre a oficialidade de tais
documentos. Melhor apreciação deve ser dada ao Ofício de fl. 70, encaminhado
ao Ministério Público pelo então Secretário Municipal de Administração,
Carlos Alberto Antunes Amaral, onde afirma que o servidor realmente requereu
férias mas que não conseguiu localizar seu pedido.
Diante do suposto extravio do documento, o Secretário determinou ex officio, em 25.9.2002, que as férias de Antônio R. Milhomens fosse lançada na
folha de pagamento de setembro/02, mês que já estava findando. Ora, se o
Secretário não localizou o requerimento de férias do servidor mesmo após ter
"efetuado rigoroso levantamento", também não pode afirmar com
tamanha certeza que o pedido foi recebido pela Administração. Ademais, não há
notícia de que tal pedido tenha ou não, sido deferido. Existe sim, a
afirmação do Secretário de que lançou as férias na folha de pagamento um dia
depois do servidor ter sido apreendido, em horário de expediente,
transportando a candidata à Deputada Federal Dorinha e outra mulher que se
apresentava como "esposa do João da Muleta", candidato à Deputado
Estadual (fls. 29/31). Tais evidências, somadas à subordinação do Secretário
Municipal de Administração ao requerido José Amauri dos Santos, já que este
ocupava o cargo de Prefeito, retiram por completo a credibilidade do
documento de fl. 70. Ainda que a total ausência de provas quanto ao
requerimento de férias fosse ignorada a fim de admiti-lo como realizado,
ainda assim não seria suficiente, pois não há provas de que as férias haviam
sido realmente concedidas, de modo que não se poderia permitir que o servidor
Antônio Ribeiro Milhomens simplesmente abandonasse
suas funções, como ele próprio confessa às fls. 242: "...Que
se ofereceu ao prefeito para trabalhar de motorista na campanha de 2002,
tendo o mesmo aceitado. Que ficou trabalhando mais para a sra.
Dorinha embora carregasse todo mundo inclusive o próprio prefeito. Que certa
vez levou dona Dorinha ao município de Alvorada sendo que o sr. Amauri estava lá ‘desde cedo'. Que pelo que recorda
não levou o sr. Amauri, nesses trinta dias nenhuma
vez como motorista, em qualquer evento oficial [...] Recorda que o próprio
secretário da educação na porta da secretaria de administração, assinou algum
documento que a testemunha acredita ‘ser suas férias'...". Aliás, a
servidora Camila Barbosa G. Vidigal, ouvida à fl. 241, afirmou que "não
sabe dizer por qual razão o pedido de férias de Antônio Ribeiro não teve o
procedimento de praxe". A testemunha afirmou ainda, que o suposto
requerimento de fl. 45 foge "aos padrões dos funcionários municipais que
em regra o fazem no próprio sindicato, endereçado a secretaria a que
pertence", sendo que em relação aos servidores não-estatutários o
correto é que sigam "uma escala de férias" - da qual não há notícia
nos autos. Denota-se, então, que o servidor Antônio Ribeiro Milhomens trabalhou na campanha eleitoral de 2002, em
favor dos candidatos Dorinha e João da Muleta, com pleno consentimento de
ambos os requeridos, durante seu horário de expediente normal. b) Da
servidora Ezuila Bandeira de Souza. Ezuila exercia a função de zeladora e também era
contratada pelo Projeto Parecis. Neste caso, os
requeridos também não negam que a mesma estivesse trabalhando na campanha
eleitoral de 2002, mas afirmam que em função da mesma ter sido exonerada em
02.9.2002, a mesma já não estava mais vinculada ao Poder Público. Aqui também
se aplica o inciso II do art. 333 do CPC, pois a exoneração constitui fato
impeditivo da pretensão do autor e, portanto, cabe aos requeridos prová-la
juntado nos autos cópia do decreto de exoneração, o que fizeram à fl. 144. Na
verdade Ezuila Bandeira de Souza começou a
trabalhar na campanha antes de ser exonerada, mas aparentemente sem o
consentimento dos requeridos, conforme se observa no depoimento da própria
servidora, prestado à fl. 238: "...por ser
funcionária do projeto Parecis, não poderia
trabalhar para Dorinha e João da Muleta, como pretendia, recebendo pagamento |
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