Sentença que condenou a revista Veja
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Sentença que condenou a revista Veja a pagar indenização por danos morais ao Conselheiro aposentado Amadeu Machado |
28ª VARA CÍVEL (VIGÉSIMA OITAVA VARA CÍVEL DA CAPITAL) Processo nº 000.03.021335-5 Vistos, etc...
AMADEU GUILHERME MATZENBACHER MACHADO, devidamente qualificado e representado nos autos, propôs a presente “AÇÃO DE RESSARCIMENTO POR DANO MORAL”, de rito ordinário, em face de EDITORA ABRIL S.A., afirmando, ser Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia e que “Em março de 2.001, por questões de natureza política, instaurou-se na Assembléia Legislativa daquele Estado, Comissão Parlamentar de Inquérito para, segundo a justificativa contida no requerimento de instalação da CPI, apurar ato de desapropriação de gleba de terras urbanas na cidade de Porto Velho, de propriedade da empresa ‘Ribas, Machado e Leal, da qual o Autor é um dos sócios.”
Esclareceu que, em virtude desse fato, a Ré publicou em sua revista “VEJA” uma reportagem caluniosa, imputando ao Autor diversos crimes que não teria cometido. Enfatizou, nesse passo, que a conduta da Ré lhe causou severo dano moral, razão pela qual teria direito à indenização por esses danos, de acordo com o que dispõe a “...CF, art. 5º, X; Código Civil, art. 159 e Lei 5.250, art. 49, não se aplicando, contudo, as limitações da Lei de Imprensa no que tange à fixação do quantum indenizatório.”
Requereu a procedência da demanda condenando-se a Ré “...a pagar ao Autor indenização por dano moral, a ser arbitrado de conformidade com o permissivo do Art. 1.533 do Código Civil e segundo (...)” a avaliação do Magistrado.
Requereu, outrossim, a “CONDENAÇÃO da Ré a publicar, em sua revista, a sentença a ser proferida neste litígio, nos mesmos espaços utilizados para a publicação das inverdades ora referidas contra o autor.”
Requereu, por fim, a condenação da Ré no ônus da sucumbência (fls. 02/10).
Acompanham os documentos de fls. 11/24. Despachada a petição a inicial pela MM. Juíza de Direito Substituta da 16a Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília, foi determinada a citação da Ré (fls. 28).
Posteriormente, em virtude de acolhimento da exceção de incompetência em apenso, os autos foram distribuídos a este Juízo. Regularmente citada (fls. 84), a Ré ofertou contestação, aduzindo preliminarmente que o Autor decaiu “...de seu direito de pleitear indenização em razão de matéria jornalística publicada em 16 de janeiro de 2002, já que a Lei de imprensa, em seu artigo 56, fixa prazo de 3 (três) meses, contados da data da publicação, para o seu exercício, sob pena de decadência”.
No mais, destacou que: (a) de uma simples leitura da publicação ”...se extrai a veracidade das informações, o caráter de interesse público, o nenhum desbordamento da jornalista que o redigiu com subsídio em relatórios e documentos pertencentes à CPI instaurada pela Assembléia Legislativa de Rondônia”;
(b) que “...as certidões acostadas aos autos pelo Autor às fls. 13/19 destes autos são contestadas pela referida CPI.”;
(c) que a fraude na desapropriação estaria comprovada pelo “RELATÓRIO E VOTO DO DEPUTADO CHICO PARAÍBA, ENCERRANDO OS TRABALHOS DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO FORMADA PELA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE RONDÔNIA PARA APURAR DESVIOS DE ATIVOS DO ESTADO EM SUPOSTA AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL EM PORTO VELHO”;
(d) a imprensa local divulgou esses fatos, por diversas vezes; (e) não houve dano moral, sobretudo porque o Autor é um “homem público” que estaria acostumado com este tipo de situação;
(f) o quantum debeatur deve ser fixado de acordo com os critérios de razoabilidade;
(g) “...se o Autor almeja verba reparatória, a ser fixada com critérios de compensação pelo dano sofrido, acrescido de valor relativo ao desestímulo ao ofensor, é evidente que não pode pedir, ainda, a publicação da sentença. Tal situação, por integrar a condenação, afetaria a proporcionalidade e a razoabilidade, princípios constitucionais de relevo e destaque”;
(h) “Tal situação afetaria o princípio da justa indenização e violaria o artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece, em seu inciso V, que é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo.”
Requereu fosse acolhida a preliminar de decadência e, subsidiariamente, a improcedência da ação. Requereu, outrossim, a condenação do Autor no ônus da sucumbência (fls. 90/115).
A contestação veio instruída dos documentos de fls. 116/262. Em réplica, o Autor rebateu a preliminar argüida e reafirmou os argumentos aduzidos na petição inicial. Destacou, outrossim, que “...a ré não está devidamente representada nos autos, vez que os documentos de fls. 116/138, que se tratam de cópias, deveriam vir autenticados, em especial a procuração de fl. 116.” E que “Não obstante, a ré traz aos autos três instrumentos (fls. 87, 116 e 139), porém, recolhe as custas referente a tão somente um (fl. 88).” (fls. 281/292). Acompanham os documentos de fls. 294/374.
A Ré manifestou-se sobre a réplica às fls. 382/387. A manifestação veio instruída dos documentos de fls. 388/392. Instadas as partes a especificar provas (fls. 398), ambas requereram o julgamento antecipado da lide (fls. 399/403 e fls. 405/407).
Por fim, o Autor trouxe novos documentos às fls. 408/534, sobre os quais a Ré se manifestou às fls. 536/544, requerendo seu desentranhamento dos autos, por serem, em tese, desnecessários para o deslinde do feito. É o relatório.
FUNDAMENTO E DECIDO:
A lide comporta o julgamento antecipado, uma vez que a matéria de mérito é unicamente de direito (art. 330, I, do CPC).
Afasto a preliminar de decadência argüida pela Ré. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que a Constituição Federal de 1988 não recepcionou a lei de imprensa na parte em que este diploma disciplina o prazo decadencial. Nesse sentido, confira-se, dentre inúmeros outros, os seguintes arestos: “Agravo no recurso especial. Processual civil e civil. Imprensa. Dano moral. Decadência. Art. 56, da lei nº 5.250/67. Inaplicabilidade. Às ações em que se pretende a indenização por danos morais, não se aplica o prazo decadencial previsto no art. 56, da Lei nº 5.250/67, por não ter sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988.” (STJ, AgREsp nº 281344/MG, 3a T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 19/04/2001, v.u.). (Grifei) “LEI DE IMPRENSA. Decadência. - Não se aplica o prazo decadencial previsto na Lei de Imprensa depois da vigência da Constituição Federal de 1988. Precedentes. - Recurso conhecido em parte e provido.” (STJ, REsp nº 244642/MG, 4a T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 21/03/2000, v.u.). (Grifei) No mérito a AÇÃO É PARCIALMENTE PROCEDENTE. Dispõe o art. 159, do Código Civil de 1.916 (correspondente aos arts. 186 e 927, do Novo Código Civil) que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.” A professora Maria Helena Diniz interpretando o dispositivo em questão (Código civil anotado. 6. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 169), anota que:
“Para que se configure o ato ilícito, será imprescindível que haja: a) fato lesivo voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência (...); b) ocorrência de um dano patrimonial ou moral, sendo que pela Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça serão cumuláveis as indenizações por dano material e moral decorrentes do mesmo fato (...); c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente (...)” (destaquei)
Dessa forma, os requisitos para caracterização da responsabilidade civil fundamentam-se no seguinte trinômio: CONDUTA DOLOSA OU CULPOSA do agente – DANO – NEXO DE CAUSALIDADE entre esse dano e a conduta. No caso vertente, estão presentes todos estes requisitos. Vejamos. Com relação à conduta dolosa ou culposa da Ré, esta é evidente.
De fato, em que pese a liberdade de expressão assegurada à imprensa pela Carta Magna, este direito não pode se sobrepor, de forma alguma a outros direitos do cidadão, tais como a honra e a presunção de inocência. No caso vertente, a Ré, agindo no mínimo culposamente, extrapolou o exercício legal de seu direito, na medida em que não narrou simplesmente os fatos conforme ocorreram (que o Autor era alvo de uma investigação); indo além, tecendo juízos de valor e imputando a prática de crimes ao Requerente, delitos esses que não restavam comprovados naquele momento, e tampouco neste, segundo o que consta dos autos. Em outros termos, a Ré ignorou, por completo, o que dispõe a Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” Nesse diapasão, é de se observar que, mesmo que o Autor seja responsabilizado, em data futura, pelos supostos delitos que lhe foram irrogados pela Ré – o que aparentemente não ocorrerá, tendo em vista que a suposta fraude no registro de imóveis já foi afastada judicialmente (fls. 436/439) – ainda assim a conduta na Requerida foi abusiva, pois, reafirme-se, no momento em que as acusações foram feitas, o Autor não havia sido sofrido qualquer condenação criminal pelos fatos em questão. Em outros termos, a Ré não tinha qualquer motivo plausível – a não ser aumentar o número de venda de seus exemplares – para afirmar que o Autor “Falsificou documentos para receber dinheiro de desapropriação” e “...articulou um acordo para indenizar a própria empresa em 4,5 milhões de reais por desapropriação de terras em Porto Velho”
Assim, resta evidente que a Ré extrapolou os limites de sua atuação, afrontando o que dispõe o art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal. Configurado o elemento volitivo, cumpre observar, agora, o dano experimentado pelo Autor.
Nesse sentido, é estreme de dúvidas que o fato de alguém ser apontado, pelos meios de mídia, como criminoso, sem que haja comprovação de tal fato, gera intenso dano moral ao indivíduo. Tanto isso é verdade, que essa conduta encontra-se tipificada no Código Penal, no Capítulo dos Crimes contra a Honra. Assim, é inconteste o dano moral, sendo desnecessária sua comprovação (dano in re ipsa). Neste sentido, esclarece o Culto Magistrado Antonio Jeová Santos (Dano moral indenizável. 4. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 519) que:
“Quando existe dano moral, principalmente quando o ataque é a um direito personalíssimo, honra, intimidade, vida privada e imagem, ou quando fica restrita ao pretium doloris, com muito maior razão não devem mediar razões que justifiquem a exigência da prova direta. O dano, em especial nestes casos, deve ter-se por comprovado in re ipsa. Pela comum experiência de vida, estes fatos são considerados como agravos morais, passíveis de indenização.” (Grifei)
Em sentido idêntico tem se manifestado reiteradamente o Colendo Superior Tribunal de Justiça, conforme se pode observar dos elucidativos julgados abaixo transcritos:
“A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que na concepção moderna da reparação do dano moral prevalece a orientação de que a responsabilização do agente que opera por força de simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto” (STJ. REsp nº 196.024, Rel. Min. César Asfor Rocha, j. em 02.03.1999, in RSTJ 124/397). (Grifei)
“Dispensa-se a prova de prejuízo para demonstrar a ofensa ao moral humano, já que o dano moral, tido como lesão à personalidade, ao âmago e à honra da pessoa, por vez é de difícil constatação, haja vista os reflexos atingirem parte muito própria do indivíduo – o seu interior. De qualquer forma a indenização não surge somente nos casos de prejuízo, mas também pela violação de um direito” (STJ, REsp nº 85.019, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 10.03.1998). (Grifei).
“A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (damnum in re ipsa). Verificado o evento danoso, surge a necessidade da reparação, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa)” (STJ, REsp nº 23.575-DF, 4ª Turma, Rel. Min. César Asfor Rocha, j. em 09.06.1997, in RSTJ 98/270). (Grifei)
Irrelevante, de outra parte, o fato de o Autor ser um “homem público”, pois, ainda que esteja mais exposto à mídia do que os demais cidadãos, esta circunstância não autoriza que lhe sejam feitas imputações caluniosas.
Por fim, é assente o nexo de causalidade entre a conduta da Ré e os danos experimentados pelo Autor, uma vez que, não fosse a Ré publicar informações caluniosas do Requerente, este não teria sofrido qualquer abalo moral. Caracterizada a ocorrência dos danos morais, passo a quantificá-los.
Inicialmente, levo em conta que os critérios de fixação do dano moral previstos na Lei de Imprensa não foram recepcionados pela Constituição Federal, conforme caudalosa jurisprudência acerca do tema, que levou à edição da Súmula 281, pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça; e conforme já foi admitido pela própria Ré, nestes autos. Anoto, de outro lado, que apesar de inexistir previsão legal específica para o caso ora tratado, a doutrina e a jurisprudência, alguns aspectos devem ser levados em consideração para a quantificação do dano: o valor da reparação deve representar satisfação capaz de neutralizar ou anestesiar em alguma parte o sofrimento impingido; deve-se levar em conta à gravidade dos danos sofridos; deve-se observar as condições pessoais, morais, sociais e econômicas das partes; além do fator de dissuasão, ou seja, o desestímulo na prática de nova conduta semelhante. Nesse sentido, Antonio Jeová Santos (Op. cit. p. 186) aduz que deve-se levar em consideração: “a) grau de reprovabilidade da conduta ilícita; b) intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima; c) capacidade econômica do causador do dano; d) condições pessoais do ofendido”. E, não é outro o entendimento jurisprudencial acerca do tema: “Em se tratando de reparação civil por danos morais, deve-se atentar para as CONDIÇÕES DAS PARTES, a GRAVIDADE DA LESÃO, sua REPERCUSSÃO, a CULPA DO AGENTE e as CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS” (TJSP, Ap., 9ª Câm. Direito Público, Rel. Des. Gonzaga Franceschini, j. em 18.03.1998, in JTJ-LEX 204/70). (Grifei)
Assim, tendo em vista que a Ré é empresa que tem enorme distribuição de seus exemplares, que deve zelar para que situações como esta não ocorram novamente; e o fato de o Autor, bacharel em direito, “homem público”, ter experimentado grande dissabor, entendo que a importância de R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) seja razoável para a hipótese.
Por fim, com relação ao pedido de publicação da sentença ora prolatada em exemplar da Ré, anoto que o pleito merece procedência parcial, uma vez que fugiria à razoabilidade e à proporcionalidade da ofensa, fazer com que a Ré publicasse o julgado na íntegra. Nesse passo, deverá a Ré publicar, na revista “VEJA”, por uma vez, somente a parte dispositiva do julgado. A Requerida terá o prazo de 30 (trinta) dias para tomar tal providência, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00, por dia de descumprimento, de acordo com o que dispões os §§ 4º e 5º, do art. 461, do Código de Processo Civil.
Anoto, por derradeiro, que o fato de ter a Ré sido condenada a indenizar o Autor pelos danos morais afastados, não afasta sua condenação em publicar o dispositivo da presente decisão, sobretudo porque a Constituição Federal assegura expressamente “...o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (art. 5º, inc. V - Grifei)
Ante todo o exposto e pelo mais que consta dos autos, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação, para o fim de condenar a Ré a pagar ao Autor, a título de danos morais, a importância de R$ 150.000,00, pelos fatos caluniosos que lhe foram imputados na edição nº 1734, da Revista “VEJA”. Tal importância será corrigida monetariamente, a partir da data em que circulou a revista; e acrescida de juros de mora, a partir da citação.
No mais, condeno a Ré na obrigação de fazer consistente em publicar a parte dispositiva desta decisão, no aludido periódico, por uma vez. A Requerida terá o prazo de 30 (trinta) dias para tomar tal providência, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 por dia de descumprimento.
Tendo em vista o fato de o Autor ter decaído de parte mínima do pedido, a Ré responderá, por inteiro, pelas despesas e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação (CPC, art. 20, § 3º, c.c. art. 21, parágrafo único)
P. R. I. São Paulo, 11 de setembro de 2006.
Eduardo Almeida P. Rocha de Siqueira
Juiz de Direito |
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