Após ser impedido de assumir sua vaga na Assembléia Legislativa de Rondônia, o Deputado Marco Antônio Donadon conseguiu, no TSE liberação para tomar posse de seu cargo.
VEJA NA ÍNTEGRA O RELATÓRIO FINAL DO PROCESSO.
Decisão Monocrática em 13/02/2011 - AC Nº 16643 Ministro MARCO AURÉLIO
DECISÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO - INELEGIBILIDADE - AÇÃO CAUTELAR - MEDIDA ACAUTELADORA - EMPRÉSTIMO DE EFICÁCIA SUSPENSIVA A RECURSO ESPECIAL.
1. A Assessoria prestou as seguintes informações:
Nesta ação, com pedido de liminar, Marcos Antônio Donadon pleiteia a atribuição de efeito suspensivo ao Recurso Especial Eleitoral nº 97810 (folhas 217 a 250), o qual se volta contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia que implicou o indeferimento do registro da respectiva candidatura a Deputado Estadual (folhas 203 a 211).
Consignou-se, no acórdão atacado, a incidência das inelegibilidades previstas no artigo 1º, I, e e l, da Lei Complementar nº 64/1990 - redação conferida pela Lei Complementar nº 135/2010 -, devido à condenação do ora autor pelo Tribunal de Justiça de Rondônia, em decisões ainda não transitadas em julgado, por formação de quadrilha, supressão de documentos e peculato (artigos 288, 305 e 312 do Código Penal), e à suspensão dos direitos políticos pela prática de ato doloso de improbidade administrativa, reconhecida a ocorrência de enriquecimento ilícito e lesão ao erário.
Faz notar o autor ter obtido votos suficientes para eleger-se, não havendo sido diplomado em razão do indeferimento do registro. Defende possuírem natureza de sanção as inelegibilidades trazidas pela Lei Complementar nº 135/2010, resultando em antecipação do cumprimento de penas, em violação dos princípios da presunção de não culpabilidade e da dignidade da pessoa humana (artigos 5º, LVII, e 1º, III, da Carta Magna), especialmente ante a vinculação da suspensão dos direitos políticos à condenação criminal transitada em julgado (artigo 15, III, da Lei Maior). Alega configurar retroatividade a aplicação da nova Lei a fatos anteriores à promulgação, em desrespeito aos princípios da legalidade e da reserva legal e à proteção ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido (artigo 5º, II, XXXIX e XXXVI, da Carta Magna e artigo 6º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil). Assinala que o novo Diploma altera o processo eleitoral, em afronta ao preceituado no artigo 16 da Constituição.
Sustenta não ter o Supremo se pronunciado quanto às questões postas no recurso no tocante às alíneas e e l do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/1990. Alude à concessão de liminar pelo Ministro Celso de Mello na Ação Cautelar nº 2763, ajuizada pelo irmão do autor, em situação idêntica.
O risco decorreria da impossibilidade de exercer o mandato, já em curso, assim como de participar da eleição para compor a Mesa da Assembleia Legislativa ou de candidatar-se a vaga nas Comissões da Casa, tendo em conta realizarem-se os escrutínios a partir de 1º de fevereiro do primeiro ano da Legislatura.
Requer a concessão de medida liminar, para que seja suspenso o acórdão do Regional até a decisão definitiva do recurso. No mérito, após a citação do Ministério Público Eleitoral e do litisconsorte passivo, Edson Martins de Paulo - candidato diplomado no lugar do autor -, pede a confirmação do pleito acautelador.
O Recurso Especial nº 97810 encontra-se na Coordenadoria de Processamento deste Tribunal, aguardando a manifestação das partes sobre o comunicado do Superior Tribunal de Justiça em que se consignou o prejuízo de cautelar proposta pelo ora autor para conferir eficácia suspensiva ao recurso em trâmite naquele Tribunal, voltado contra a decisão pela qual o Tribunal de Justiça de Rondônia assentou a prática de ato de improbidade administrativa, fundamento do reconhecimento da inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, l, da Lei Complementar nº 64/1990, com a redação dada pela Lei Complementar nº 135/2010.
A ação foi ajuizada em 31 de janeiro de 2010 e encaminhada ao Ministro Presidente, que, levando em conta a proximidade do término do recesso, determinou a conclusão a Vossa Excelência. O recebimento no Gabinete ocorreu às 16h59 de 1º de fevereiro de 2010 (folha 355), para a apreciação do pedido de medida liminar.
2. O tema veiculado nesta ação cautelar ainda está em aberto. Falta sobre ele o pronunciamento do guardião máximo da Constituição Federal - o Supremo. A segurança jurídica está em jogo, então há o envolvimento de valor maior. Reporto-me ao que tenho consignado sobre a matéria:
Repetem-se os recursos tendo em conta a aplicação - nestas eleições e de forma retroativa - da Lei Complementar nº 135/2010. Na esteira de pronunciamento do Tribunal Superior Eleitoral - em relação ao qual guardo profundas reservas -, nada menos que vinte e quatro Tribunais Regionais Eleitorais vêm observando, nestas eleições, a citada Lei. São exceções os Tribunais do Tocantins, do Pará e do Maranhão.
Descabe introduzir, na Carta da República, exceção não contemplada e, mais do que isso, distinguir onde a norma não distingue. O artigo 16 nela contido, a revelar a homenagem constitucional à segurança jurídica, preceitua:
Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência (Emenda Constitucional nº 4/1993).
A toda evidência, o preceito versa direito material e não apenas processual. A referência a processo eleitoral direciona à caminhada visando à participação no pleito. Ora, ninguém em sã consciência é capaz de afirmar não repercutir a Lei Complementar nº 135/2010 no gênero processo eleitoral. Ela versa sobre inelegibilidades e, assim, repercute sobremaneira - como demonstram os inúmeros processos em andamento nos Regionais e no Tribunal Superior Eleitoral - na participação de candidatos. Mais do que isso, tem sido maltratada a primeira condição da segurança jurídica: a irretroatividade normativa. Sem esta, é a babel! Sem esta, a sociedade viverá aos sobressaltos, deixando de reinar a almejada paz social. Hoje, visando à correção de rumos no campo político-administrativo, implementa-se a retroatividade da Lei Complementar nº 135/2010. Amanhã, ante precedente nefasto, instalar-se-á a mesma prática quanto a outros direitos, a outras leis que possam ser interpretadas no campo da aplicação no tempo.
Mas há mais. Se se partir para a interpretação sistemática da Constituição Federal, ver-se-á que ela se mostrou explícita quanto à irretroatividade da lei, considerados certos temas. A previsão, quanto à matéria penal, é de que a lei só retroage para beneficiar o acusado, e, quanto à matéria tributária, é de que a lei nova não apanha fato gerador ocorrido antes da vigência, devendo ter sido editada no exercício anterior. E, porque se elasteceu a previsão antes própria às contribuições sociais, há, ainda, a questão da exigibilidade do tributo, que só se torna exigível passados noventa dias.
Indaga-se, sem se levar em conta o que, para mim, seria direito natural do cidadão: as situações jurídicas contempladas e agasalhadas pela proibição da irretroatividade estão esgotadas nesses dois temas? A resposta é desenganadamente negativa. Basta considerar que dois artigos mencionam, como direito social, a segurança - e a segurança há de ser tomada no sentido linear - artigos 5º e 6º. Cumpre ter presente, ainda, a garantia constitucional segundo a qual "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada" - inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal.
A lei é sempre editada para viger prospectivamente, e nisto está a segurança jurídica: a lei nova não apanha ato ou fato jurídico anterior, muito menos situação jurídica devidamente constituída. Nem mesmo a Constituição Absolutista de 1824, em que havia o Poder Moderador, abandonou o critério, quanto a direitos individuais, da irretroatividade da lei.
Paga-se um preço por se viver em um Estado de Direito, e é módico - o respeito irrestrito ao arcabouço normativo. Somente assim, haverá avanço no campo dos costumes, no campo cultural, corrigindo-se rumos. Nunca é demasia repetir: em Direito, o meio justifica o fim, mas não este àquele. De bem intencionados, o Brasil está cheio. Hão de distinguir-se os âmbitos próprios à religião, à moral e ao Direito. Que prevaleça, no campo jurisdicional, este último, sem atropelos nem surpresas incompatíveis com a democracia.
3. Defiro a medida liminar, para emprestar eficácia suspensiva ao Recurso Especial Eleitoral nº 97810, com as consequências próprias, presente a situação eleitoral do autor.
4. Citem os réus.
5. Com as manifestações, colham o parecer do Procurador-Geral Eleitoral.
6. Publiquem.
Brasília - residência -, 13 de fevereiro de 2011, às 13h.
Ministro MARCO AURÉLIO
Relator