Análise: Bolívia se prepara para mais um ano de tumulto

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Foto: Divulgação

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Os resultados oficiais do referendo na Bolívia confirmam o que a maioria dos observadores suspeitava: a divisão do país em linhas regionais permanece tão forte como sempre. Mas outros dois fatores devem se unir à essa divisão geográfica em 2009.

Primeiro, as eleições marcadas para o fim do ano. Segundo, a crise econômica global que está tornando mais difícil para o presidente Evo Morales cumprir as promessas de melhorias sociais.

O "sim" venceu em cinco dos nove departamentos (Estados) da Bolívia, enquanto o "não" triunfou nos quatro departamentos da chamada "meia-lua", no leste do país.

Morales pode reivindicar uma retumbante vitória nacional, com o resultado de 61,4% de votos pelo "sim" contra 38,6% pelo "não". Mas os governadores de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija também podem reivindicar vitória, argumentando que o resultado de 61,4% é menor do que os 67% obtidos por Morales no referendo revogatório de agosto passado. O conflito, que em alguns momentos se tornou violento, deve continuar.

Duas áreas de disputa

Há duas áreas principais onde a oposição deve continuar sua luta. A primeira é o Congresso, onde o partido governista Movimento para o Socialismo (MAS) não conta com a maioria na Câmara Alta.

Não está claro como os artigos da nova Constituição vão se tornar lei. Mas é provável que mais de 100 novas leis tenham que ser aprovadas no Congresso para tornar a Constituição operacional --alguns dos membros do principal partido da oposição no Congresso, o Podemos, devem tentar bloqueá-las.

A segunda área é como a espécie de autonomia aprovada em referendos no ano passado pelos departamentos da "meia-lua" vai funcionar ao lado das quatro novas camadas de autonomia --municipal, regional, departamental e indígena-- previstas na nova Constituição.

Para dar um exemplo: um dos departamentos controlados pela oposição, Tarija, detém 85% das reservas de gás nacionais, o principal produto de exportação da Bolívia. Mas estima-se que cerca de 80% dessas reservas estejam em terras dos índios Guarani, um dos 36 grupos indígenas da Bolívia cujos direitos foram ampliados na nova Constituição.

O conflito político deve se intensificar como resultado do referendo, ao mesmo tempo em que se torna mais complicado resolver disputas sobre como distribuir a receita obtida com o gás, que foi de mais de US$ 200 milhões para Tarija em 2008. No passado, a disputa era, tradicionalmente entre o departamento e o governo central, mas agora grupos indígenas podem entrar na briga.

Fraqueza da oposição

É possível que diferentes facções da oposição comecem a se concentrar mais em encontrar um candidato único para disputar as eleições presidenciais com Morales, e menos em suas demandas regionais.

Mas eles vão enfrentar três obstáculos fundamentais: o primeiro é que a recente votação sugere que eles terão dificuldades para romper a barreira dos 40% em nível nacional. O segundo é que os líderes dos departamentos da "meia-lua" ainda não têm um projeto nacional de apelo à maioria da população indígena.

O problema final é de ordem mais prática. Vários políticos se apresentaram como candidatos da oposição, mas será difícil encontrar um que tenha apelo nos departamentos ocidentais e seja aceitável nos departamentos do leste.

Crise econômica

Uma área em que Morales pode estar enfraquecido em 2009 será a economia. A Bolívia está particularmente vulnerável ao desaquecimento econômico global por três razões --a queda dos preços das commodities, a queda da demanda e a queda das remessas de dinheiro de bolivianos morando no exterior.

Quatro commodities --petróleo, gás, zinco e estanho-- respondem por dois terços das exportações da Bolívia. O preço do zinco caiu pela metade nos últimos seis meses, e o do estanho caiu um terço. A receita com petróleo e gás deve diminuir por causa da queda nos preços-- e, no caso do gás, por conta de um volume menor de exportação para o Brasil.

As receitas com petróleo e gás corresponderam a cerca de US$ 2,2 bilhões em 2008, e a estimativa é de que elas caiam cerca de US$ 700 milhões em 2009.

A alta do preço das commodities nos últimos anos foi a principal razão pela qual a Bolívia conseguiu alcançar um historicamente incomum superávit fiscal. Mas isso dificilmente será sustentado, o que poderia significar menos dinheiro para gastos sociais e menos dinheiro para distribuir entre as regiões.

A demanda pelos minerais também deve cair. A Bolívia exporta grandes quantidades de zinco para a Coreia do Sul, por exemplo, onde a demanda já está caindo. A suspensão das preferências comerciais assinada pelo ex-presidente americano George W. Bush para artigos de exportação não-tradicionais, como têxteis, também deve ter um efeito adverso, particularmente em El Alto, onde o apoio a Morales é muito forte.

Finalmente, as remessas enviadas para casa pelos bolivianos no exterior estão caindo rapidamente --em 2008, elas chegaram a US$ 1 bilhão. Elas garantem uma rede de segurança muito importante para grandes setores entre a população mais pobre.

Novo mandato para Morales?

Apesar do contexto econômico desfavorável, analistas afirmam que é difícil que Morales perca as eleições de dezembro, que dariam a ele um mandato de cinco anos. O presidente permanece popular, e a oposição permanece fraca em nível nacional.

Ao contrário de Hugo Chávez, na Venezuela, Morales surgiu de um movimento social e sindical bem organizado e, em grande parte, indígena, onde suas raízes e seu apoio permanecem fortes.

Prova disso foi que muitos bolivianos sequer leram o texto da nova Constituição, mas votaram por ela como demonstração de apoio ao projeto político e social de Morales, de transferir recursos para as camadas mais pobres, em sua maioria indígenas.

O país deve passar por mais um ano turbulento em 2009. Mas como observadores costumam lembrar, a Bolívia é conhecida pela "estabilidade de sua instabilidade".

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