Política em Três Tempos - Por Paulo Queiroz

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Foto: Divulgação

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1 – EL CHE, SEMPRE Quarenta anos atrás, quando ele foi morto na Bolívia, a palavra de ordem que havia proposto à Tricontinental (Organização de Solidariedade com os Povos de África, Ásia e América Latina) ainda soava plausível – “Dois, três, muitos Vietnãs!”. A União Soviética parecia no apogeu do seu poder. A China de Mao, nas convulsões da Revolução Cultural, encarnava a revolução levada ao paroxismo. Nunca se falou tanto do argentino Ernesto Guevara de la Serna, "el Che". Descrito como “a lenda mais fascinante da América Latina depois do Eldorado” e comparado aos libertadores do século 19, Che passou de guerrilheiro vitorioso nos anos 50 e derrotado nos anos 60 a ícone da esperança revolucionária mundial. Tudo começou quando o jovem médico Ernesto, ao viajar por países latino-americanos, sensibilizou-se com a miséria, acreditando na via revolucionária como elemento de transformação. Na Guatemala, colaborou no governo democrático e reformista de Jacobo Arbenz, que afetou interesses norte-americanos, sendo derrubado por um golpe tramado pela CIA. Exilado no México, Guevara conheceu um grupo de cubanos que tentara derrubar o ditador Fulgêncio Batista, aliado dos EUA. Foi então que ganhou o apelido Che, participando dos planos revolucionários dos irmãos Fidel e Raúl Castro. Em 1956, o grupo desembarcou em Cuba e organizou uma guerra de guerrilhas na Sierra Maestra, que culminou em 59 na queda de Batista, iniciando um amplo programa de reformas. O governo de Fidel decretou a nacionalização e estatização de empresas, leis de reforma agrária e urbana, e assumiu a educação e a saúde como prioridades. Guevara colaborou na construção do primeiro modelo socialista da América, exercendo diversos cargos como cidadão cubano. Nesse período, escreveu "Guerra de Guerrilhas", defendendo que o guerrilheiro era a vanguarda armada do povo na luta contra a opressão. Em 65, por diferenças ideológicas e razões controvertidas, Che saiu de Cuba para expandir o socialismo por meio da ação guerrilheira. 2 – CRISTO MORTO Com a intenção de "criar dois, três, muitos Vietnãs...", partiu para o Congo, financiado por Fidel, onde fracassou. Instalou-se então na Bolívia, que deveria ser o centro irradiador de sua luta, registrando em seu diário o desespero e o isolamento. Em 09 de outubro de 1967, soldados do exército boliviano, em missão especial, executaram Che numa pequena escola de La Higuera, repartindo entre si os poucos pertences do revolucionário. Morria o líder "respeitado, admirado, desprezado e temido" e nascia o mito do "guerrilheiro heróico", que entregou a vida pela causa. A luta pela chamada libertação nacional (que no fundo era uma luta contra o imperialismo em sua forma pré-globalização) produziu outros mártires. Na Tricontinental, que reuniu dissidentes do comunismo internacional, Guevara e Marighela compraram uma briga de foice com antigos companheiros que preferiam seguir a linha conservadora de Moscou. Por coincidência, pouco depois ambos cairiam numa emboscada mortal. Guevara na selva boliviana, Marighela nas ruas de São Paulo. Evidente que, no plano imediato, eles incomodavam o regime em vigor tanto na Bolívia como no Brasil. No plano histórico, também incomodavam tanto os EUA como a estratégia adotada por Moscou. O fato é que Che inspirou - e ainda inspira – movimentos revolucionários, não apenas aqueles que justificaram a instalação de ditaduras militares na América Latina, como os que são fomentados mundo afora. Tornou-se um pesadelo para os ideólogos da direita, que por mais que tenha tentado, jamais conseguiram produzir um discurso bem sucedido para infamá-lo. Um exemplo pertinente é o dos próprios militares bolivianos. Quiseram, com a fotografia de Guevara vencido, consolidar seu triunfo. Fizeram o contrário. A foto de Che, magicamente transfigurado no Cristo da deposição da cruz, se apropriou da imagem mais poderosa em 2 mil anos de história. Sobre a fotografia, não poucos tem-na comparado ao Cristo morto, de Mantegna - Andrea Mantegna (1470-1480). 3 – MAGIA REVOLUCIONÁRIA Só que, desta vez, teme-se que o efeito seja o oposto. Em lugar de sugerir a iminente ressurreição, o sepulcro pode assumir ares de obeliscos que simbolizam esperança revolucionária para civilizações. Já se disse que, tal como a felicidade, a idéia de revolução é nova no Ocidente. Ela data, no fundo, dos últimos 200 anos, da Revolução Francesa, para ser preciso. Antes, era um crime de lesa-majestade. Sua exaltação como auge do heroísmo coletivo, como explosão de energia libertadora, vem do Iluminismo. Thomas Jefferson, por exemplo, dizia que a frágil planta da liberdade só poderia vingar se regada, de tempos em tempos, com o sangue dos tiranos! A magia da revolução provém, em parte, do seu caráter de projeto nunca inteiramente realizado. Um dos seus heróis-símbolo foi Garibaldi, que lembra Guevara em mais de um ponto: no radicalismo, no internacionalismo, na recusa do compromisso, no desapego ao poder, no talento de chefe de guerrilha. O 'herói dos dois mundos' também estava sempre disponível para o sacrifício pelas causas justas. Na raiz das revoluções, está a inconformidade diante da injustiça, a recusa da resignação ante o mundo tal qual é, o desejo de mudar a vida. Isso só pode se fazer por meio da revolução ou da reforma, mas uma precisa da outra como a vida precisa de luz e de água. O pensador peruano José Carlos Mariátegui tenta explicar porque a revolução não morre com os revolucionários: 'A força dos revolucionários (...) está em sua fé, em sua paixão, em sua vontade. É uma força religiosa, mística, espiritual. É a força do mito (...). Os motivos religiosos se transferiram do céu para a terra. Não são divinos; são humanos, são sociais'. Passados 40 anos da sua execução, a figura de Che não é só um mito, não é só um ideal que não quer calar. Ela é um sinal na noite - um sinal de esperança, porquanto muitos gostariam de ouvir novamente as vozes que, seguindo o exemplo do Che, clamam por justiça e exortam à luta contra iniqüidades escandalosas.
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