Eles vão chegando aos poucos, ainda é cedo, oito e 45 da manhã, vai levar um tempo até ter em mãos a única refeição do dia, mas não tem problema ficar esperando. Afinal, ninguém tem nada pra fazer mesmo. Mais de 180 indigentes aparecem todos os dias na igreja Sagrado Coração de Jesus e não é para rezar. Eles querem algo além da oração. Matar a fome.
Fila de espera para ganhar comida
De parecido, além da situação miserável em que vivem, eles tem o semblante triste, melancólico e uma vida frustrada por algum motivo pessoal. Alguns contam sobre o passado, outros dizem que não vale a pena falar, e uma pequena parcela evita qualquer tipo de lembrança que possa deixar à rotina ainda mais triste e desgraçada.
Aguardando o tempo passar
Após uma semana conversando aleatoriamente com alguns eu consegui reunir conteúdo para um livro, tamanho os fatos que envolvem o destino deles até chegar na rua. Todos, sem exceção, tinham uma vida digna com trabalho, família, amigos e perspectivas. De repente, o mundo pareceu desabar. Era o início de uma jornada onde apenas se vive por viver e é isso que você vai acompanhar a seguir. Hoje, o
Rondoniaovivo apresenta a primeira reportagem especial sobre pessoas invisíveis, que, paradoxalmente, são vistas todos os dias, mas que aparentemente tem a existência ignorada já que não fazem diferença nenhuma pra maioria da sociedade.
Projeto
Trabalhar na capital era um sonho para crescer e conquistar uma nova vida. As notícias davam conta de que em Porto Velho havia muita oferta de emprego. Sandra e o marido viviam uma vida difícil em Costa marques, município localizado junto ao Rio Guaporé e distante pouco mais de 700 km de Porto Velho. Ambos lavradores, queriam algo melhor do que a roça e resolveram partir para a capital.
Chegaram cheios de esperança e sem nenhum conhecimento. Na capital, a sobrevivência se tornou algo bem diferente do que Sandra imaginava. Ela e o marido faziam trabalhos temporários, o dinheiro foi ficando cada vez mais difícil de conseguir e não demorou muito para que muitas brigas começassem a ocorrer e resultasse na separação do casal.
O trabalho como diarista garantiu o sustento para Sandra que após um ano separada conheceu um novo companheiro. Começava aí uma nova relação que duraria 19 anos e resultaria em dois filhos. Sandra diz que no início do casamento as coisas foram sendo administradas sem estresse, embora ela não concordasse em ficar um, dois meses longe do marido que trabalhava em um garimpo e só aparecia de vez em quando. Quando o companheiro começou a demorar até 90 dias para aparecer e não havia dinheiro mais para comida, novamente ela passou a enfrentar uma rotina de brigas que culminou com nova separação.
Dessa vez, Sandra não estava sozinha. Tinha dois filhos adolescentes para sustentar. Na mesma época da segunda separação, Sandra soube que seus pais haviam vendido um sítio em Costa Marques. O dinheiro teria sido repartido com 13 irmãos, somente ela não teria recebido nada da família. A separação e o abandono dos pais e irmãos provocaram depressão e tristeza que resultaram na ida para às ruas. Como a filha já havia casado e o filho mais novo acabara de entrar para o exército, Sandra optou pela pior opção. Morar na rua. Fragilizada e sem saber o que fazer da vida, ela conta que não pensou duas vezes quando uma “amiga” lhe ofereceu crack. O que já estava ruim se tornou um pesadelo. Há três anos Sandra vive perambulando pela cidade. Um prédio abandonado na região central tem sido sua moradia junto com pelo menos outros 10 moradores de rua.
Doação
Depois de um longo tempo almoçando somente quando alguém doava comida, Sandra conseguiu garantir um prato de comida na paróquia Sagrada Família, localizada na rua Buenos Aires, que tem convênio com o município e distribui diariamente 180 marmitas para moradores de rua e, atualmente, algumas pessoas que foram afetadas pela pandemia. No caso da janta, Sandra conta que isso é um luxo esporádico. Às vezes, ela consegue tomar sopa na esquina das avenidas Carlos Gomes com Jorge Teixeira, onde uma igreja também faz distribuição de comida.
Cardápio diário de programa social
Saúde
Nas mãos, Sandra carrega um envelope com remédio para pneumonia. Já são quatro meses tomando o medicamento, doado pela prefeitura, e que ainda não lhe curou totalmente.
Remédio apara pneumonia
Na mesma igreja onde ganha o almoço, Sandra consegue tomar banho e veste roupas que são doadas. Usa máscara o tempo todo e sempre anda com uma garrafa plástica cheia de água. Como toda mulher vaidosa pediu para eu não divulgar quantos anos tem, mas é nítida sua aparência de pelo menos uns 15 anos mais velha em relação à sua idade. Sobre o futuro, ela relata que após conhecer a neta largou às drogas e sonha com um lar para morar e ter suas coisas. Disse que não quis ir viver com a filha pois entende que estaria invadindo a privacidade da menina e do genro.
Sandra, moradora de rua
Futuro
Sandra se considera uma pessoa que não escolhe serviço e afirma trabalhar como diarista quando pessoas que lhe conhecem chamam para fazer algum trabalho de limpeza. Sobre o futuro, ela é taxativa: “tive caráter e força de vontade para largar à droga, agora vou atrás dos meus objetivos”, finaliza com os olhos marejados de quem ainda não perdeu a esperança de dias melhores.
Semana que vem vamos conhecer a história do Francisco. Ele perdeu a família e a vontade de viver após ser mandado embora de casa pela mulher, ao defendê-la das agressões sofridas de um filho drogado.
Francisco