ARTIGO – Que loucura, hein? Olha como eles nos veem?!? – Por Neusa Tezzari

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ARTIGO – Que loucura, hein? Olha como eles nos veem?!? – Por Neusa Tezzari

Foto: Divulgação

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Sou professora da Universidade Federal de Rondônia. Nasci em Queirós, vivi parte da minha infância, minha adolescência e o início da juventude em Lins, ambas no interior do estado de São Paulo. Moro em Porto Velho há 26 anos.

Estou, atualmente, em Campinas, desenvolvendo atividades relativas à minha inserção no Programa de Pós- Doutoramento da Unicamp, desenvolvendo uma pesquisa sobre os migrantes de Rondônia, junto ao Grupo de Pesquisa Memória, História e Educação, da Faculdade de Educação.

Estou numa cidade grande, onde há o maior shopping da América Latina, com acesso aos bens culturais, gastronômicos e tecnológicos mais avançados do mundo, pertinho de São Paulo, onde posso acessar o melhor teatro, o melhor cinema, a melhor programação cultural, enfim.

Amo ir à Pinacoteca, ao Museu da Língua Portuguesa, passear no Mercado Municipal, comer ostras, ir ao cinema, curtir os seus inúmeros shoppings. Até poderia faze tudo isso no próximo feriadão da Páscoa.

Mas sabem o que vou fazer? Estou morrendo de saudade de Porto Velho.

Estou contando os dias para que chegue a Páscoa. Quero voltar para a "minha terra": Porto Velho, Rondônia.

Estou com uma saudade danada de uma boa caldeirada de dourado, de um tacacá bem quentinho, de degustar um creme de cupuaçu, voltar a ver o mais belo por do sol do mundo, que é o pôr do sol no rio Madeira.

Quero também rever amigos, estar entre os meus amados e tomar um maravilhoso açaí. 

Ah! E vou aproveitar para fazer exames de rotina: mamografia, ultrassonografia uterina, dosagem hormonal etc. temos clínicas com aparelhagem sofisticada e atual e tenho certeza de que farei tudo nos quinze dias em que ficarei em casa.

Rondônia é uma terra-mãe gentil, acolhedora. Recebeu, nos diversos ciclos migratórios gente de todo o Brasil.

Se este país é uma colcha de retalhos tal a diversidade de falares, de crenças, de rituais, de costumes, de culinária, de vestuário, de criação artística, enfim, de jeitos de estar-no-mundo, Rondônia é uma bela amostra dessa colcha.

Tem sido vítima de colonizadores, gente que vem buscar sustento, melhoria de vida, e que se vai, assim que consegue. Gente que fez como os portugueses quando chegaram ao Brasil. A ideia que subjaz às práticas e às concepções dessas pessoas é extrair, no pior sentido que essa palavra pode ter.

Mas quem chega aqui com olhos de ver, com generosidade, vê mais que falta de saneamento básico - lembremos que o estado de São Paulo tem sérios problemas de saneamento para serem resolvidos ainda.

Os custos dos imóveis estão exorbitantes, é verdade. Um corretor de imóveis chegou a me dizer que no centro de Porto Velho, um metro quadrado está mais caro que a mesma mediada no Leblon.

Também fomos vítimas desse processo, no início da década de 1980, quando o comércio nos tratava a todos como se fôssemos garimpeiros bamburrados, praticando preços muito acima do valor coerente.

Mas, para analisarmos com critério e não ficarmos falando que isso acontece porque é em Porto Velho, vale perguntar: em qualquer outro lugar do Brasil seria diferente? Onde não haveria especulação? Onde as pessoas deixariam de se aproveitar do momento?

Tem sido comum as pessoas alugarem as suas casas, mudando-se para apartamentos apertados, em função do lucro que o boom imobiliário deu. Conheço pessoas que alugaram suas casa por três vezes o valor do aluguel, em tempos normais. Não há como negar. É uma pena.

Eu escolhi ficar na minha casa, grande, aconchegante; não abro mão da minha qualidade de vida por nada no mundo. A casa que construímos, eu e meu marido, a duras penas, com trabalho honesto é o meu porto seguro, o lugar para onde gosto de voltar a cada fim do dia. São nossas escolhas.

Mas Porto Velho não é o inferno na terra.

Quem chega com uma postura generosa, com amorosidade, quem vem somar, ajudar a construir o norte do Brasil vê muito mais que apenas suas mazelas, que, diga-se de passagem, não são piores que as do restante do Brasil.

Quem vem passar "uma chuva", sabendo que não vai ficar, quem se deixou levar pelo que a mídia fala de nós, muitas vezes, num tom generalizante e equivocado, quem só veio buscar sustento, riqueza, melhoria de vida para plantar em outro lugar, quem já veio disposto a ver o feio, o que não funciona, não vai ver nada de bom mesmo. O olhar já chega contaminado.

Como vamos interagir com pessoas que nos veem assim?

Estamos no início deste novo ciclo, em função da construção das usinas. Todo dia tem alguém que "Chegou hoje" a Porto Velho.

Antes de embarcar para Campinas, vivi uma cena hilária, para dizer o mínimo:

Estava num salão, cortando o cabelo e entrou uma moça recém-chegada.

Reclamou de tudo: do trânsito, disso e daquilo e terminou perguntando:

O sol de vocês nunca esfria não, é? Estou andando de roupa de mangas, é muito ardido!!!!

Alguém já viu o sol esfriar?

Não há o sol de Rondônia, há o sol de todos nós.

Mas, em Rondônia, ele brilha lindamente.

Aos que chegam, cheguem com o coração aberto, abram os olhos para ver tudo e verão que há belezas, sim, no plural. Que há acertos, limpeza, progresso, sim! Sejam, apenas, delicados. Permitam-se experienciar outra região, outros falares, outras crenças, outros jeitos de estar-no-mundo.

Vocês encontram uma história que começou de há muito. Há que se respeitar os que aqui nasceram, os que aqui chegaram muito antes de vocês e que estão se esforçando para tornar esta terra um lugar onde é muito bom viver.

Precisamos disso.

Rondônia, Porto Velho e as demais cidades precisam disso: amorosidade, delicadeza, força de trabalho, amor à terra que os acolhe e que garantirá o seu sustento. É por isso que vocês vieram, não é?

Então, sejam bem-vindos!!

Quem sabe, vocês desenvolvem uma relação de pertencimento com esta terra e vão ficando por aqui quando terminar a construção das usinas?

CONTATO - tezzari@uol.com.br

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