Política em Três Tempos
1 – PARAÍBA? JAMAIS!
Tem dado o que falar essa suposta decisão do ex-prefeito (Presidente Médici) e ex-deputado estadual Chico Paraíba no sentido de renegar, de uma só vez, o hipocorístico “Chico” e o apelido “Paraíba” que compuseram o nome pelo qual ficou conhecido em Rondônia e por intermédio do qual se elegeu e exerceu os cargos aí explicitados.
Aliás, a julgar pela divulgação do designativo com que, de agora por diante, pretende ser referido – Francisco Carvalho -, tratar-se-ia de uma tríplice abjuração, porquanto o sobrenome “da Silva”, do antropônimo que carrega de batismo -Francisco Carvalho da Silva –, também seria expurgado da porta do gabinete, dos cartões de apresentação e das correspondências que vão identificá-lo como o novo conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Rondônia (TCE-RO).
Hipocorístico, leitor, conforme ensina, entre mestres vários, o escritor Deonísio da Silva (doutor em Letras e muito cioso do seu “da Silva”), vem do grego “hypokoristikós”, algo como acariciante, suavizante. No caso, diz-se da designação carinhosa da pessoa ou de seu prenome, quase sempre formando um tratamento mediante sufixos que indicam diminutivo, como Paulinho e Marquinho, ou aumentativo, como Paulão e Marcão. Em outras ocasiões faz-se pela duplicação de sílabas: Cacá, Vavá e Lili. Por vezes são operadas outras combinações: Tonho ou Totonho para Antônio; Tião para Sebastião; Quincas para Joaquim. E por aí vai.
Chico, como ficou óbvio, é o hipocorístico de Francisco, um nome próprio que só existe por causa do Santo. Melhor dizendo: por conta de uma brincadeira do pai do Santo. Que nasceu em Assis (Itália) e foi batizado João (Giovanni di Petri). Mas como passou uma temporada na França, quando retornou, seu pai (Petri di Bernardone) passou a caçoar do rapaz chamando-o de “Francesco” - do germânico ‘’Frankisch’’, formado de ‘’Frank’’(franco) acrescido do sufixo ‘’-isch’’ significando francês. Pegou. Com a morte do Santo, o nome popularizou-se por todo o mundo cristão.
2 – CHUMBO GROSSO
Não obstante o presumido desdém do novo conselheiro do TCE-RO pelo seu hipocorístico, Franciscos há que não trocam o seu por dinheiro nenhum – vide os multimídias Buarque de Holanda e Anysio. Questão de gosto, porém, não se discute – embora gente enxergando nisso uma ingratidão do ex-deputado em questão com o “Chico” que o fez famoso é que não vai faltar. A bronca do nosso Francisco, no entanto, talvez não seja tanto com o “Chico” – de que não se tem notícia que tenha feito mal a alguém -, mas com o “Paraíba”. Esse sim, um apelido que, vire e mexe, termina sendo encontrado no meio de um sarrabulho.
A ninguém é dado ignorar o sentido pejorativo do termo, utilizado inicialmente no sul do país para designar os paraibanos pobres e semi-analfabetos que lá chegavam para exercer as funções mais desqualificadas no mundo do trabalho – ajudante de pedreiro, porteiro, lavador de pratos e por aí vai. Hoje, depois de desbancar o “Baiano” nesse mesmo sentido, em se tratando de migrante, pobre, atrasado e ignorante, todo nortista ou nordestino é “Paraíba” independentemente da sua naturalidade. Não raro, o bicho pega.
No extremo, a reação pode ser letal. Como no caso dos militares do Exército da guarnição de Itu (SP), no ano da primeira eleição de Lula. Em meio à discussão, o terceiro-sargento Albert Alwin Schimnelpfeng, 22 anos de idade, chamou otambém terceiro-sargento Francisco Bonifácio Oliveira Mendes, 23, seu colega de serviço, de “Paraíba”. - Ah é? Pera aí que’eu vou lhe mostrar quem é “Paraíba”, retrucou Mendes. E sacou de umapistola 9 mm, arma oficial do Exército, com a qual acertou quatro fulminantes disparos em Schimnelpfeng. Se bem que, na Paraíba, seria o contrário: alguém é que seria capaz de matar-se se batizado com um nome desses.
No caso mais recente (há pouco mais de um ano) e mais rumoroso, o “animal” Edmundo, jogando pelo Vasco contra o América de Natal (RN), reagiu à expulsão chamando o juiz (Dacildo Mourão, cearense) de “Paraíba”. Foi um qüiproquó dos diabos.
3 – UM “V” FATAL
Menos mal se o que levou o ex-prefeito e ex-deputado dar uma repaginada no nome tiver sido apenas a aporrinhação provocada pelo apelido e certo desconforto estético com o hipocorístico. De outro modo, ou seja, caso isso não fique claro, serão legítimas as ilações no sentido de que o que Francisco Carvalho talvez pretenda é sepultar Chico Paraíba por este envergonhar àquele, ou seja, porque o passado do político seria constrangedor para o presente do magistrado. Difícil saber.
A par de o nosso Francisco ter lá suas razões para não se sentir muito à vontade com o “Chico” e nem muito menos com o “Paraíba” (supondo prevalente esta hipótese), o episódio também serve à Sociologia na medida em pode contribuir para esclarecer uma velha questão: não é apenas às buchadas de bode e às maioneses requentadas que os políticos se obrigam a suportar em troca do voto. Há que conviver também, fingindo gostar (ou no máximo aparentando indiferença), com os apelidos.
Quer dizer, pode até ser que, na hora de apresentarem-se para o eleitorado, os políticos (ou pretendentes a sê-los) façam questão de registrar os apelidos – até os mais bizarros – como uma das formas de se destacar da massa de candidatos. Mas depois de eventualmente eleitos, tais apelidos, pelo visto, tornam-se um fardo e uma agonia.
Imagine o que não deve ter passado aquele outro Chico, o ex-deputado do PSB de Ariquemes, a quem só se conhecia por “Doido”? Espantosamente, há pelo menos outro “Chico Doido” na política, este em Boa Vista (RR), igualmente ex-deputado. E não obstante mais enrolado do que cabelo de sovaco de pajé (cassação de mandato e condenação por tráfico na ficha), foi eleito vereador pelo DEM em outubro passado com a maior votação da Capital de Roraima. Agora pasme: Tanto quanto o de cá, o de lá também é da Paraíba. Que loucura!
Infestação paraibana de Chicos (doidos ou não) na política do trópico úmido à parte, o fato é que, uma vez decidido a desembaraçar-se do apelido, o novo conselheiro do TCE-RO aproveitou a oportunidade para livrar-se também do hipocorístico. Afinal, nada mais imponente do que esse Carvalho recuperado por Francisco - em todos os tempos e por toda a parte, sinônimo de força. E essa é claramente a impressão que dá a árvore na idade adulta. Aliás, carvalho e força exprimem-se pela mesma palavra latina: “robur”, que simboliza tanto a força moral como a força física. Mas também tem lá seus inconvenientes.
Ministro de João Goulart, Carvalho Pinto estava sendo esperado na Paraíba. No dia aprazado, o jornal “A União”, do governo, circulou com manchete de uma ponta a outra, no alto da 1ª Página, anunciando a visita: “Carvalho Pinto hoje na Paraíba”. Essa era a intenção. “Pinto” ainda não tinha a conotação peniana atual, mas o plantão inteiro foi demitido por atitude indecorosa. Só quando a edição chegou às bancas percebeu-se que a manchete saíra sem o “V”.