Artigo - Cegueira natalina - Por Clemente Ribeiro Cantanhêde

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Foto: Divulgação

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O mundo cristão mais uma vez está em festa. Regozijam-se as famílias. Afinal é essa a data que nos fizeram crer tratar-se do nascimento do nosso salvador. O burburinho é geral. Todos vestem suas melhores roupas, preparam caríssimas comidas, bebidas, arrumam suas casas iluminadas e cintilantes, lâmpadas, pisca-piscas, árvore de natal, enfeites, presentes, risos, alegria, fartura e ilusão. Os corações até ficam mais generosos. Cestas básicas, presente para crianças carentes, natal sem fome, natal dos pobres, natal dos doentes, enfermos, natal dos pobres e natal dos sem nada. Por trás de toda essa alegria se agiganta grande tristeza que contrasta a forte ceia. Imaginamos que um presente dado a uma criança carente resolve a carência de seus pais. Insistimos que cesta básica elimina e fome de uma família miserável. Atribuímos ao velho Noel, dono dessa mágica festa, a diferença circundante entre ricos e pobres, porque só damos atenção a estes no mês de dezembro. Descaracterizamos o verdadeiro motivo da festa, para a satisfação baconiana. Até a igreja, terrena manifestação da casa de Deus, se rendeu ao capital. Essa alegria e vontade de ajudar ao próximo bem poderia se estender por todos os dias do ano, e não apenas na segunda quinzena de dezembro. Ocorre entretanto que, contagiada pelo consumismo e, atendendo ao chamamento de um comércio apelativo que oferece concessões facilitadas de pagamento, a população vai à gastança, porque a ordem é gastar muito e, se sobrar alguns trocados atenderemos nossos lampejos de piedade. Comprando migalhas de alimentos e presentes sem valor aos nossos incômodos semelhantes miseráveis, que estão na rua implantadas como ninguém. São os enterrados vivos! Para um pobre desocupado, não há lugar, não há acesso evidente à vida, pelo menos ao seu alcance. À época do natal, a cidade é um luxo só. As pessoas zig-zagueando nas ruas, os automóveis circulam, as lojas estão cheias, vitrines, turistas, restaurantes convidativos, etc. Vejam os prédios públicos! Todos muito enfeitados e reluzentes. Tudo muito bonito e funcional. Os bares estão cheios, muito álcool , outras drogas, erotismo, esbórnia, econtras, namorados se confidenciam, enfim, a vida corre, assim como os miseráveis tentam escapar da fome. É na noite de natal que muitos vemos corpos e almas arruinadas pela fome, pela crueldade pelo desrespeito, pela desigualdade. São esses parasitas das esquinas, que usam as calçadas como papelão de embalagens como casa, que nos permitem enxergar a discórdia do mundo em que vivemos, que preferimos ignorar. Há velhos consumidos, maltratados, oprimidos, desfigurados e aterrorizados que nem mendigam mais, apenas aguardam a morte, que a vezes, vem de forma cruel: queimados vivos. A miséria dos mendigos do natal, pra não dizer de toda sua vida está incrustada, nos rostos de velhos, jovens e bebês. Mundializa-se porque somos prisioneiros da nossa vaidade e reféns do nosso egoísmo. Amar ao próximo desconhecido é privilégio sobrenatural! O desastre está alinhavado, totalmente previsível: a revolução dos miseráveis. Esqueçamos um pouco Papai Noel, pois não sabemos muito bem de quem, e pensemos mais em Deus. Vamos dividir mais nosso amor fraternal já que temos dificuldade em dividir nossas sobras. O sofrimento vergonhoso desses despossuídos, destila a lassidão de suas nulidades. Não basta desejar Feliz Natal, isso não tem sentido, é preciso contribuir para os excluídos, dando-lhes condições de saírem dessa fratura social e receberem o conforto de uma feliz existência. O autor é cirurgião-dentista e bacharel em história.
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