MOVIMENTO WAYRAKUNAS: 'Indígenas mulheres lutam pelo direito de todos ao bem viver'

A líder indígena Márcia Mura, do Coletivo Mura de Porto Velho e doutora em História Social pela USP, convidada a ingressar no grupo, fala sobre o movimento Wayrakunas Brasil e porque, ao contrário de “mulheres indígenas”, preferem ser identificadas como “indígenas mulheres”

MOVIMENTO WAYRAKUNAS: 'Indígenas mulheres lutam pelo direito de todos ao bem viver'

Foto: Divulgação

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Um grupo de mulheres de diversas etnias indígenas, lideradas por Aline Kaiapó e Bárbara Flores Borum-Krem, decidiu se reunir para mostrar que a percepção de mundo das indígenas pode fazer a diferença e garantir o direito de bem viver a todos.

 

A líder indígena Márcia Mura, do Coletivo Mura de Porto Velho e doutora em História Social pela USP, convidada a ingressar no grupo, fala sobre o movimento Wayrakunas Brasil e porque, ao contrário de “mulheres indígenas”, preferem ser identificadas como “indígenas mulheres”. Márcia adianta que a inversão do termo “mulheres indígenas” por “indígenas mulheres” é uma forma “de valorizar sua ancestralidade e seu papel enquanto indígena”. E wayrakunas, continua Márcia, faz referência à luta de suas antepassadas.

Márcia Mura, de Porto Velho

 

O movimento Wayrakunas, fundado por Aline Kaiapó e Bárbara Flores Borum-Krem, é de origem Aymara (povos que habitam a América do Sul desde a era pré-colombiana) e significa filhas da ventania. Essas indígenas consideram que, por séculos, suas antepassadas foram como o vento, que não se vê, mas é presença forte e imprescindível para a sobrevivência. “Como o vento traz boas novas, renova o ar e poliniza sementes, as indígenas mulheres se veem como resultado dessa ‘polinização’”, conta Márcia.

 

Viver bem, direito de todos em qualquer território

 

A principal pauta das Wayrakunas é a defesa do território e a demarcação das terras: “A defesa do território, porque nós entendemos que nosso corpo é o nosso território. Então, à medida que violam o nosso território, estão violando também o nosso corpo, nosso espírito”, afirma Márcia. É que, por territórios, as indígenas compreendem ainda os espaços que elas vivem hoje. “Muitas de nós passamos por processos violentos de colonização, que obrigaram nossas famílias a saírem desses territórios e hoje estão em outros contextos, tanto contexto urbano, contextos ribeirinhos, como na Amazônia.”

 

Com esse entendimento, as Wayrakunas defendem que sejam garantidas suas percepções de mundo, suas epistemologias e seus direitos “de existir enquanto indígenas mulheres”. E a ideia das indígenas é a de viver bem em todo ambiente. Segundo Márcia, essas mulheres entendem que fazem parte do ambiente inteiro e lutam por um viver bem que difere da perspectiva capitalista “de exploração, de competição, que nos mata, que atravessa nosso território, nossas existências”, um modo de vida que garanta direitos a todos: mulheres, crianças, idosos, povos indígenas.

 

Feminismo, Wayrakunas e ecologia


Apesar de considerar legítimo o movimento feminista, as Wayrakunas dizem que a palavra ”feminismo” não pertence aos indígenas. Afirmam que o feminismo, que chamam de tradicional, nasceu na Europa durante a Revolução Industrial em 1789, enquanto as indígenas mulheres já lutavam contra a invasão europeia 200 anos antes. Por isso, enfatizam que o Movimento das Wayrakunas não deriva do feminismo tradicional e é fruto de uma nova forma de pensar que une ideias “de indígenas mulheres de diversas etnias e converge com outros movimentos de mulheres, como o feminismo comunitário liderado pela boliviana Julieta Paredes”, informa Márcia.

 

Além do comunitário, as Wayrakunas admitem ainda ter se inspirado no feminismo negro e no ecofeminismo. Márcia lembra que o feminismo tradicional lutou por direitos ao voto, ao trabalho, à liberdade sexual, mas só recentemente vem se preocupando com outros grupos de mulheres. E exemplifica que, enquanto o feminismo “europeu” lutava pelo direito das mulheres ao trabalho, as negras e indígenas, sem poder escolher, trabalhavam desde muito cedo. Assim, diz, nasceu o feminismo negro para pensar questões sociais que o feminismo “tradicional” não abarcava.

 

Já o ecofeminismo, informam, tem um olhar não urbano e mais ligado a questões do meio ambiente. O termo foi usado pela primeira vez pela francesa Françoise d`Eaubonne, em 1974, e envolve a relação entre ciência, mulher e natureza. Adianta que ecologia é um assunto feminista, mas que as semelhanças entre feminismo e ecologia têm sido esquecidas pela ciência ecológica. E diz que “não adianta pensar em direitos das mulheres enquanto o modo de vida hegemônico destrói o ambiente em que vivemos”.

 

Por: Gabriel Mendeleh  

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