MARMITEX: Quando um Chevette velho fez diferença numa gincana estudantil em Porto Velho - Por Marcos Souza

MARMITEX: Quando um Chevette velho fez diferença numa gincana estudantil em Porto Velho - Por Marcos Souza

Foto: Divulgação

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O carro era um Chevette Hatch 1982, da Chevrolet, branco, com caixa de 5 marchas original de linha, motor 1.4 - potência de 68 cavalos -, a gasolina. Puxava bem em pista longa, nas curvas tinha uma segurança no bote quando entrava em alta velocidade, sem arremeter. Novo ou seminovo, era um clássico automotivo de encher os olhos de qualquer condutor de veículos ou colecionador nato. 
 
O diferencial dos modelos do Chevette da linha Hatch lançado em 1980 foi quando saiu com faróis ainda redondos e nos anos de 1981/82 o farol já saía de fábrica quadradinho. Um mero detalhe que fazia uma boa diferença.



 
Essa preciosidade nova, era uma bala. Mas velha, caindo aos pedaços e remendada era mais bala ainda. E quase mortal.
 
Nunca tive um desses, mas em 1988, quando ainda era estudante secundarista e estava no Colégio Anglo - que ficava na Rua José de Alencar, entre a Avenida Carlos Gomes e a Rua Duque de Caxias - centro de Porto Velho -, onde antes funcionou o histórico colégio Centro Educacional Dr. Grangeiro, houve uma gincana clássica entre escolas - nossa concorrente no caso era o Colégio Einstein -, que era um duelo de tarefas que os estudantes das referidas escolas tinham que executar em um tempo hábil - cronometrado. 
 
Esse duelo entre escolas, as duas no caso eram particulares - consideradas na época de elite -, tinha uma tradição recente naquele período, mas mobilizava a classe estudandil durante um sábado inteiro. Tinha sua função social e de cidadania também, pois uma das provas era arrecadação de alimentos - que depois eram doados para entidades carentes.
 
E onde entra o velho Chevette Hatch 1982?
 
Bom, para realizar as provas as equipes das duas escolas tinha uma comissão formada por professores das duas instituições e que era responsável pela cronometagem do tempo necessário para a execução. Quem cumprisse a tarefa primeiro, dentro do tempo estipulado, marcava pontos. O tempo era essencial. Então quem tinha carro ou moto, com habilitação - era uma exigência para participar -, claro que conseguia com mais rapidez. Aí entra o carrinho venenoso da Chevrolet.
 
A minha turma do terceiro ano e que integrava uma das equipes de execução das tarefas tinha o Chevette Hatch - apelidado de “Marmitex” -, mas com um detalhe bem diferenciado em consideração aos outros veículos que estavam participando, o nosso modelo era um carro velho, muito maltratado e feito de remendos bem consideráveis, até hoje me pergunto como ele não foi parado pela polícia na época.
 
A nossa equipe de suporte com o “Marmitex” era Eu, Henrique - motorista e que sabia todas as manhas do carro -, os irmãos gaúchos Max e Jacques, o outro gaúcho Sandro e as meninas eram a japonesa Ingrid e a Bel. 
 
Então cada equipe de estudantes tinha a sua liderança que ia até a comissão da gincana ouvir a tarefa a ser executada e ao soar do “JÁ”, o cronômetro era acionado e todos corriam para seus veículos, dependendo da prova.
 
O nosso “Marmitex” ficava estacionado da esquina da Rua Duque de Caixas, não tinha regra nesse sentido, cada um deixava o seu carro ou moto onde quisesse, desde que fosse no entorno da escola. 
 
 
O carro tinha uma configuração interna assombrosa, medonha mesmo. Quem entrasse pela primeira levaria um susto e sabia de primeira mão que se não morresse naquele sábado de gingana viveria por muito tempo. Sabíamos que o velho Chevette do irmão do nossa motora Henrique estava bem judiado pelo dono anterior, que o detonou bonito. Mas aquilo era surreal.
 
O volante era um esportivo Shutt até ajeitado, mas o banco do motorista era só a espuma amarelada e suja com um resto de couro preto. O velocímetro e o medidor de gasolina no painel não existiam, pois os ponteiros não mexiam. O banco do acompanhante não existia era uma almofada roxa suja, o banco traseiro estava solto. Parte do assoalho do carro era feito com aluminío para tapar um buraco. Para piorar o câmbio era um cano de PVC com um pedaço de um cabo de madeira de vassoura cortado, que era encaixado - não me perguntem como - na caixa de marcha. Os vidros das duas janelas do carro subiam somente até a metade, os faróis estavam intactos, mas só um funcionava, tinha um parachoque dianteiro e o traseiro era amarrado com cordas de nailon. 
 
Por incrível que pareça os pneus estavam bons, não estavam carecas. Isso contou muito na nossa progressão quando estávamos nas ruas competindo.
 
Não me pergunte - repito - como esse carro andava sem ser parado pela polícia. O Henrique contou que trouxe ele para a gingana como um modo mais rápido de fazermos as tarefas e como uma alegoria - realmente. O irmão dele o liberou com muito receio, pois o Chevette tinha promessa de uma reforma mecânica que nunca chegou.
 
Claro, existiam outros carros da equipe da escola, não tinha só o nosso, mas era bem peculiar. Creio que para não chamar muita atenção, por isso o Henrique deixava ele estacionado meia quadra depois. 
 
Pois é, esse carro caindo aos pedaços, literalmente uma porqueira, era uma “bala infernal” depois que pegava e saía correndo pelas ruas. Só com um cinto de segurança funcionando - o do motorista -, íamos em quatro dentro, para não dar muito peso, e era uma loucura, pois o Henrique puxava até 60 km por hora nas curvas, dava cavalo de pau em via larga para dar meia volta e o Chevette parecia em determinados momentos que iria se desfazer como poeira, pois dentro tudo chacoalhava. 
 
Das dez tarefas propostas executamos uma a tempo e outra com dificuldade por causa do sobrepeso. Outros carros da equipe da nossa escola foram bem melhores que a nossa “potência” automotiva, isso era óbvio. 
 
Talvez a pior das tarefas e que perdemos pelo sobrepeso foi a prova de recolher os sacos de 20 quilos de grãos - no caso arroz e feijão -. Pois quando chegamos no armazém da empresa que doou esses alimentos, já tinha gente carregando os sacos - a da escola concorrente estava muito a nossa frente. Tínhamos que pegar o que era possível. 
 
Bom, o velho “Marmitex” aguentou cinco sacos de 20 quilos cada e foi uma das maiores torturas já sofridas por quatro estudantes do terceirão dentro de um veículo em estado precário, pois pelo sobrepeso o carro não andava com a velocidade que queríamos, mas de forma lenta e quase engasgando. Chegou a ponto de termos que descer para empurrar. 
Para conseguir diminuir o tempo que estávamos gastando, o Henrique pegou uma ladeira, não muito íngreme, mas o suficiente para que na descida com o “Marmitex” embalado na velocidade crescente (e sacudindo mais que chaleira velha no vapor), um dos irmãos gaúchos começasse a rezar para o freio não quebrar. Não quebrou. 
 
Mas o fundo remendado de alumínio do assoalho se soltou e um dos sacos, por causa do peso, acabou atravessando o buraco. O carro parou abruptamente e perdemos um saco inteiro de arroz, que ficou na pista. Chegando na escola, perdemos 5 minutos no cronômetro ainda - o que foi um verdadeiro milagre. 
 
Ao fim da gincana o Colégio Anglo foi campeão na soma dos pontos das provas executadas durante todo o dia. Mas acabou que a equipe do Colégio Einstein não aceitou a contagem final, principalmente na prova de arrecadação de alimentos, pois eles tinham conseguido a maior quantidade em tempo hábil. A confusão só não foi maior, porque o diretor do Anglo acabou cedendo e os estudantes do Einstein levaram os sacos que tinha conseguido e se retiraram da gincana contrariados. 
 
Como a organização dessa prova foi do Anglo, vencemos por W.O, 
 
A noite teve uma festa para quem ainda tinha fôlego e o “Marmitex” aguentou a gingana, acabou se tornando um diferencial naquela competição, pelo menos para a nossa equipe. Um ano depois disso o carro acabou sendo vendido para o ferro velho e não sobrou mais nada, apenas lembranças.  
 
(As imagens que integram o texto são ilustrativas, mas mostram a potência que era um Chevette Hatch 1982).
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