Recentemente, um vídeo de uma cidadã brasileira sendo verbalmente por uma portuguesa viralizou nas redes sociais. “Sua porca. Vá para sua terra, sua porca. Eu sou portuguesa de raça. Você que é brasileira, que vá para a sua terra. Estão invadindo Portugal, essa raça de filha da put*...”, bafejou a portuguesa para a brasileira.
O vídeo, que foi gravado pela vítima dos ataques xenófobos, ganhou grande tração nas redes sociais e foi reproduzido por diversos veículos da grande mídia. A mulher que foi atacada preferiu se manter anônima, mas disse ao jornal Gazeta Bragantina que o ataque ocorreu enquanto ela aguardava um voo para Barcelona (ES).
O ataque começou depois que uma amiga da xenófoba caiu sob os pés da brasileira, que teria dito “ai! doeu”. De acordo com o UOL, a portuguesa do vídeo teria respondido: “Doeu? Problema seu” e prosseguiu a ofender a vítima.
Os ataques continuaram até a brasileira, que vive na Europa há sete anos e tem dupla cidadania italiana, pedir ajuda de um segurança do aeroporto.
"Viajo pela Europa há anos e nunca passei por nada parecido [...] Pretendo tomar providências para que isso não volte a acontecer, não apenas comigo, mas com todos os brasileiros que vivem e trabalham aqui.", afirmou a brasileira.
Alergia tupiniquim
Brasileiros de todas as castas sentem o peso da xenofobia portuguesa. O Rondoniaovivo conversou com uma rondoniense, cidadã portuguesa de nascimento, que viveu em Portugal.
Maria Gabriela (foto), de 20 anos, é natural de Cascais (PT), região próxima de Lisboa, mas chegou ao Brasil ainda criança. Foi criada em Ji-Paraná, interior de Rondônia. Aos 18 anos, a família e Gabriela decidiram voltar para o país europeu, onde ficaram por um ano.
A jovem, que à época morava em Porto Velho, pausou a faculdade de Direito e de mala e cuia, carregando também um sotaque brasileiro, voltou à sua terra natal. “Minha vida era a mesma de um imigrante, mas com documentos portugueses. Burocraticamente, eu não tive dificuldades”, disse a jovem.
Com dupla cidadania, Maria Gabriela transita com facilidade pelos portões da imigração. Mas nem o passaporte vermelho conseguiu livrar a rondoniana de lidar com xenofobia. “No meu trabalho, eu lidava com pessoas mais velhas - majoritariamente idosos. Já dá pra imaginar como eles enxergam o Brasil”, contou. Maria afirma que os preconceitos portugueses eram sempre silenciosos, e que muitos passaram despercebidos. “Foi só depois de um tempo que percebi que era tratada diferente por ser brasileira, e até sexualizada por ser do Brasil”, relatou.
“Ninguém dava em cima de mim com frequência no Brasil, mas em Portugal toda vez que eu saía de casa acontecia alguma coisa. Me pagavam coisas, me olhavam indiscretamente, davam em cima de mim. Como eu namorava na época, nem percebia esse tipo de coisa. Minha mãe que trouxe minha atenção pra isso”, explicou. “É porque você é brasileira, boba. Estrangeiro não pode ver uma brasileira.”, disse a mãe da jovem, à época.
Apesar de tudo não dito e dos olhares indiscretos, Gabi, como é chamada por amigos e família, afirma não ter sofrido tanto com a xenofobia. “O lançe da sexualização era estranho, mas minha maior dificuldade eram as diferenças culturais, mesmo”, afirmou.
Oscar Wilde, autor de ‘O Retrato de Dorian Gray’, dizia que americanos e ingleses tinham muito em comum - mas a barreira linguística sempre seria um problema. O mesmo pode ser dito sobre brasileiros e portugueses. Maria Gabriela, que além de ter como língua nativa o português brasileiro também carrega o sotaque beradeiro, sentiu os impasses lusófonos.
“Não é só o sotaque que é diferente, algumas palavras também mudam. Alguns me corrigiam, diziam que eu falava errado”, relembrou. “Cheguei até a responder uma vez, dizendo que não falava errado, que falava como brasileira.”, continuou. O português, então, respondeu Gabriela com um tom soberbo, dizendo: “Você está em Portugal. Tem que falar como a gente."
FOTO: Maria Gabriela nasceu em Portugal, mas veio para Rondônia ainda criança.
Alcance
A repercussão do vídeo foi tamanha que alcançou ministros e deputados federais. Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança Pública, rebateu os xingamentos da portuguesa e defendeu a brasileira.
“Nós temos direito à reciprocidade, porque em 1.500 eles invadiram o Brasil e nós estamos de acordo. Concordo até que repatriem todos os imigrantes que lá estão devolvendo, junto o ouro de Ouro Preto e aí fica tudo certo. A gente fica quites.", rebateu Dino.
A declaração do ministro foi dada durante o lançamento dos cursos do Bolsa-Formação, um projeto do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, no Palácio da Justiça, em Brasília.
O deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE) acionou o Ministério das Relações Exteriores do Brasil e solicitou a apuração do caso de xenofobia envolvendo a brasileira vítima de que registrou o vídeo.
Em ofício, o parlamentar, que é o relator da Comissão sobre Migrações Internacionais e Refugiados, pede que a embaixada portuguesa também seja acionada para que atue com o governo português na “investigação, repressão e controle" de manifestações xenofóbicas”.
Como contaram o G1 de Vale da Paraíba e o TAB UOL, este não é o primeiro caso registrado de xenofobia de portugueses contra brasileiros. Portugal, de acordo com dados do Itamaraty, é a casa de mais de 400 mil imigrantes brasileiros.
Em um ano, o número de brasileiros no país aumentou em 4% — nunca houveram tantos tupiniquins morando legalmente no país integrante do PIIGS.
No período entre 2017 e 2021, as denúncias de xenofobia contra brasileiros em Portugal cresceram 505%, segundo balanço da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial do país.
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