Desde os tempos em que as propagandas de cigarro eram permitidas não se percebe uma banalização tão acentuada de uma droga legalizada como o álcool promovida pela Rede Globo, através da novela das oito "Viver a Vida".
A grande desculpa para os milhares de "profissionais" que precisam se sustentar as custas das desgraças dos outros, as quais eles mesmo ajudam a promover, é a de que a "ficção imita a realidade"... Porém, especialistas afirmam que a verdade é bem ao contrário do que a emissoras milionárias, de contratos astronômicos com a maiores cervejarias do país, tentam sustentar.
Para aqueles que convivem profissionalmente, no dia a dia com os problemas sociais causados pelos dependentes químicos, vítimas do alcoolismo, o que a novela provoca na vida na verdade é um estímulo ao ato de beber, ou seja a ficção "estimula" e até facilita a iniciação de algumas crianças e adolescentes que não dormem cedo, e ficam suscetíveis ao assédio da telinha.
Não estou falando apenas da novela Viver a Vida, pelo fato de trazer um problema sobre o tema em questão,a situação é generalizada em todas as outras novelas de todas as emissoras, mas o fato de tratar especificamente sobre o alcoolismo mostrando como se ficar de pôrre todas as noites, acaba cerceando o direito do cidadão de não permitir que o problema entre em sua residência, como ficar longe das bebidas se as novelas apresentam 99,99% de glamour e normalidade no ato de beber e, apenas 0,01% de conscientização prática, ou a informação realista sobre os flagelos dos dependentes enquanto lutam para sair dessa escravidão.
Tá certo que a personagem Renata (vivida por Bárbara Paz), que substitui a comida pelo álcool, "luta" e se diz confiante na sua recuperação todas as vezes que se encontra em situações difíceis que comprometem até mesmo a sua integridade física, mas, continua bebendo sem que o telespectador vislumbre qualquer válvula de escape coerente para o drama da personagem.
Além disso, não é só o fato da personagem que vive o drama específico, a novela se reserva o direito de introduzir todos os demais personagem num sarau de coquetéis em diversas tomadas, como se "Viver a Vida" fosse encher a cara num constante Happy Hour entre amigos, o personagem Marcos (vivido por José Mayer), não sai de casa para os desfiles de sua esposa e baladas sociais,sem tomar um belo drinque em sua sala de estar, ornamentada com uma mesa repleta de bebidas internacionais, em memoráveis encontros familiares com suas filhas em segundo plano, a personagem Helena (vivida por Thaís Araújo), aparece ao lado de Marcos em longas tomadas com suas taças de champagnhe, as duas "médicas" (vividas por Daniele Suzuki e Christine Fernandes) não vão pra cama sem um belo vinho para encerrar a noitada, os irmãos gêmeos Miguel e Jorge (vividos por Mateus Solano), os dois com nomes de santos digasse de passagem, tomam cerveja descontraídamente em uma pizzaria como se fosse um ritual familiar, a Sandra (vivida por Aparecida Petrowsky), irmã de Helena, grávida vem desde o início da novela só no gargalo da garrafa, a Betina (vivida por Letícia Spiller), pra lá de alegrinha dá carona bêbada para Tereza (vivida por Lila cabral), que de tão embriagada, ao descer do carro desbarranca no meio foi, e por fim, Dona Noêmia (vivida por Lolita Rodriguez), mãe do galã principal, Marcos, é advertida periodicamente por sua dama de companhia para ir devagar com o champagnhe, das incontáveis cenas de regalos que a novela introduz nos lares brasileiros.
Vejam bem que, em nenhuma destas cenas eu citei a aparição da personagem Renata,que vive o drama do alcoolismo em questão.
Conhecido por abordar temas relevantes, o autor da novela Manoel Carlos tenta justificar os excessos e a idéia de naturalidade do uso contínuo de bebidas nas mesas brasileiras, afirmando que: "O álcool é uma das maiores desgraças de nossa sociedade", e que por isso sempre aborda o alcoolismo em seus trabalhos.
Porém, entre abordar um tema polêmico e relevante e passar da linha de tolerância cultural existe um largo e profundo abismo, em uma trama onde personagens bebem compulsivamente gera no público uma falsa aimpressão de que a maioria das pessoas bebem com a maior naturalidade em seus lares, como se fosse um costume arraigado no seio da família, quando se sabe que, metade da população brasileira não toma absolutamente nenhuma gota de álcool, segundo pesquisas da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), e da UNIAD - Unidade de Pesquisa e Álcool, comandadas pela pesquisadora Ilana Pinsky, coordenadora do ambulatório de adolescentes em São Paulo.
Na outra metade, apenas 1/4 (um quarto), tem distúrbios ligados aos problemas gerados pelo alccolismo, como a simples fato de ter dificuldade de falar em público, ou seja, vender a imagem do álcoólico bem sucedido interessa mil vezes mais aos fabricantes do setor do que aos pais e filhos da nação, que recebem muito mais mensagem subliminar de que o álcool atrai glamour, sexo, diversão, amizade, fortuna e status social do que a verdadeira tragédia vivida por uma minoria de brasileiros.
A maneira como é apresentado o tema leva o publico a absorver muito mais a normalidade de se beber a vontade do que o agravante relacionado ao problema, ela não aborda como deveria que a maioria dos acidentes de carros são provocados pelos alcoólicos, os diversos vexamos promovidos pelos dependentes, inclusive com reflexos irreparáveis na vida e carreira das pessoas, a violência sem limites desencadeada por um simples gole de cerveja, ou seja, dá-se a impressão que é normal beber "socialmente", pois a maioria dos que assim o fazem teêm sempre o auto-controle na destra de suas atitudes.
Se pretendem incluir o marketing social em suas abordagens, por que não apresentam uma grande discussão entre amigos sobre a necessidade de se entregar o automóvel a quem não bebeu durante uma balada ao fim da madrugada?
Mas com certeza não, isso acarretaria muitos minutos valiosos desperdiçados fora do verdadeiro foco principal da novela que naturalmente é, não perder os milionários contratos com as cervejarias e adegas internacionais, e assim, "vamos vivendo a vida por viver", como o refrão da música de tom boêmio interpretada pelo Julio Iglesias.