Dois grandes momentos clássicos da Netflix com duas minisséries que já estão há um tempo no catá-logo e que vale conhecer para quem ainda não assistiu. Uma é a criação do produtor e roteirista Mike Flanagan, e a outra é uma produção belga que homenageia dois grandes clássicos do suspense: o fil-me O Silêncio dos Inocentes e a série Dexter.
Vale a pena. Segue o fio.
MISSA DA MEIA-NOITE - Não posso escrever muito sobre essa série do diretor e produtor Mike Flanagan de outras séries da Netflix, como A Maldição da Residência Hill e A Maldição da Man-são Bly , pois isso pode estragar as reviravoltas e segredos que cada um dos sete episódios traz à tona, diante do insólito e da sucessão de coisas estranhas que vão acontecendo na falida e decadente ilha de Crockett e seus quase 200 habitantes.
Nessa ilha, com a chegada do novo padre, Paul (o excelente Hamish Linklater, da série Christine), a vida de todos os moradores sofre uma transformação cercada por mistérios e obsessão religiosa. Justo esse apego à igreja serve como o último recurso de esperança para muitas pessoas naquele lugar ermo.
Ao mesmo tempo, indícios de uma força misteriosa no local vão tomando forma gradualmente.
O diretor Flanagan, excepcional roteirista, propõe o desnudamento psicológico de alguns personagens através de diálogos muito longos, por sinal, mas nunca cansativos , principalmente com o casal Riley (Zach Gilford), que volta para a ilha após cumprir quatro anos de prisão por ter causado a morte acidental de uma moça, e Erin Greene (Kate Siegel). A sequência de oito minutos em que falam sobre a visão individual de cada um sobre a morte é brilhante.
O diretor cria um núcleo de personagens atraentes, com destaque para a beata reacionária Bev Keane (Samantha Sloyan, incrível), que tenta controlar tudo e todos, incluindo o padre Paul, que guarda um segredo chocante.
Permita-se entrar nessa viagem de um horror meticuloso, que vai crescendo a cada episódio até a reve-lação que causará o “Apocalipse” na ilha, com os dois episódios finais absurdamente violentos e ca-tárticos.
Impressiona no roteiro o fato de Flanagan criticar a religião e não poupar a forma maniqueísta como as palavras sagradas da Bíblia são distorcidas para fins que justificam a idolatria e até o destempero da vaidade, onde anjo e demônio podem ser a mesma figura, dependendo do ponto de vista de quem domina o status quo da subserviência.
MANDAMENTOS DE UM SERIAL KILLER - Série belga de 2018 que já engana no título tra-duzido, pois na língua original a referência é 13 Mandamentos, que é a chave da reviravolta nos dois últimos episódios de um total de 13 e que faz a polícia chegar ao assassino.
As referências mais óbvias são o filme Seven e a série Dexter.
Aqui, dois policiais da Homicídios, Vicky e Peter, investigam crimes misteriosos ligados a um homem chamado Moisés, que estaria seguindo os Dez Mandamentos.
A policial Vicky é jovem e se desliga da tropa de elite por não suportar mais o serviço, devido a um acidente que deixou sequelas. Com isso, vai para a área investigativa. Ela sente culpa porque, no aci-dente automobilístico que quase a matou, deixou sua mãe em estado vegetativo, presa a um leito no hospital.
Peter é um veterano detetive prestes a se aposentar e que, após o divórcio, divide a vida entre cuidar da filha inconstante que se envolve com drogas (ecstasy) , manter um caso com uma mulher casada sem saber, envolver-se com uma prostituta e tentar ajudar uma garotinha, sua vizinha, que ele suspeita sofrer abuso.
A série se desenvolve entre a investigação do caso e os dramas pessoais dos dois protagonistas, hu-manizando toda a situação. O interessante é perceber o quanto eles são falíveis e como batem cabeça para tentar evitar o próximo ataque do serial killer, descobrir sua identidade e lidar com seus próprios problemas.
O processo é lento em cada ponto, chegando a exigir paciência de quem assiste diante do desenrolar das tramas paralelas que, porém, têm função importante nas motivações dos investigadores até a falsa conclusão no 10º episódio, quando é revelada a identidade do “psicopata”, mas não do verdadei-ro mentor de tudo.
Os três últimos episódios mostram o quão longe podem ir os atos desse mentor, configurando três mandamentos extras que acabam levando a investigação a um rumo inesperado.
A série tem qualidades notáveis e, mesmo com episódios lentos e às vezes cansativos, torna-se atraen-te. O cenário natural da cidade, industrial com chaminés soltando fumaça poluente ao pôr do sol ou ao amanhecer, o clima permanentemente frio, os prédios antigos e a periferia belga se tornam ele-mentos essenciais na vida dos protagonistas. A direção de fotografia é linda, criando uma atmosfera ora sombria, ora estourada ou deslumbrante.
Outro ponto positivo é que alguns personagens que parecem fixos acabam virando vítimas ou desapa-recem por circunstâncias naturais como a mulher casada que se envolve com Peter e, quando des-coberta, causa um transtorno constrangedor.
O último episódio deixa um final abrupto e aberto.