Um verdadeiro fazedor da arte popular do nosso chão montou sua banca artística na calçada do Bar do Zizi, no Mercado Cultural de Porto Velho, onde acontece todas as sextas-feiras os módulos do Projeto Fina Flor do Samba. Chama-se Francisco Ferreira da Silva, de pia batismal e certidão de nascimento. Mas no coração do povo manauara ele conhecido apenas por Chico da Silva. Um Francisco cantante, um Chico compositor. É sambista de boa cepa, mas também faz música de boi-bumbá. Seu coração de curumim criado sem cueca nos arredores de Parintins bate cadenciado na cores azul e branco, mas seu grande sucesso nacional veio na bandeira degradê da nação que venera a figura folclórica do boi vermelho, vermelhaço, vermelhão.
Chico tem inúmeras músicas gravadas por gente de renome na calçada da fama da chamada Música Popular Brasileira, como Alcione, a Marron, por exemplo. Mas disso não faz muito alarde. Sua alma de caboclo lhe faz sábio e comedido. No Bar do Zizi, apenas cantou. Chegou, cumprimentou o público e cantou com alma de artista o que sabe cantar e compor: samba. Boa parte do público conhecia suas composições, por isso interpretou com ele, em coro, os velhos sucessos do artista. Empolgado com o coral de vozes entoando suas composições, ele caminhou no meio do povo, feliz e descontraído, como um ribeirinho dando canga pé em beira rio de água doce.
Chico canta como quem joga conversa fora do botequim da esquina – descontraidamente, olhando nos olhos das pessoas, despojado e contente. Atuando no palco, não inventa moda nem falsetes de última hora. Deixa fluir simplesmente, em vários figurinos rítmicos, o seu esquadrão do samba, enquanto um pandeiro rebate no gol e na defesa bate o tamborim. Caprichoso por formação e batismo, ele também compõe para o boi Garantido, posto que no Amazonas a artista nenhum é dado o direito de se atrever a cantar música de apenas um boi. Sua sina franciscana lhe fez nascer na da cidade da ilha tupinabarama, mas cedo ganhou o mundo e já trabalhou até com um dos monstros sagrados da cultura nacional: o sambista Martinho da Vila. Quando desfrutava o apogeu da carreira artística uma doença grave tentou roubar-lhe a saúde e a voz. Todavia, ele lutou feito um bravo guerreiro dos parintintins e soube vencer a enfermidade, conseguindo também recuperar a voz que, no dia 01 de outubro último, ecoou por todo o quadrante do centro histórico da capital, no palco do Fina Flor do Samba.
É preciso muito amor, Sufoco, O Barba Azul, Bailarina e Convite a Roberto Carlos foram algumas das criações que Chico da Silva mostrou ao público rondoniense. Ele foi trazido à capital pelo compositor e intérprete Ernesto Melo, graças a uma super-vaquinha que arrecadou dinheiro de vários simpatizantes do projeto cultural que acontece no Mercado Cultural de Porto Velho. O que era pra ser um show transformou-se numa grande festa popular. Calcula-se ter sido o segundo maior público do Projeto Fina do Samba até hoje. Apesar da chuva ter jogado muita água na apresentação de Chico da Silva, ele soube conquistar o coração da platéia, fazendo-a dançar e cantar suas músicas, como um regente bem-amado conduzindo a massa à performance de uma ópera popular, na qual o povo é quem produz o show e assina a direção.
Chico da Silva poderia holywoodianamente seguir cantando na chuva, porque o show desse caboclo é bom até debaixo d’água!