Os paradoxos da Reforma Política no Brasil - Por João Paulo Saraiva Leão Viana

Os Paradoxos da Reforma Política no Brasil - Por João Paulo Saraiva Leão Viana

Os paradoxos da Reforma Política no Brasil - Por João Paulo Saraiva Leão Viana

Foto: Divulgação

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“A minoria vê sempre melhor as coisas ocultas, a maioria, as evidentes”. - Giacomo Leopardi

              Há um grande equívoco em relação ao debate da Reforma Política no Brasil. Desde nossa formação enquanto Estado Nacional, o tema tem permeado as discussões em busca de construir uma engenharia institucional que resolva as mazelas da vida política tupiniquim. Para se ter um exemplo, Dom Pedro chegou ao poder afirmando que só seria possível governar o Brasil com uma reforma política. Em 1930, a Revolução liderada por Vargas tinha como lema Reforma Política: “representação e justiça”. De fato, desde o plebiscito sobre formas e sistemas de governo, em 1993, as propostas de reforma política voltaram com mais intensidade ao noticiário político nacional.

               Nesse contexto, acredito que o tema esteja completamente desfocado de sua finalidade. A grande maioria dos cidadãos, motivados principalmente pela imprensa, imagina que a realização de uma reforma política seria o bastante para mudar práticas viciadas da política brasileira. Sendo assim, acreditam que o simples fato de alterar um conjunto de regras eleitorais criaria verdadeiros “anjos” políticos, como se isso fosse instantâneo. É óbvio que precisamos de mudanças em algumas regras, mas elas não serão suficientes - de forma alguma - para modificar comportamentos desviantes.

               Não obstante, torna-se necessário observar a reforma com a finalidade de aprimorar o sistema político que desde 1985, formalmente estabelecido com a Constituição Federal de 1988, vem se enraizando e mostrando-se capaz de superar crises institucionais. De antemão, alerto: não há sistema eleitoral perfeito! Sistemas eleitorais têm como objetivo principal transformar votos em cadeiras no parlamento. Assim, enquanto o sistema majoritário para as assembleias (conhecido como distrital) visa estabelecer um pequeno número de partidos nas casas legislativas, excluindo as minorias, com o argumento de garantir a estabilidade, o voto proporcional busca assegurar que todas as opiniões de uma determinada sociedade possam estar representadas no parlamento.

               No caso brasileiro, desde a redemocratização, a combinação de presidencialismo, multipartidarismo, representação proporcional com lista aberta, separação de poderes e federalismo, deu origem a um arranjo institucional – conhecido como Presidencialismo de Coalizão, que segundo seus defensores melhor se adequaria a nossa realidade, expressa pela heterogeneidade presente na sociedade brasileira.

               Entretanto, a CF de 1988 ao alocar excessivos poderes ao Executivo, criou um modelo que torna o legislativo muitas vezes refém da chefia do governo. Esse debate, de extrema relevância, porém nada tem a ver com regras eleitorais, e sim com a relação executivo-legislativo, o que não cabe a nós, por falta de espaço num artigo jornalístico, discutir nesse momento.

               Contudo, alguns mecanismos do sistema eleitoral precisam ser reformados, mas volto a afirmar que o objetivo precípuo é o aprimoramento da nossa democracia, garantindo uma representação mais fiel à vontade do eleitor. Desse modo, elencaria o fim das coligações nas eleições proporcionais como um dos principais pontos a ser debatido, pois tal dispositivo enfraquece os partidos políticos, fazendo com que legendas sem expressão alguma elejam deputados mesmo sem alcançar o quociente eleitoral. A coligação torna-se uma legenda partidária única, com interesses puramente eleitorais, algo danoso a qualquer regime de partidos.

               Minha sugestão de por fim a esse mecanismo, vem acompanhada de uma nova regra para as sobras eleitorais, permitindo que os partidos que não atinjam o quociente possam também participar do cálculo das sobras – isso seria essencial para não prejudicar partidos nanicos, porém históricos e ideológicos, garantindo assento no parlamento a essas minorias, sem enfraquecer as grandes legendas.

               Um segundo ponto, exterior ao sistema eleitoral, mas de profunda importância ao sistema político, é a alteração nas regras do financiamento de campanhas. Talvez resida aí uma das questões mais polêmicas da reforma política. Ainda que a transparência tenha aumentado nas últimas décadas, a fiscalização continua sendo insuficiente para dar conta do caixa dois. Ademais, O Brasil possui algumas das campanhas mais caras do mundo e o impacto do financiamento do setor privado nas eleições é imenso.

                Nesse sentido, observo a proibição das doações de empresas como um dos elementos mais importantes da reforma política, ao passo que vejo com bons olhos o incentivo a pequenas doações dos cidadãos, o que poderia contribuir para uma maior identificação desses com os partidos políticos. Porém, isso não seria suficiente para garantir a equidade da competição eleitoral, caso não haja transparência. Em conversa com os amigos Jeison Heiler e Rodrigo Dolandeli, estudiosos do tema, eles mencionavam a expressão “efeito hidráulico do financiamento”, numa alusão ao dinheiro ser como “água”, ou seja, não adianta impor barreira, há sempre uma brecha na legislação e a transparência é o único caminho para conter o vazamento.

               Outra questão importante é uma lei sobre a fidelidade partidária. De certo, a decisão do STF em 2007 pôs fim ao troca-troca de cadeiras no parlamento. No entanto, tal mecanismo é algo desconhecido nas grandes democracias. Além disso, recordo que Juiz não faz lei, pois legislar é função do parlamento. Uma boa idéia seria aumentar o tempo de filiação, que hoje é de um ano, como exigência para candidaturas. Aliado a esses pontos, entrariam outras discussões acerca da suplência de senador, modificações na distribuição do Horário Gratuito Político Eleitoral, visando uma reforma pontual, com pequenos ajustes, a fim de garantir o aperfeiçoamento democrático.

               Por outro lado, ao ressurgir o tema da reforma política na agenda do Congresso Nacional, agora dessa vez como resultado das manifestações de rua, pontos como voto distrital, lista fechada, financiamento público de campanhas, voto facultativo, aparecem como a “solução” para os problemas de corrupção e má gestão dos recursos públicos. Mudanças radicais como essas poderiam ocasionar, como bem lembrou certa vez o cientista político Fabiano Santos, um “mergulho no desconhecido”. Desse modo, ao invés de garantir o aprimoramento da democracia, uma alteração em 180 graus poderia criar um sistema partidário fechado em torno de poucos partidos, deturpando a representação com o esmagamento de minorias e elitizando a participação política com o voto facultativo, ou seja: um retrocesso.

                Assim, aponto para a necessidade de um amplo debate sobre a reforma política. Se as massas inconformadas com os desmandos e a corrupção clamam por reformas, deve-se alertar que modificações irresponsáveis podem contribuir para criar um “monstrengo eleitoral” e jogar no lixo avanços que foram conquistados em 25 anos de institucionalidade democrática.

                Por isso, nunca é demais lembrar que quando o assunto é corrupção, a saída é educação e punição, não tendo nada tem a ver com sistema eleitoral. No tocante a punição, essa consiste num tema específico das Instituições de Controle, que, diga-se de passagem, nos últimos anos têm atuado cada vez mais de forma conjunta e eficiente, trazendo grandes benefícios à sociedade brasileira.

João Paulo S. L. Viana é cientista político, professor da Faculdade de Rondônia (FARO) e da Faculdade Católica de Rondônia (FCR). Autor de Reforma Política: Cláusula e Barreira na Alemanha e no Brasil (EDUFRO, 2006); Co-organizador de O Sistema Político Brasileiro: Continuidade ou Reforma? (EDUFRO; ALE-RO, 2008).

 

 

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