1 – AJUDA DIVINA
Cognominados pelo jornalista Carlos Sperança de “cassolboys”, caso em surto agudo de tribulação e agonia (como informa o articulista), os deputados alinhados com o Palácio Presidente Vargas estão se descabelando à toa. Seja como for, uma coisa é certa: se, em relação aos processos que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o governador Ivo Cassol (afastado do PPS) pediu arrego ao Criador é porque o imbróglio, realmente, está feio. Conforme andou sendo divulgado, indagado sobre o assunto, Cassol disse “ter entregado tudo nas mãos de Deus”. Na hipótese de que tenha sido essa a atitude do governante, é razoável supor que ele está mais do que desconfiado de que o seu mandato está por um fio.
Como se sabe, Cassol não é de andar pedindo ajuda a seu ninguém, muito menos de delegar poderes por qualquer três vinténs de mel coado. Ou seja, à primeira dificuldade, entregar tudo nas mãos de terceiros - aí incluído o próprio Deus. Até porque sempre disse que de Deus já recebeu os dons com que se virar por aqui, a presunção é a de que se decidiu recorrer ao Sidéreo, confiando tudo aos cuidados do Onipotente, foi porque deve ter concluído que nem a graça recebida é suficiente para desatar o nó em que se acha enredado, intuindo que a complicação agora requer a intervenção direta do Altíssimo.
Com que urgência Cassol vai precisar do obséquio celestial é uma questão ainda controversa. Para ficar em apenas uma fonte, chame-se a este vale de lágrimas a coluna do multimídia Leo Ladeia, que ainda na semana passada informava estar “na bica para ir a julgamento” no TSE o caso Cassol/Cahulla. Pela transcrição: “Tendo sido cumpridos todos os trâmites de defesa e, depois de terem sido rechaçados os pedidos para inclusão da defesa do vice João Cabula, o processo estaria concluso, restando agora ir ao plenário para votação. Considerando-se o tempo entre a decisão do TRE-RO e a conclusão do processo e, caso os boatos se confirmem, nota-se incomum celeridade processual”. É. Nota-se.
2 – COISA DE LOUCO
“Mas que ninguém se engane! Muita água ainda pode rolar”, ressalvou Ladeia previdentemente. O que não deve ter sido suficiente para tranqüilizar a acolitagem governamental, porquanto antes de a semana terminar o articulista Carlos Sperança registrava: “A possibilidade da cassação do governador e a consequente posse da senadora Fátima Cleide, tem sido tão focalizada nos últimos dias que até os deputados cassolboys tem comentado (apavorados!) entre si a questão, alguns se descabelando e rangendo os dentes, outros já, se preparando para se transformar em ‘FatimaCreideboys’. É coisa de louco!” Varrido, acrescentaria a razoabilidade.
Conquanto a cassação de Cassol (e do vice Cahulla) seja algo factível, a eventual convocação do segundo colocado no pleito que o reelegeu, no caso, a senadora Fátima Cleide (PT), para substituí-lo é, para aonde quer que se recorra, uma impossibilidade jurídica. Diz respeito, leitor, não apenas aos limites do que dispõem os Artigos 81 da Constituição federal e 224 do Código Eleitoral, mas, principalmente, ao entendimento que até aqui tem sido extraído desses dispositivos pela Justiça Eleitoral – não obstante as controvérsias sobre cuja elucidação hoje se reclina o Supremo Tribunal Federal (STF). Estas, no entanto, não nos dizem respeito, mas aos casos da Paraíba e do Maranhão.
A diferença entre eles e nós é que, por aqui, Cassol tirou a eleição de letra, ou seja, enquanto nos dois Estados nordestinos a decisão se deu no segundo turno, aqui o governador foi reeleito logo na primeira etapa da peleja. E esse detalhe elimina inteiramente qualquer possibilidade de sobrevida do segundo colocado. Na verdade, este só fica em “stand-by” quando o ocupante do cargo do Poder Executivo chegou lá com menos de 50% dos votos válidos. Ou seja, hoje isso só seria possível nos municípios com menos de 200 mil habitantes, onde a legislação aceita a prevalência da maioria simples, validando o primeiro turno qualquer que seja o resultado. Mas isso é a exceção.
3 – SINAL TROCADO
A regra mesma é, em caso de vacância dos cargos do Executivo, a convocação de novas eleições – até nos municípios com menos de 200 mil habitantes, naturalmente aí quando o prefeito eleito tiver chegado lá com mais de 50% dos votos válidos. Quando a vacância se dá nos dois primeiros anos do mandato, a eleição de que trata a lei é geral, podendo a ela concorrer todo e qualquer postulante legalmente habilitado. Quando nos dois derradeiros anos do mandato, a escolha do dirigente tampão dar-se-á entre os membros do Legislativo – no caso em análise, entre os deputados estaduais.
Chama-se mais uma vez a atenção para o sarrabulho que eclodiu aqui no começo de novembro passado, quando o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) cassou os mandatos do governador Ivo Cassol e do seu vice João Cahulla (PPS). Na ocasião, como manda a legislação e como é o entendimento até agora consensual do seu texto, convocou-se nova eleição – direta - para um mês depois (entre 20 e 40 dias, pelo texto da lei). Fosse hoje, o próprio TRE já teria especificado na sentença o caráter representativo do novo pleito.
Na verdade, o texto constitucional trazido no artigo 81 da Carta Magna, em nenhum aspecto consagra a possibilidade de o vencido vir a ocupar o cargo decorrente de vacância, mesmo em eleições realizadas em segundo turno – como ocorreu na PB e no MA -, por faltar-lhe a necessária legitimidade estabelecida pela obtenção da maioria dos votos válidos. É o que diz a letra fria da lei, não obstante o poder discricionário dos juízes ter permitido a aplicação da exceção aos segundos colocados na PB e no MA. Por isso mesmo é que o STF está sendo provocado. Quer dizer, se nas circunstâncias em que uma eleição foi decidida no segundo turno a letra seca da lei, em sua aplicação geral, já elimina o segundo colocado, no caso do pleito elucidado na primeira etapa não há esforço de hermenêutica que seja capaz de tirá-lo da tumba.
Assim, em vez de descabelarem-se, os “cassolboys” deveriam, na verdade, exultar. Na hipótese de cassação de Cassol, um deles, necessariamente, será o novo inquilino do Palácio Presidente Vargas até o final de 2010 – com a possibilidade de postular uma prorrogação dessa estadia por mais quatro anos.