Advogados internacionais investigam “Urso Branco” e participam de Seminário na Unir
1 – DIREITOS E HIPOCRISIA
É uma oportunidade rara não apenas para advogados, estudantes de direito, juízes, promotores e demais operadores do direito de Rondônia, mas algo que vai estar ao alcance de todas as pessoas cujas consciências se inquietam e se indignam com o despudorado e elevado grau de hipocrisia das políticas oficiais na área dos direitos humanos.
Apenas para ficar em uma contradição das mais cínicas, observe-se que, se por um lado, o governo do presidente Lula desdobra-se em providências para celebrar com pompa e circunstância o 60º aniversário de um documento que pretendeu a universalidade, interdependência e indivisibilidade dos Direitos Humanos, por outro permanece absolutamente indiferente aos clamores por mudanças nas estruturas que produzem e reproduzem contínuas e crescentes violações desses direitos entre os humanos que constituem a maioria da população.
Não é de hoje, por exemplo, que se sabe que o Estado brasileiro sempre foi o maior promotor de violência e invariavelmente adotou uma postura violenta em relação à população pobre, conforme registra o especialista em atendimento médico ao trauma, doutor Luís Mir. Ele, que também é doutor em História, em seu trabalho “Guerra Civil, Estado e Trauma”, faz uma radiografia da violência do Estado brasileiro, e denuncia os mecanismos políticos de cinco séculos de segregação que marginalizam o povo brasileiro.
O que lá se constata é que “a matriz da violência é o próprio Estado, que em nenhum momento funcionou como vetor pacificador, civilizatório ou como plataforma civilizatória. O Estado nunca teve como proposta a pacificação do país. As favelas se tornaram campos de concentração. Ali não há tempo, ali não há vida, perspectiva de futuro, não há saúde, educação, não há nada. Ali, o que há é o cerco bélico e militar contra milhões de segregados. Os distritos policiais e penitenciárias do país, transformados em verdadeiras masmorras medievais, são onde os segregados são submetidos a cruel tortura e à pena de morte lenta”.
2 – SEMINÁRIO NA UNIR
Nada a ver com o “Urso Branco”? Pois sim. A oportunidade de que se falou no início diz respeito ao Seminário Internacional organizado pela Associação Internacional de Advogados do Povo (IAPL, sigla inglesa de International Association People's Lawyers) que o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Rondônia (Unir) vai realizar nesta quarta-feira (03), a partir das 19h, no Centro de Vivência Paulo Freire, no campus porto-velhense da instituição. Não por acaso o tema que será desenvolvido – com participação do Núcleo dos Advogados do Povo (NAP) e do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Cebraspo) – é “A Violação dos Direitos no Brasil e na América Latina”.
No país desde a semana passada para a reunião anual da entidade – iniciada no sábado passado no Rio de Janeiro -, os representantes do IAPL estão em Porto Velho desde segunda-feira (01), em missão de investigação e solidariedade que deverá ser concluída nesta quinta-feira (04), objetivando “investigar as denúncias sobre a crescente criminalização da luta camponesa na região e as violações dos direitos do povo”. Com o “Urso Branco” entre suas principais preocupações, a delegação da IAPL conta a com a participação de advogados da Holanda (sede da organização), Bélgica, Filipinas, Brasil, Turquia, Irlanda, Estados Unidos, Argentina, Bolívia, entre outros.
Conforme texto distribuído pelos realizadores do evento na Unir, a IAPL é uma federação de advogados do povo, juristas, estudantes de Direito, assessores e trabalhadores da área jurídica, fundada em dezembro de 2000, por 26 membros de 10 países: Afeganistão, Bélgica, Colômbia, Grécia, Índia, México, Nepal, Holanda, Filipinas e Turquia. Novos membros do Brasil e da Inglaterra uniram-se depois à IAPL, enquanto advogados do Canadá, Congo, Cuba, Alemanha e Espanha têm participado como observadores ou convidados. Advogados da Austrália, Bangladesh, Indonésia, Coréia, Estados Unidos uniram-se à IAPL no 3º Congresso realizado em 2006.
3 – AUTORIDADE COLOSSAL
Mas o que o torna verdadeiramente rara a oportunidade proporcionada pelo Seminário de que se fala, leitor, diz respeito à singular natureza dos seus organizadores, os integrantes desta IAPL, de cuja desmedida coragem, irretocável honestidade e absoluta clareza de propósitos, depois de se estar a par dos fundamentos da organização e da sua trajetória, fica impossível não reconhecer. Se é pelo dedo que se conhece o gigante, no caso da IAPL será pela beligerância dos adversários que decidiu afrontar e pela magnitude dos desafios que se propôs enfrentar que se poderá ter uma idéia da sua extraordinária autoridade.
Pena que o espaço seja exíguo, mas uma pequena amostra sobre o que os move e a malignidade dos entes que escolheu como oponentes pode ser vislumbrada nos excertos de um dos seus documentos a seguir:
“A humanidade está sujeita a uma terrível exploração e tortura sob o sistema imperialista, sendo submetida a cada dia à pobreza profunda. E as contradições de classe estão se tornando mais intensas. As instituições imperialistas forçam a que 2,7 milhões de pessoas vivam com menos de 2 dólares por dia; 1 bilhão de pessoas não tenham acesso à água potável e que a cada ano 10 milhões de crianças morram de fome. Não é preciso listar outras centenas de estatísticas evidentes”.
“Nestas circunstâncias, o imperialismo liderado pelo USA começou a planejar de que forma sugaria ainda mais o sangue dos povos para continuar mantendo de pé seu sistema já em pedaços. Passou a planificar e programar várias operações militares e econômicas. E infernizou a Terra literalmente. Se nossos inimigos pensavam, no entanto, que posaríamos de vítimas, oferecendo nossas cabeças ao carrasco, deram-se conta rapidamente que estavam errados. Os povos do mundo resistem”.
“Lutam sob as condições mais difíceis contra um inimigo muito melhor equipado. E se esta luta não existisse, o resultado seria a escravidão definitiva. E isto significa viver existências miseráveis sob as mais humilhantes torturas. Isto significa bilhões de seres humanos condenados à fome e à miséria em prol do conforto de alguns bilionários. Mas estará em jogo, no fim desta luta, ganharmos o luminoso futuro ou mergulharmos na escuridão de um mundo muito pior que o da Idade Média.”
“Nenhum sistema cairá com um só golpe, e nenhuma luta consiste em uma só etapa. É necessário avançar com paciência e persistência. Haverá derrotas, interrupções, assim como falhas e erros. Na luta por direitos e liberdades todas as conquistas são valiosas.”
“Esta luta deverá ser deflagrada por todos os oprimidos juntos e em todas as frentes. Como o sistema imperialista consiste em um todo, infiltrando-se em todos os aspectos e em todas as classes sociais que sofrem sob sua dominação, deve-se construir um muro de resistência e de revolta contra ele para que a luta tenha êxito.” E por aí vai.
Enfim, concluída a missão local, a delegação da IAPL segue para o Rio de Janeiro, onde participará de um debate sobre o tema: "Criminalização da luta popular, na cidade e no campo", a ser realizado na UFRJ. É isso!