1 – TEMPOS OLÍMPICOS
De tanto que beira o absurdo, parece história de Troncoso. Mas na Grécia – então sob domínio romano – os Jogos Olímpicos contavam mais de mil anos de realizações ininterruptas quando, entre os anos de 393 e 394, o imperador Teodósio I acabou com eles. Roma adotara o cristianismo como religião oficial não por razões piedosas ou coisa que o valha, mas para atender à consigna imperial segundo à qual um só Deus servia como uma luva para a política de um só Imperador no mundo. Assim, no mundo (que era romano e agora cristão), todas as referências pagãs da Antigüidade deveriam desaparecer. Como a competição era uma celebração de tributo aos deuses (gregos), finou-se.
Quase 2 mil anos depois, em 1896, o pedagogo e historiador francês Pierre Frédy - que o mundo conheceria por Barão de Coubertin - entrou para a história como o fundador dos Jogos Olímpicos modernos. De Atenas, onde aconteceu a ressurreição do evento, a Pequim, onde nesta sexta-feira o mundo assistirá à cerimônia de abertura da 29ª edição dos Jogos, sob o pretexto de uma competição esportiva, as Olimpíadas têm servido também como palco privilegiado para as manifestações políticas. Raramente os Jogos escaparam do contexto político mundial, pelo quê a atual polêmica envolvendo, por exemplo, as relações entre a China e o Tibet, não é a primeira e nem a mais grave da História.
Já teve de tudo nesta iniciativa que o Barão pretendia de confraternização entre as nações. De interdições (à Alemanha e ao Japão nos jogos de Londres-1948) a boicotes (dos EUA aos jogos de Moscou-1980, da União Soviética aos jogos de Los Angeles-1984 e outros menos votados), a política comeu no centro. O pior drama da história dos Jogos Olímpicos, no entanto, ocorreu em Munique-1972. Naquele ano, um comando palestino seqüestrou atletas israelenses e exigiu a libertação de prisioneiros detidos em Israel. Após as negociações fracassadas, veio um banho de sangue. Morreram 11 israelenses, além de cinco seqüestradores e um policial alemão.
2 – GUERRA ESPORTIVA
Mas qual é mesmo o sentido do espírito olímpico, ou seja, para que superar marcas ao preço, às vezes, da mutilação física? Clausewitz disse que a guerra é a continuação da política por outros meios. As olimpíadas, assim, seriam como a continuação da guerra por meios algo inócuos - é preferível que uns poucos se estropiem nos estádios em vez de milhares nos campos de batalha. A julgar por um texto disponível em uma pá de endereços da Internet – entre os quais http://esportes.terra.com.br/atenas 2004/ interna/ 0,,OI333411-EI2555,00.html -, sempre foi assim.
Os Jogos antigos eram barulhentos, fedorentos e muitas vezes escandalosos, tão políticos quanto os de hoje e chegaram a ter uma batalha no meio de uma luta de boxe. "Os Jogos antigos eram de muitas maneiras muito parecidos às Olimpíadas modernas: intrinsecamente políticos, nacionalistas e comerciais", comenta o professor David Gilman Romano, adjunto de período clássico da Universidade da Pensilvânia.
A origem dos Jogos está envolta em mitos, mas eles são conhecidos como parte de um festival de honra a Zeus, rei dos deuses gregos. Mas, longe do que ocupa na imaginação popular moderna, os Jogos antigos lembravam um festival folclórico e, apesar de o foco ter sido a religião, havia comida, bebida e socialização para atrair milhares de visitantes.
"Autores antigos descrevem como as condições eram repugnantes, com o calor, moscas, empurrões e o cheiro, e mesmo assim dezenas de milhares de pessoas chegavam. Valia a pena. Era divertido", diz Romano.
Pessoas viajavam de todo o mundo grego, da Península Ibérica ao Mar Negro.
"Os Jogos eram como uma cola que mantinha a diáspora grega unida", diz Emmanouil Mikroyannakis, professor em Atenas. Alguns dos males dos Jogos modernos não eram desconhecidos na antiguidade. "Havia trapaça, quando atletas arranjavam resultados, tentavam subornar árbitros ou mentiam a idade para poder competir em outras categorias", completa Ulrich Sinn, professor de Arqueologia na Alemanha.
3 – CEREJA TAPUIA
Um caso de trapaça pode estar por trás de uma das mais famosas tradições dos Jogos da Antiguidade - competir peladão. Consta que Orsippus, o campeão de Megara, percebeu que não dispunha de qualquer chance na corrida de velocidade. Na metade da prova ele arrancou a túnica. Sem aquela atrapalhação toda, cruzou a linha de chegada em primeiro lugar. Foi um protesto geral dos adversários, mas os sábios de Olímpia eram de fato sábios: mantiveram a vitória de Orsippus e decidiram que nas próximas competições todos se apresentariam sem que nenhum atleta levasse qualquer tipo de vantagem: ou seja, todo mundo nu, completamente nus. O que terá contribuído para a interdição de Teodósio.
E ao contrário da lorota idealizada por Coubertin, os vencedores não ganhavam somente uma coroa de folhas de louros. Quer dizer, isso ocorria apenas na cerimônia de premiação, em Olímpia. Na verdade, recebiam dinheiro, privilégios e honras em suas cidades de origem. Atenas era uma das cidades mais generosas e oferecia aos vencedores cerca de 500 dracmas, valor relativo aos salários médios de dois anos, além do direito de não pagar impostos e de receber refeições gratuitas pelo resto da vida - atesta o professor Sinn.
Hoje, as idéias correntes de globalização parecem consagrar o espírito olímpico - se não o originário, ao menos o idealizado pelo Barão de Coubertin -, dando a impressão de que também na competição esportiva o mundo está unificado. Mas acossados pelas grandes potências e a anfitriã que ameaça desbancá-las, entre os mais de 200 países esperados em Pequim, cada país se concentra nas suas medalhas, cada povo vive a sua olimpíada particular. Para o governo Lula da Silva os Jogos Olímpicos são mais uma metáfora. Entre os emergentes também nos esportes, o país disputa, em termos cada vez mais ferozes, as medalhas disponíveis. Mas o desempenho brasileiro, pelo qual os atletas desde já estão de parabéns seja ele qual for, sempre será uma cereja no bolo das pretensões tapuias.