Política em Três Tempos - por Paulo Queiroz

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Foto: Divulgação

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1 – VOTO FACULTATIVO Com o sepultamento do voto em lista, nesta quarta-feira (27), na Câmara dos Deputados, e a morte anunciada do financiamento público de campanhas, o debate sobre a reforma política tende a trazer para a ribalta, além de discussões como a fidelidade partidária e o fim das coligações nas eleições proporcionais, temas que, embora familiares, andaram sendo relegados às coxias. Fala-se, por exemplo, do voto facultativo. Neste sentido, leitor, nada menos do que cinco propostas de emenda constituicional (PECs) que tramitam no Congresso propõem que o voto deixe de ser obrigatório para todos os cidadãos. Como sabe o considerado, atualmente, apenas menores de 18 anos, maiores de 70 e analfabetos podem decidir se querem votar ou não. A favor da proposta, há o fato de que o voto facultativo já é realidade na maioria dos países desenvolvidos, como nos EUA, no Canadá e na maioria das nações européias. Há mesmo uma opinião generalizada segundo a qual esse tipo de sufrágio é um anacronismo que só um magote de países atrasados insiste em manter. Convém lembrar que, no Brasil, o voto obrigatório existe há mais de 70 anos. Por estas e por outras este é um exemplo de discussão que está sendo conduzida com demasiada facilidade para os defensores do voto facultativo. Bem verdade que há bons argumentos contra o voto obrigatório. Afirma-se que ele deforma a vontade nacional, introduzindo nela um forte elemento aleatório, a saber, os votos sem convicção, fruto do cabresto. Liberando o voto, somente teríamos sufrágios dados com fé, o que eliminaria o elemento deformador, ao mesmo tempo que exigiria dos partidos maior empenho em conquistar a convicção dos eleitores. Ademais, o bom-senso tende a indicar que o voto é um direito, e não um dever, e que deve depender apenas da vontade livre de cada um, assumida como escolha consciente e responsável. Ou seja, a democracia por decreto e voto como imposição legal não seriam princípios que pudéssemos defender confortavelmente nos dias de hoje. 2 – PERIGOS À VISTA Vejamos agora quais seriam os perigos do voto facultativo, que não deveria ser reduzido, às vésperas de grandes eleições casadas, a mero cálculo eleitoreiro. Para a socióloga Aspasia Camargo, sua introdução agravaria o risco de se aumentar o "apartheid" dos excluídos da economia de mercado, que hoje estão aprendendo, bem ou mal, a exercer seus direitos políticos. Segundo ela, estes direitos poderão apressar o processo de distribuição de renda e a equidade social que nossas elites não conseguiram produzir. “Eliminando estes deserdados – em geral os mais desconfiados, os mais apáticos, os mais descrentes da ordem política –, a situação pode parecer mais cômoda para a sociedade liberal consumidora e letrada, que se livra de um estorvo, mas na realidade duplica a exclusão ao invés de reduzi-la mais rapidamente”, defende. Para a socióloga, estamos criando o campo propício para manifestações pré-políticas ou antipolíticas de caráter místico-religioso, que poderão solapar a racionalidade democrática, agravando a irracionalidade coletiva. Da apatia e da ausência para a agressividade e o delírio, basta apenas um passo. Poderemos, assim, agravar a ilegitimidade da ordem política, que estamos com tanto esforço tentando consolidar. Prova para lá de eloquente do que se acabou de falar é que foi com grande estupefação que nos demos conta de que, nos EUA, o voto facultativo e a crescente ilegitimidade do poder público produziram um perfil surpreendente de seu corpo político. Os que votam hoje são majoritariamente os de raça branca, os mais idosos e os de alta renda. Os negros, os pobres e os jovens ficam de fora. O grande desafio, mesmo entre os países ricos, é devolver aos cidadãos alguma confiança no processo político, cada vez mais desacreditado, e gerando elevado absenteísmo. Para um país como o nosso, que se construiu de cima para baixo, talvez sejamos obrigados a aceitar o fato de que o mesmo terá que ocorrer também com o voto – e com a democracia, extraída a fórceps. 3 – MAL NECESSÁRIO Avançando mais na sinceridade, dado o enorme atraso cultural do país, tem-se que os requisitos da cidadania não se difundem universalmente, por força da concentração social, racial e regional da riqueza, da educação e do poder. Vivemos, de fato, sob uma democracia restrita. Aliás, a abstenção eleitoral golpeia a representação e a soberania do povo mesmo em países adiantados. Os meios de comunicação de massa provocam efeitos bem conhecidos pelos sociólogos especializados na investigação dos processos de desmobilização política, de manipulação partidária e de omissão generalizada que conduzem a eleições mutiladas. Explica-se, assim, a ascensão de presidentes medíocres e de parlamentares destituídos de qualificação real. Pelo sim ou pelo não, a democracia está em crise e cai, em regra, nas mãos de lobistas com alvos rentistas ou de grupos de interesses organizados, às vezes supranacionais. Ficando-se no âmbito do Brasil: apesar de ser uma clara distorção e de permitir, em certas circunstâncias, o "voto de cabresto" e os "currais eleitorais" –sem os quais a fisiologia e os clientelismos se debilitariam ou desapareceriam– a obrigatoriedade do voto impõe-se como arma de dois gumes e como "mal necessário" (até que a democracia alcance dinamismos próprios). O voto obrigatório não se confunde com uma "escola de cidadania". Ele desponta como necessidade provisória. Não é difícil perceber que os eleitores tangidos pela obrigatoriedade são, na maioria, semicidadãos, pessoas "condicionadas" para votar. Porém, o ato de votar, em si mesmo, cresce em sua percepção política, como atestam pesquisas várias. O que indica que tende também a crescer a compreensão da importância da cidadania. São condições subjetivas e objetivas cruciais de olhar a democracia com realismo e de despregar-se da tradição política autoritária. Assim, é possível que valha a pena dilatar a vigência do voto obrigatório. A soberania popular seguirá caminhos ásperos. Mas nos aproximamos da República democrática.
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