*1 – APÓS AS CINZAS
*Caso as coisas ocorram como indicam as expectativas criadas pelos partidários de ambos, entre os debates que prometem galvanizar o país depois do carnaval, um diz respeito aos projetos que tentarão fazer ressurgir das “cinzas” os ex-deputados José Dirceu (PT) e Roberto Jefferson (PTB), cassados pela Câmara em meio às reverberações do “Mensalão” e, por isso mesmo, hoje impedidos de disputar eleições até 2015.
*Sem tirar nem por, o termo “cinzas” é bastante apropriado para indicar o estado em que se encontram os ex-parlamentares, porquanto, primeiro, o significado litúrgico delas no mundo cristão vem a ser dor, morte e penitência. Depois, porque calhou de a data para o desencadeamento do debate ter sido marcada para logo depois desta quarta-feira, chamada de cinzas, embora não se possa garantir que o arrependimento – de que as cinzas são o símbolo maior – esteja no topo da agenda dos protagonistas em questão.
*Na verdade, conquanto não tenha escalado a ordem do dia, o “disse me disse” sobre o assunto há dias vem se avolumando, já tendo ocupado generosos espaços na grande imprensa e reverberado até mesmo na ante-sala da Presidência da República. Prova disso é que o jornal “Folha de S. Paulo” já abriu espaço na prestigiosa seção “Tendências e Debates” para publicar extensos arrazoados contra e a favor do petista, enquanto a concorrência – “O Estado de S. Paulo” – tem-se ocupado do político trabalhista.
*A articulação por Jefferson deverá ser feita pelo deputado e presidente do PTB em São Paulo, Campos Machado. Ele alega que a iniciativa é de caráter individual, não partidário. “A idéia é obter 1 milhão de assinaturas em São Paulo e, em agosto, chegar a 1,5 milhão, para apresentar um projeto de iniciativa popular ao Congresso. De cada dez pessoas, muitas podem odiá-lo (Jefferson), mas há quem o ame”, diz Machado. Mas depois que o próprio o Jefferson, desconfiado quanto ao sucesso da iniciativa, andou desautorizando-a em público, o projeto anda em marcha lenta.
*2 – CAUTELA PALACIANA
*Já no que diz respeito a Dirceu, e não só no âmbito das especulações, a discussão está a todo vapor. Tanto assim o é que a operação de resgate do ex-ministro-Chefe da Casa Civil ganhou, no começo do mês, um reforço importante na cúpula do governo: Marco Aurélio Garcia, vice-presidente do PT e assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, pregou publicamente anistia para o ex-ministro. "Quando o projeto vier é claro que apóio", disse o assessor na saída de um encontro do partido promovido pelo Campo Majoritário, principal tendência da legenda. "Se fui contra a cassação dele, como não posso ser favorável à anistia?", enfatizou o auxiliar de Lula.
*Oficialmente, o indulto a Dirceu não estava na pauta do Campo Majoritário, que ainda é a maior tendência da sigla, mas perdeu força por causa da ligação de alguns de seus integrantes com o valerioduto. O encontro em questão trataria prioritariamente de uma reflexão sobre o futuro da legenda e um manifesto de apoio ao PAC, o programa de Lula para acelerar o crescimento do país. Mas nos bastidores da reunião um tema predominante foi a volta do petista. Não por acaso a aprovação ao retorno de Dirceu foi endossada também pelo presidente do partido, deputado Ricardo Berzoini (PT-SP). "Assino o projeto, sou favorável. Como filiado ao PT e militante. Ele merece retomar os seus direitos políticos porque foi punido injustamente, sem provas”, disse.
*O presidente Lula da Silva, no entanto, não quer o governo mobilizado pela tentativa de obter a anistia de Dirceu, já tendo deixado claro que o Planalto não deve se envolver publicamente na questão, embora haja no Palácio quem defenda a iniciativa. Segundo um integrante do governo, Lula teme que o esforço pelo resgate político do ex-chefe da Casa Civil ofusque a prioridade número um do Executivo: a discussão e aprovação do PAC pelo Congresso. Além disso, quer evitar a retomada de um tema tão desgastante para o governo como o é o escândalo do “Mensalão”.
3 – ANISTIAR É FÁCIL
Assim como Lula, vários deputados petistas também são contra a idéia de levar adiante o plano de anistiar José Dirceu, porque temem o desgaste do PT neste início de legislatura. Os menos ligados ao deputado cassado dizem que o tema dividiria a bancada e traria constrangimento a muitos companheiros de partido. Seja como for, os aliados do ex-deputado já têm uma estratégia para tocar o projeto da anistia. “O pedido não deve vir de político, mas da sociedade, e depois ganhar apoio de parlamentares”, diz um deles. Segundo este, manifestações de apoio a Dirceu incluirão pessoas para lá de conhecidas.
*A primeira destas manifestações ocorreu dia 08 passado, no Teatro Jorge Amado, em Salvador (BA), na abertura das festividades comemorativas dos 27 anos do PT. Consistiu numa homenagem prestada ao ex-ministro pela ala da Juventude Petista ligada ao Campo Majoritário, embora em seu discurso Dirceu não tenha feito nenhuma menção à campanha. Ao final do ato, no entanto, o ex-ministro recebeu de presente um cartaz em que aparece participando de uma manifestação como líder estudantil, em 1968, exibindo abaixo da sua fotografia a palavra de ordem: Anistia Já! “Para bom entendedor, meia palavra basta. Não pode, no Brasil de hoje, alguém ter suas liberdades individuais cassadas”, disse o dirigente da Juventude Petista, Juan Pessoa, logo depois que Dirceu recebeu o presente.
*Faz sentido. Os projetos de iniciativa popular estão previstos na Constituição e tramitam como projeto de lei normal, desde que tenham a assinatura de no mínimo 1% do eleitorado nacional – cerca de 1,5 milhão - distribuído em no mínimo cinco Estados. Embora um deputado pudesse apresentar isoladamente o projeto de anistia, os petistas próximos a Dirceu acreditam que as assinaturas emprestariam legitimidade à pretensão do ex-ministro.
*Ademais, o histórico dos projetos de iniciativa popular apresentados na Câmara mostra que vão para frente os que são encampados pelo Executivo ou por um deputado. Caso contrário, o projeto emperra em uma série de exigências legais. Se um agente não assumir, a Câmara é obrigada a conferir cada assinatura, o título de eleitor do signatário e o endereço, o que praticamente inviabiliza o andamento do projeto de lei. Portanto, para levar adiante a anistia, o PT vai precisar escalar um deputado disposto a assumir o desgaste de encampar a causa.
*Pelas regras do Legislativo, anistiar é mais fácil do que cassar. Para o plenário aprovar a cassação do mandato de um deputado, são necessários os votos de pelo menos 257 deputados - maioria absoluta entre os 513 parlamentares. No caso da anistia, basta a aprovação por maioria simples - metade mais um dos votos dos deputados presentes à sessão. A votação é aberta, como a de qualquer projeto de lei.
*Embora não faça parte da direção nacional do PT, Zé Dirceu está cada vez mais ativo dentro da legenda. Ele prega a organização do partido para se manter no governo além do segundo mandato de Lula.