Política em Três Tempos - Por Paulo Queiroz

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Foto: Divulgação

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1 – PRESIDENTE NEGRO Sob o título “Paranóia ou Progressismo?”, a mais recente edição do suplemento dominical “Mais”, do jornal “Folha de S. Paulo”, trouxe a público a existência de uma das obras mais esquisitas de Monteiro Lobato, uma ficção científica ambientada nos Estados Unidos no ano de 2228. Não bastasse a provocação de a resenha do livro “O Presidente Negro” sair publicada no período em que o Brasil celebra o “A Semana da Consciência Negra” - cujo dia transcorreu nesta terça-feira (20) -, o texto vem assinado pelo jornalista Alcino Leite Neto – que a publicação informa tratar-se do seu editor de moda. Moda? Põe provocação nisso é pouco se considerarmos que a idéia de ternura e fantasia associada ao autor do “Sítio do Pica-pau Amarelo” resulta fortemente abalada diante de um texto francamente “escorado em idéias racistas e até protonazistas”, não obstante se saber há tempos que o seu Jeca Tatu foi pensado originalmente como uma crítica à mestiçagem para servir à defesa da idéia de eugenia, com o personagem descrito pelo próprio Lobato como “funesto parasita da terra, seminômade, inadaptável à civilização". Incorreções políticas à parte, como não raro acontece com obras do gênero, esta incursão de Monteiro Lobato ao futurismo também tem o condão de surpreender pelo tino visionário do autor não apenas em relação às previsões dos avanços da tecnologia, mas também no que diz respeito à antecipação de fatos e circunstâncias. Logo no início da sua resenha, por exemplo, Alcino Leite lembra que, entre outras coisas, é “a disputa entre os senadores Barack Obama e Hillary Clinton pela vaga democrata nas eleições presidenciais norte-americanas de 2008” que “tira lá do fundo poeirento dos sebos o livro estranho, polêmico e esquecido de Monteiro Lobato”. Além disso, no delírio futurista de Lobato a imprensa em papel deixou de existir nos EUA de 2228. As notícias são “radiadas” e aparecem imediatamente impressas “em caracteres luminosos num quadro mural existente em todas as casas”. 2 – INTERNET PREVISTA Ademais, por essa época, conforme o escritor, as pessoas que lidam com rotinas burocráticas ou de natureza intelectual trabalham em suas próprias residências, de onde transmitem seus serviços ao escritório utilizando o “rádio-transporte”. Em que importe Lobato ter publicado sua ficção em 1926, nem foi preciso esperar transcorrer 200 anos para as notícias começarem a aparecer imediatamente em caracteres luminoso em quadros existentes nas residências. Cerca de 80 anos mais tarde, está aí a Internet para não deixar a futurologia tapuia na mão. No livro, não obstante o progresso, nos EUA reina uma confusão dos diabos, pois às vésperas da eleição do 88º presidente, a população cindiu de tal forma que o país pode mergulhar numa nova e não menos sangrenta guerra civil. De um lado, estão os milhões de eleitores negros, que apóiam Jim Roy, da Associação Negra. De outro, as mulheres brancas que seguem a candidata do Partido Feminino, miss Evelyn Astor. E, por fim, há os homens brancos, que preferem a reeleição de Kerlog pelo Partido Masculino, que fundiu o Democrata e o Republicano. Eis o essencial da trama: não apenas um choque de raças, mas também uma guerra de sexos. Os homens brancos, a fim de embranquecer os EUA, pregam enviar os negros para a Amazônia, que já não é parte do Brasil – qualquer semelhança com teses conspiratórias em circulação dá o que pensar. As mulheres brancas seguem as teorias de miss Astor, segundo a qual o homem roubou as fêmeas de seu rival biológico, de outro gênero, o que explicaria o equilíbrio sexual impossível entre mulheres e homens. Os negros, por sua vez, vivem preocupados com esticar seus cabelos e clarear o rosto por meio da “despigmentação”, que os deixa com a pele "horrivelmente embranquiçada" (como a de certo Jackson, alguém diria). Com o acirramento da disputa, tanto o Partido Feminino quanto o Masculino buscam o apoio do líder negro. Acontece a eleição - com os votos enviados por "rádio" da casa dos eleitores -, e ganha o negro. 3 – EUGENIA E RACISMO As mulheres brancas se apavoram com a perspectiva de um governo de negros e, arrependidas, correm aos homens brancos, revendo sua teoria. O líder negro prepara-se para assumir a Presidência, diante de seus iguais estupefatos com a conquista: "Nem um negro imaginara tal hipótese. Mas a perturbação foi se desfazendo, e à medida que se ia desfazendo, iam se iluminando as caras com um sorriso novo no mundo". Os brancos reagem com muito maquiavelismo, num complô articulado entre política, ciência e ideologia, o qual termina por colocar os negros e as mulheres nos seus “devidos lugares”. Enfim, numa semana em que o último país das Américas a abolir a escravidão se debruça sobre a herança e as conseqüências do período, talvez tenha importado aos editores do “Mais” fazer uma remissão à questão do racismo em Lobato, de resto, algo que, vira e mexe, inflama os estudiosos. Muitos deles chegam a apontar preconceitos sistematicamente embutidos até mesmo nos livros infantis. "O Presidente Negro" coloca muita lenha na fogueira da polêmica. Há passagens escandalosas no livro, que mesmo um escritor de extrema direita pensaria bastante antes de publicar. Seja como for, nunca foi segredo que Lobato se envolveu ativamente com idéias eugenistas. Menos mal que se retratou com relação à sua personagem emblemática sobre o cidadão brasileiro. Lobato abandonou explicação da mestiçagem de Jeca Tatu como a responsável por sua condição de sujo, doente e preguiçoso pela de que ele poderia se reabilitar com melhores condições de saneamento e o uso de vermífugos. Eugenia e racismo, porém, jamais deixaram de amparar um discurso que prometia monitorar identidades nacionais e encontrar soluções tecnológicas para os problemas sociais. O primeiro intuito chegou a ser tentado até com o extermínio de minorias étnicas e culturais. A segunda promessa permanece viva e ainda ronda, como um fantasma, as políticas de saúde pública e as pesquisas contemporâneas na área genética. É preciso ter cuidado.
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