FERNANDA TORRES: A artista em início de carreira e momentos nos cinemas mortos de Porto Velho - Por Marcos Souza

FERNANDA TORRES: A artista em início de carreira e momentos nos cinemas mortos de Porto Velho - Por Marcos Souza

Foto: Divulgação

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Vou fugir um pouco do lugar comum em escrever essa análise das indicações ao Oscar para o filme “Ainda Estou Aqui”, com ênfase na atriz Fernanda Torres, um fato histórico e inesquecível para o Brasil - mesmo que não ganhe nada, mas vai ganhar. 
 
Quero exaltar a atriz Fernanda Torres no seu atual momento como a artista extraordinária que vem demonstrando, em entrevistas promocionais ou cortes de vídeos nas redes sociais - sempre dócil, engraçada e muito, muito inteligente -, porém revisitando minha experiência com ela nos cinemas de Porto Velho em seu início de carreira cinematográfica. 
 
E que momentos! 
 
Filha de uma lenda viva e ícone da dramaturgia - do teatro e televisão -, Fernanda Montenegro, de 95 anos, e do ator (já falecido) Fernando Torres, Fernandinha foi inserida e absorvida muito cedo na arte de interpretar e logo demonstrou um talento nato, ou como deve ser a meritocracia artística extasiante de uma família vinda do teatro e consagrada nos palcos. 
 
Em 1985, eu tinha 16 anos quando em um dos raros momentos e já na decadência do Cine Teatro Reski - lendário cinema da Capital, fundando em 1950, cuja primeira sessão foi em 17 de julho com o filme “Pecadora” - tive a ideia de ir com um grupo de amigos assistir nesse cinema o filme “Inocência”, do diretor Walter Lima Jr., onde o destaque era a presença de uma atriz muito promissora, Fernanda Torres, que tinha a idade de 18 anos quando participou - o filme foi lançado em 1983. 
 
 
A sala apertada, com as cadeiras de madeiras, nessa sessão, exclusivamente, num domingo a tarde, estava razoamente cheia. Os ventiladores não davam conta do calor, mas não era desconfortável. O filme chegava a Porto Velho com dois anos de atraso. Normal, nesse período os filmes eram lançados primeiro na região Sul e Sudeste e dependendo da sua trajetória chegavam aqui com razoável atraso e, geralmente, em uma cópia sofrível. 
 
Por incrível que pareça, pelas minhas lembranças a cópia em exibição era muito boa, só achei o filme com a fotografia um pouco escura quando exibido na tela, mas nada que não tirasse o seu brilho. “Inocência” era um filme encantador, eu já tinha lido o livro de Visconde de Taunay, e adorado. Ver a reprodução adaptada dos escritos românticos e líricos da obra foi um presente, até mesmo pela presença de Fernanda, no auge de sua beleza juvenil em uma personagem ingênua. Foi magnético. Ela era apaixonante.  
 
 
As suas cenas tinham um cuidado de fotografia bem elaborada, até mesmo quando contracenava com o ator Edson Celulari, o seu par no filme. Já havia uma presença magnética, pura, onde ela sabia colocar as pausas de forma perfeita nos diálogos provincianos e deleitados pela menina mulher, que a sua Inocência, exigia.  
 
Lembro que foi um dos raros filmes que assisti no Cine Resky e fui pego pelo filme. Depois o revi quando foi exibido na televisão anos depois.  
 
Com essa estreia nos cinemas brasileiros acapachante, me encantei quando vi a repercussão nas mídias da época, entenda: televisão, revistas e jornais - num período que nem existia internet - meses depois do filme “A Marvada Carne”, de 1985, do diretor André Klotzel, onde uma Fernanda Torres um pouquinho mais madura, já tinha 20 anos, explodia no cenário nacional ganhando prêmios. Naquele ano esse filme recebeu onze prêmios no Festival de Gramado, incluindo Melhor Filme pelo Júri Oficial e pelo Júri Popular, e era a pauta cultural dos grandes jornais e revistas.  
 
Com a peja de programação de cinema em Rondônia bem deficitária em relação aos grandes centros, onde os lançamentos não eram simultâneos no País, mas de forma regional, um ano depois “A Marvada Carne” brilhou na tela do Cine Lacerda, com toda pompa e circunstância, anunciado como o filme brasileiro campeão de bilheteria. Deveria ser muito além do marketing publicitário, pois era o filme que trazia Fernanda Torres como destaque depois do sucesso comercial e de crítica por “Inocência”, e já vinha premiado.  
 
“A Marvada Carne”, uma comédia com tons caipiras, trazia o drama da jovem e solteira Carula (Fernanda), que vivia de forma simples no interior, numa casa modesta, devota de Santo Antônio e tinha o sonho de casar cedo, nem que tivesse que mover o mundo para isso, no caso o abestado Quim (vivido muito bem pelo ator Adilson Barros). O diretor André deu liberdade para a atriz construir a personagem de forma muito bem humorada, onde o roteiro permitia que as situações hilárias criadas já explorasse a sua verve humorística. 
 
 
Na sessão que eu fui havia um ótimo público e na programação o filme entrou como uma sessão de matinê, principalmente aos domingos, quando competia o espaço com filmes que ainda estavam em cartaz na época, como “Rock 3”, de Silvester Stallone, e a comédia pornográfica “A Última Festa de Solteiro”, com o iniciante ator Tom Hanks.  
 
O meu encanto pela Fernanda Torres era genuíno, pois ela tinha passado por um drama romântico opressor, no período colonial, para um uma comédia romântica caipira demonstrando uma versalidade inabalável. E tinha a intimidade com a câmera, envolvendo o espectador ao dar vida as personagens tão onipresentes no universo feminino, ainda mais no Brasil.  
 
Um ano depois, em 1986, versátil e já na mira de diversos cineastas e profissionais, Fernanda Torres aceitou um desafio e tanto proposto pelo escritor e cineasta Arnaldo Jabor, participar de um filme quase experimental realizado praticamente em um único cenário - o interior de uma casa, projetada pelo arquiteto Oscar Nimemeyer -, o ótimo “Eu sei que vou te amar”, um drama romântico existencialista até então inédito nos cinemas brasileiros. Quase um teatro filmado e se não fosse pelo talento de Jabor em criar maniqueísmos dramáticos, onde os dois atores em cena tiveram uma entrega perfeita - o ator Thales Pan Chacon era o par de Fernanda -, seria maçante. 
 
Um casal com um filho se separam após dois anos juntos - identificados apenas como “Ele” e “Ela” -. Três meses depois da separação resolvem lavar a roupa suja em um encontro na casa onde moravam, num jogo da verdade sem restrição. 
 
O filme teve uma temporada curta no Cine Lacerda, com sessão para maiores de 18 anos, o que já chamava a atenção do público. Mas não teve grande repercussão local, mesmo sendo exibido por aqui só em 1987. Para quem buscava cenas de sexo, mesmo que implícito -, como era comum em pornochanchadas exibidas no Cine Brasil - outro cinema notório local, com a sua programação de filmes de westerns italianos, kung fu e erótico nacional - “Eu sei que vou te amar”, tinha diálogos profundos, estrutura narrativa intimista às vezes, mas era sobre o amor, num jogo da verdade onde o casal desnudava a verdade e os seus momentos. E a atriz dominava todas as cenas com uma profundidade de interpretação de uma atriz experiente em uma atuação irretocável. Urbana, nada lembrava suas personagens brejeiras anteriores. Na verdade, sua verver ao dar vida a “Ela”, Fernanda personificava a mulher romântica, dramática e reflexiva, as vezes efusiva (com uma pitada de humo). Várias camadas de uma mesma mulher em maturação constante, como exigia a personagem criada por Jabor. 
 
Com o filme Fernanda foi a primeira brasileira a ganhar em Cannes o prêmio de melhor interpretação feminina, já fazendo história, dentro do emérito, rigoroso e mais tradicional festival de cinema do Mundo. Feito até hoje não repetido. 
 
Na década de 80, justo o que marcou o início da trajetória cinematográfica de Fernanda, Rondônia foi bem generosa com os seus filmes, mesmo com os cinemas locais defasados em sua programação de lançamentos. Mas souberam dar a importância para as produções e que ajudaram a repercurtir o talento da atriz, que hoje concorre ao Oscar de melhor atriz e virou xodó da grande maioria dos brasileiros. 
 
Em relação aos nossos cinemas locais que souberam dar essa abertura inicial, o Cine Teatro Resky não existe mais, o imóvel que durante décadas fazia parte do cenário histórico da praça Marechal Rondon, hoje pertence a um conglomerado evangélico, comportando uma igreja, que alterou totalmente sua fachada. O Cine Lacerda fechou as portas no início da década de 90, ficando uma galeria no seu lugar, onde também funcionou uma boate (Bat Caverna) e uma academia.  
 
 
Quem viveu esses momentos únicos, só lembranças. E Fernanda Torres em sua trajetória de sucesso, no início de carreira ficou marcada para sempre. 
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