Numa tarde nublada de dezembro combinei encontrar o fotógrafo e vídeomaker Luiz Brito, para uma entrevista e que acabou virando um bate papo informal sobre suas obras – fotos, livros e vídeos -, bastidores e projetos futuros.
Eu iria formalizar o formato da entrevista, no estilo pergunta e resposta, mas o ambiente que escolhemos para fazer a entrevista não era bem propícia. O Mercado Cultural, por volta das 15h30. Com um som nas alturas, tocando um brega melody safado (no ótimo sentido, claro), preferimos ficar na praça em frente.
Muito receptivo Luiz me falou de seu projetos futuros, com a ideia em ebulição de voltar a fazer um documentário em vídeo usando como personagem central a atriz Ângela Cavalcante, um aríete do teatro regional e que durante muitos anos trabalhou e foi parceira do já falecido e inesquecível Alejandro Bedotti, mago do teatro de rua e mímico.
“A Ângela eu considero uma pessoa do meio cultural com uma trajetória sólida e que deixou uma marca no teatro aqui em Rondônia. Ela, como professora, diretora de teatro, atriz, criou um universo no meio cênico com pautas femininas e personagens fortes, e eu quero resgatar essa memória”, disse.
Luiz acredita que escrever um projeto sobre esse vídeo documentário vai demandar um pouco de tempo, mas que é possível inscrever em uma das leis de incentivo cultural.
Eu lembro então da forma como ela e o Bedotti fizeram história na arte cênica local nos anos 90, quando montaram em uma das salas da Unir Centro a famigerada peça do autor Plínio Marcos, “Navalha na Carne”, e a Ângela, dirigida por Bedotti, fez tão bem a prostituta Neusa Sueli, despida em corpo e em alma por uma personagem sofrida e tão forte.
“Ela tinha essa característica de dar autenticidade as personagens que fazia. Eu lembro que quando estava fazendo o documentário ‘Taba Querida Taba’, onde ela interpretou uma prostituta na parte ficcional e que frequentava a boate do Carmênio, combinei com ela de fazer o encerramento com a personagem dela voltando para casa a pé, seguindo o seu caminho cansada. Usamos como locação um ponto no bairro Triângulo, próximo ao porto, onde de fato existia ali um ponto de mulheres da vida. E quando estávamos filmando ela foi ameaçada de levar uma surra porque pensavam que ela era mesmo prostituta e estava ali para disputar território, Foi uma situação que tivemos que contornar com cuidado, pois as mulheres estavam zangadas.Depois quando o documentário foi lançado, procuraram a gente para pedir desculpas”, completou Luiz, não escondendo o sorriso.
Questionado sobre o seu trabalho como fotógrafo, Luiz disse que mantém o pé ainda no analógico, ou seja, usa câmeras digitais, mas jamais deixará de fazer fotos com filme e revelação. Ele tem um laboratório para revelação e já, inclusive, recebeu convite para ministrar aulas e curso de fotografia, no uso de filmes e que possa utilizar o seu equipamento de laboratório.
“Acho legal as fotografia feitas com máquinas digitais, pois você pode trabalhar posteriormente no acabamento usando um computador ou programa, mas eu gosto e cresci fazendo fotografias analógicas, com rolos de filmes, uso de luz e revelação. Então o tratamento que eu dou é no laboratório, quando vou trabalhar na revelação, contanto tempo de exposição”.
O custo é alto ele ressaltou, como compra de filmes e material de revelação, mas é algo que cresceu na sua formação como artista e na arte da fotografia.
O respaldo nessa arte já se transformou em exposições de sucesso ou publicações respaldadas pelo capricho que trabalha com o material que é feito no seu laboratório.
Entre as exposições que ele pôde mostrar o potencial dos seus trabalhos fotográficos incluem temas que ele é apaixonado e se dedica muito, como: “As Queimadas”, “Festejo do Divino Guaporé” e “Ferrovia da Estrada de Ferro Madeira Mamoré”.
Com esses trabalhos teve publicações de luxo singulares publicadas em Rondônia. O ótimo “Revelando Porto Velho”, que foi reimpresso recentemente com patrocínio da Energia Sustentável/Jirau. Sendo a primeira edição de 2004 – essa com apoio cultural da então Brasil Telecom.
“Eu gosto muito de conhecer os locais históricos de Porto Velho, conversar com pessoas que viveram ou cujas famílias são pioneiras da região. Através dessas minhas andanças eu vou construindo inspiração e motivos para criar minha produção audiovisual, principalmente fotos. Muitas delas eu reproduzo como forma de dar sustentação a memória. Para que as pessoas não esqueçam a sua história e origem”.
Fez questão de deixar claro que essa obra é uma declaração de amor a Rondônia, suas histórias, comunidades referentes no pioneirismo e que contou com a colaboração de várias pessoas para dar sustentação histórica.
Então eu mencionei um dos seus trabalhos fotográficos mais bonitos, os seus registros da Festa do Divino. Um festejo religioso que chegou através dos portugueses e reúne várias comunidades em uma comunhão sacra única, com ribeirinhos, quilombolas, indígenas e bolivianos, que é passada através de gerações e que acontece na região do Vale do Guaporé, fronteira do Brasil com a Bolívia.
Luiz deixa um suspiro e com os olhos brilhando falou de sua dedicação há mais de 30 anos em registrar essa festa, seja com rolos e rolos de filme, assim como como no formato digital. “Eu tenho uma exposição em homenagem a festa, onde pode colocar mais de 100 fotos do acervo que tenho”, completou.
O fotógrafo lembrou que as suas fotos acabaram integrando um fotolivro que é muito respeitado e serve como uma referência cultural para Rondônia, "O Divino Guaporé", que foi feito tripla autoria, além dele, possui trabalhos dos fotógrafos Ederson Lauri e da Marcela Bonfim.
E não deixou de esconder seu entusiasmo com outro tema que ele considera vital na sua vida profissional, a exposição “Queimadas”, que teve mostras pontuais e que marcaram seus registros, pois é uma material fotográfico que ele vem fazendo desde 1995. O trabalho já foi referendado em exposição até mesmo no Palácio do Governo. “Me orgulho muito desse trabalho, pois eu faço nos dois formatos, tanto analógico quanto digital”.
Com a fala tranquila, Luiz menciona que o momento atual é de dar razão aos projetos que quer fazer, como a aplicação de aulas em um curso de fotografia amplo, onde quer ensinar o poder da luz, do obturador, da abertura do diafragma e com isso saber mexer com a revelação in natura.
E outro encantamento é fazer o documentário dedicado a Ângela. Quando recebi o convite dele para ajudar a escrever esse projeto.
E por que não?
Dessa forma informal e como velhos amigos da cultura local, falamos brevemente da cena pioneira do audiovisual rondoniense e ele disse impressionado com a produção de vídeos e curta metragens, com uma galera que tem surpreendido com um trabalho profissional. Ele não quis citar nomes, mas garante que acompanha e que admira os realizadores em Rondônia e que tem um amplo campo a desbravar.