As propagandas oficiais do Governo de Rondônia mostram um aumento dos investimentos em segurança pública no Estado. Isso deveria dar mais proteção aos cidadãos rondonienses, no entanto, a realidade fora da publicidade é outra e bem diferente. O nome é medo!
Os números divulgados, na última semana, pelo Monitor da Violência do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, colocam Rondônia como um dos estados mais violentos do Brasil.
Segundo a apuração desses dois órgãos de estudos, nos primeiros três meses desse ano, foram registrados 126 homicídios. Isso corresponde a 1,25 assassinatos todos os dias. O nome disso é violência, que campeia pelas cidades rondonienses.
O aumento de mortes violentas é facilmente constatado, se levarmos em conta que em 2021, foram registrados 85 assassinatos no primeiro trimestre. A triste estatística de mortes cresceu 48%, no mesmo período, entre os dois anos analisados (2021 e 2022).
Nesse roll de crimes, temos os feminicídios que são os assassinatos de mulheres. A Secretaria de Segurança Pública no Estado de Rondônia (Sesdec), fez um levantamento mostrando que nos quatro primeiros meses de 2022, foram registrados 10 casos de mulheres mortas de formas violentas.
Esse dado confirma o clima de terror que as mulheres estão passando em Rondônia. Se compararmos, no mesmo período, os números do 2021 com os desse ano, verifica-se que o aumento foi de 233,33%. Um horror!
Sangue
Ao desnudarmos ainda mais os dados da violência em Rondônia, constata-se que este ano, foram verificados 117 homicídios dolosos, 7 de feminicídios e 2 latrocínios, que são os roubos seguidos de morte. Porto Velho lidera esse macabro ranking registrando 40,7% desses crimes.
Os números, segundo a Secretaria de Estado da Segurança, Defesa e Cidadania (Sesdec), apontam que 83,3% das vítimas de assassinato em Rondônia, são homens. Em 2022, o mês que mais registrou assassinatos foi janeiro com 54; já em fevereiro, foram 29 mortes; e em março foram 43 homicídios.
Para o coronel da Polícia Militar, Alexandre Santos, a violência em nosso Estado está ligada alguns fatores. Entre esses estão as conexões que o crime organizado consegue estabelecer no país.
Ele citou como exemplo, o Comando Vermelho (CV). O policial afirma que essa organização criminosa tem endereço na capital. O ‘quartel general’ onde seriam feitos os planejamentos das ações criminosas, é o conjunto habitacional Orgulho do Madeira, na zona Leste da cidade.
Os condomínios populares em Porto Velho são considerados redutos de organizações criminosas
Outro grupo criminoso que também está baseado na capital é o Primeiro Comando da Capital (PCC), e que utiliza o condomínio Morar Melhor, no bairro Aeroclube, na BR 364, como base para reunir os integrantes e arquitetar os atos criminosos.
Umas das principais características desse grupo, informou o PM, é que ele age com o intuito cooptar novos membros, através do ‘batizado’ de jovens, fazendo com que eles assumam a ‘camisa’ deles. O grupo possui ligação direta com grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo.
Tribunal do Crime
Alexandre revelou também que esses bandos criminosos, possuem leis próprias, onde decidem como são os pagamentos por faltas cometidas pelos membros. Nesse caso, as penas variam de níveis. Muitos homicídios que ocorrem em nosso Estado, podem estar relacionados às disputas entre os grupos criminosos.
“Todas essas facções utilizam uma forma muito popular ao que acontece nos grandes centros do país. Praticam verdadeiros tribunais paralelos ao crime, onde as pessoas são julgadas e condenadas à morte, dependendo da situação”, declarou.
No campo
O Mapa dos Conflitos no Campo mostra que a Amazônia continua liderando a violência no campo
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Rondoniaovivo recebeu o acesso a um projeto que foi produzido por um ano pela Agência Pública com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, que é única entidade a realizar uma pesquisa anual sobre os conflitos no campo no país. Pela primeira vez, a CPT forneceu aos veículos jornalísticos toda a sua base de dados sobre conflitos no campo, um trabalho que já tem mais de 30 anos.
Foi a partir daí que surgiu o Mapa dos Conflitos. Essa nova plataforma interativa permite a navegação pela Amazônia Legal, uma região que junta nove estados do Brasil (61% do nosso território) e que se fosse um país seria o 6º maior do mundo.
Olhando de cima, o estado está aparece mal posicionado quanto aos conflitos agrários, com várias áreas em vermelho e competindo de maneira acirrada com o Pará, que tem longo histórico de mortes e violência no campo.
“Essa ferramenta vai ajudar a acompanhar os conflitos e na tomada de decisão pelos órgãos públicos e sociedade civil sobre o que fazer para impedir ou minimizar os conflitos. Importante salientar que muitos dos conflitos são incentivados por políticos, haja vista o que o deputado Geraldo de Rondônia (PSC) fez na audiência pública em Jacinopólis”, lamentou Ivaneide Bandeira, a Neidinha, fundadora da Kanindé.
Diminuindo um pouco a comparação, os campeões de forma negativa em conflitos agrários, no ano de 2020, são Porto Velho (30 ocorrências), Guajará-Mirim (23 casos) e Nova Mamoré (20 situações).
Fazendo uma comparação com o ano anterior (2019), a situação melhorou em Porto Velho (que tinha 34 conflitos) e piorou em Guajará-Mirim (que tinha apenas 06 ocorrências), além de Nova Mamoré (que tinha “só” 10 casos).
35 mortes
O professor Afonso Chagas ainda traz um panorama mais recente do quão é intensa essa violência no campo em Rondônia.
“No ano de 2021 foram registrados pela Comissão Pastoral da Terra, que participa do projeto, 1.768 ocorrências de conflitos no campo, do conflito ao extermínio. Foram 35 assassinatos registrados, e destes, 11 ocorridos em Rondônia, contra camponeses na luta pelo direito de acesso à terra”.
Disputas por terras, entre posseiros e latinfundiário, tem sido o combustível para mortes no campo em RO
A líder da organização Kanindé também lamenta que os números divulgados retratem uma realidade difícil para quem luta por terra no estado.
“Olhando o mapa se vê muito claramente que a maioria dos conflitos estão no entorno de terras indígenas e unidades de conservação, o que demonstra muito claramente os perigos que estes estão submetidos, em especial os índios isolados. A tomada de regularização fundiária tem nesta ferramenta um mecanismo para evitar genocídio e o assassinato de trabalhadores rurais”, apontou Neidinha.
Fogo
No quesito queimadas, onde diversas áreas de Rondônia aparecem, mas com posições invertidas em 2020: em primeiro lugar está Candeias do Jamari com em 2020: 106,66 focos de incêndio por área. Em seguida, Nova Mamoré com 102,08 pontos e Porto Velho em terceiro, com 100,55.
Em 2019, mesmo cenário: Candeias do Jamari com 126,54 focos de fogo por área, Nova Mamoré com 122,14 e a capital com 105,16 pontos de calor.
Já na análise das queimadas, Candeias do Jamari não deixa o primeiro lugar nem em 2019 nem em 2020 - Foto: Reprodução de tela
Além de ser uma forma de estimular o interesse dos leitores pelos conflitos no campo por meio da visualização de dados, o Mapa também fornece uma base para jornalistas e pesquisadores produzirem suas reportagens, artigos e análises. Também é uma plataforma que pode ser trabalhada em sala de aula pelos professores.
“Há uma coerência lógica neste conjunto de situações, que violenta e mata, dimensionada nos conflitos no campo. E esta dinâmica perversa, retratada no projeto da Agência Pública, traz consigo a rubrica do atual governo, não só quando omite, mas também quando estimula, pelo discurso e propaganda, o ódio contra os movimentos sociais, indígenas e quilombolas”, pontuou Afonso Chagas.
Além disso, a ferramenta tem versões em inglês e espanhol, para ser utilizada também pelo público estrangeiro.
A ideia é que qualquer pessoa possa entender a complexidade do assunto de forma intuitiva ao pesquisar as informações na plataforma.