QUESTÃO ANTIGA: Conflitos agrários causam mortes e disputas há décadas em Rondônia

Ultimamente, brigas por áreas rurais podem ser a causa de execuções nas regiões de Jacy-Paraná e Vilhena

QUESTÃO ANTIGA: Conflitos agrários causam mortes e disputas há décadas em Rondônia

Foto: Divulgação

Receba todas as notícias gratuitamente no WhatsApp do Rondoniaovivo.com.​

 
Heladio Cândido Senn e a esposa, Sônia Biavatti, foram executados | Foto: Arquivo pessoal
 
Segundo a Polícia Civil, um grupo de sete homens armados chegou ao local no começo da noite. Ao ouvir o barulho, um dos netos do dono da terra saiu e deu de cara com os assassinos. “Não atira que é um menino”, teria alertado um dos integrantes do bando.
 
Ao ouvir as vozes, Nego Zen saiu para ver do que se tratava e foi atingido por um tiro de grosso calibre. Na casa anexa, dois empregados da propriedade e a esposa de Zen já tinham sido dominados.
 
As crianças (havia outra neta de Nego Zen no local) foram levadas para a residência do caseiro, e trancadas com a cozinheira do casal assassinado, conhecida pelo apelido de “Gorda”.  Um outro funcionário da fazenda conseguiu fugir antes de ser dominado pelos assassinos.
 
Junto com os três empregados, a esposa de Nego Zen, Sônia Biavatti, foi levada para um refeitório. No local, todos teriam sido obrigados a ficar de joelhos e executados com tiros na cabeça. O terceiro morto não teve sua identidade divulgada.
 
Um policial civil que esteve na fazenda, contou que mesmo atingido gravemente, Nego Zen teria sido torturado. O investigador revelou que havia perfurações de faca no corpo dele.
 
Ainda não houve a divulgação se há pistas sobre suspeitos ou a motivação do ataque violento. Existe a possibilidade da ação ter sido executada por invasores, que reivindicam a terra, ou de serviço “encomendado” a pistoleiros profissionais. 
 
Fazenda de Vilhena teve 2ª chacina em menos de seis anos | Foto: Reprodução de TV
 
Por isso, as Polícias Civil e Militar pedem a ajuda da população, que se souber de alguma informação sobre os suspeitos dos assassinatos em Vilhena, que denunciem nos números 190 e 197. As identidades não serão reveladas pelos investigadores.
 
Corumbiara
 
 
Para explicar muitos dos conflitos agrários violentos que ainda fazem parte do cotidiano de Rondônia, é preciso voltar no tempo, em uma data específica: 09 de agosto de 1995, dia do Massacre de Corumbiara, área que fica a cerca de 740 quilômetros de Porto Velho.
 
O conflito envolveu policiais militares e um grupo de sem-terra, que resultou na morte de 12 pessoas, sendo nove assentados, dois militares e um homem não identificado. 
 
O caso ficou conhecido em todo o mundo. O confronto à bala foi na Fazenda Santa Elina. Até hoje, vítimas dizem não ter recebido nenhum tipo de indenização.
 
Além das 12 mortes, a operação contou 64 feridos (53 assentados e 11 policiais). Outras 355 pessoas foram detidas por resistência.
 
História
 
A Fazenda Santa Elina tinha aproximadamente 18 mil hectares e foi ocupada no dia 15 de julho de 1995. Dois dias após a invasão o proprietário fez o pedido de reintegração de posse, acatado pela Justiça. 
 
Policiais militares da região tentaram pela primeira vez o cumprimento do mandado judicial, que não teve resultado. Daquela vez, um posseiro foi ferido pela polícia.
 
Após determinação da Justiça para que a PM destinasse mais soldados para o cumprimento da decisão judicial, 194 policiais militares (de vários municípios de estado) foram escalados para a operação de reintegração de posse na Santa Elina. No dia 08 de agosto, em um campo de futebol próximo ao assentamento, foi montada uma base.
 
Durante a madrugada do dia 09 de agosto, a propriedade foi invadida por policiais. As investigações apontaram que pistoleiros contratados por fazendeiros também participaram da operação. O assentamento contava com cerca de 2.300 pessoas. 
 
No confronto 11 pessoas morreram – oito assentados, dois policiais militares e um homem não identificado. O corpo de outro sem-terra foi encontrado dias depois boiando no Rio Tanaru, próximo à Santa Elina.
 
Desfecho
 
Ao final das investigações, o Ministério Público Estadual denunciou 20 policiais, quatro sem-terra, um fazendeiro e seu gerente. O caso foi julgado entre agosto e setembro de 2000, em Porto Velho, após pedido de desaforamento do julgamento da comarca de Colorado do Oeste. 
 
Foram condenados pelo júri popular, o soldado da PM Airton Ramos de Morais, a 18 anos de reclusão; soldado Daniel da Silva Furtado, a 16 anos de reclusão; e, o capitão Vitório Régis Mena Mendes, a 19 anos e meio de reclusão. 
 
Do lado dos ocupantes, Cícero Pereira pegou seis anos e dois meses de reclusão. Já Claudenir Ramos foi condenado a oito anos e seis meses de reclusão.
 
 
Análise
 
O professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Alisson Gomes, que está fazendo um doutorado na própria instituição, com o tema Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, com foco na questão agrária, explica como esses conflitos agrários fazem parte da formação do estado. 
 
Os conflitos agrários remetem ao processo de ocupação que veio a formar o nosso estado nas décadas de 1970 e 1980, ainda na ditadura militar. A própria ocupação, para além dos objetivos de integração propagandeados pelos órgãos da ditadura e pela grande imprensa na época, tinha o objetivo de esvaziar conflitos existentes em outras regiões do país e favorecer a concentração das terras nestas mesmas regiões. A forma como foi conduzida aqui em Rondônia contribuiu também para a formação de grandes latifúndios”. 
 
Para o professor, o excesso de violência e as mortes marcam as disputas por terras nas zonas rurais de Rondônia.
 
“Não raras vezes estes processos se deram por meio da grilagem de terras por parte de grandes fazendeiros que se utilizam inclusive de serviços de pistolagem para expulsar camponeses. Nas estatísticas de assassinatos no campo, Rondônia ocupa o segundo lugar no ranking nacional, perdendo apenas para o Pará e dando fortes indícios de intensificação nestes últimos meses. Isso fica muito claro quando observamos os recentes episódios de assassinato de camponeses em áreas de conflito de terra”.
 
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), levantar a bandeira da reforma agrária em Rondônia pode ser bastante perigoso. Entre 2015 e 2019, 64 pessoas morreram no estado por causa de conflitos rurais – mais de uma vítima por mês.
 
Últimos tempos
 
 
Acampados vivem em barracos de madeira, com telhado de palha de babaçu, sem água encanada, nem energia elétrica ou sinal de celular (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
 
De lá para cá, de vez em quando, a imprensa (incluindo o Rondoniaovivo) noticia a morte de alguém que está ligado aos supostos assassinos dos PMs, que seriam membros da Liga dos Camponeses Pobres (LCP).
 
Esses dez supostos integrantes da LCP, que viviam em um acampamento próximo da execução do tenente e do sargento, foram indiciados pelos assassinatos. 
 
Segundo informações conseguidas pela reportagem, quatro deles foram presos, mas soltos poucos dias depois por falta de provas. Outros seis estariam foragidos porquê já tinham ordens de prisão por crimes anteriores: homicídio, latrocínio e assalto. 
 
Reações
 
Um dia depois dos assassinatos (04 de outubro), o governador Marcos Rocha (União Brasil), também coronel aposentado da PM, deu uma entrevista coletiva em que classificou os participantes da LCP como criminosos. 
 
“Não são ações de pessoas que buscam terra para sobreviver”, declarou o governador, sem apresentar provas. “Temos produtores rurais aqui que estão amedrontados com esses atos criminosos. Eu lamento muito a morte dos policiais. Precisamos tomar uma atitude, utilizando a força necessária”.
 
Em 05 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro postou um vídeo no Twitter em que integrantes da LCP protestavam contra militares. “Tenho minha opinião, qual a sua?”, escreveu Bolsonaro. 
 
No vídeo, os camponeses gritam: “Nem que a coisa engrossa (sic), a terra é nossa!” Em outro trecho, cantam: “Aqueles que mandam matar têm que morrer”.
 
Dois dias depois da postagem do presidente, em 07 de outubro, seu filho (conhecido como 01) o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), visitou o distrito de Nova Mutum Paraná, próximo à área ocupada pela LCP. Ele se reuniu em um restaurante com fazendeiros locais, conforme registrou o Rondoniaovivo
 
Na tarde de 09 de outubro, o juiz Ilisir Bueno, da 7ª Vara Cível da Comarca de Porto Velho, expediu uma liminar para reintegrar a posse das terras onde se situava o acampamento Tiago dos Santos. 
 
Na manhã do dia 10, 300 PMs despejaram as 600 famílias com apoio de três helicópteros e bombas de efeito moral.
 
Problemas graves
 
O professor de Ciências Sociais, da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Afonso Chagas, também avalia que além de antigos, os problemas envolvendo a reforma agrária continuam.
 
As maiores incidências de violência têm ocorrido justamente nas regiões em que o Estado brasileiro fez grandes concessões de terras públicas, não para colonização, mas para especulação imobiliária e, principalmente para grilagem de terras públicas. A grilagem, neste caso, nada mais é que, uma forma de burlar a legislação, por dentro da própria autarquia agrária, por meio dos títulos cartoriais, pela ausência de controle ou fiscalização, e pela corrupção administrativa. Em três regiões isso mais se destaca: Cone Sul (principalmente Vilhena e Chupinguaia), Vale do Jamari, e Gleba Garças (região de Porto Velho)”.
 
Afonso também aponta que a fiscalização e o combate à grilagem de terras já podem começar a minimizar as mortes no campo.
 
A violência deveria ser tratada pelas causas, antes de tudo. Mais que uma operação com a Força Nacional, faz-se necessário uma operação de fiscalização destas grandes apropriações ilícitas de terras públicas. Mais que polícia, é necessária uma política, que faça tão somente o que a lei já autoriza. E isso deveria valer para todas as instâncias do Estado brasileiro. Sem isso, não se faz justiça e nem combate a violência no campo. Só neste ano, enquanto a Força Nacional atuava em Rondônia, já foram 10 assassinatos no campo”.
 
Movimento
 
A LCP surgiu da união de sindicatos urbanos com o Movimento Camponês Corumbiara, que juntou os sobreviventes do “massacre de Corumbiara”. A LCP não se refere ao acontecimento como “massacre”, expressão comum na imprensa. 
 
Prefere chamá-lo de “heroica resistência camponesa de Corumbiara”. A liga, cujos comandantes não se identificam em público, ocupa o posto de “inimiga pública número um” de muitas autoridades rondonienses. 
 
Em 2008, a revista IstoÉ veiculou uma reportagem sobre o movimento com o título “O Brasil Tem Guerrilha” e algumas fotos de ativistas que pareciam estar num treinamento militar. 
 
A Câmara dos Deputados realizou de imediato uma audiência para pedir providências contra “o domínio” da organização em Rondônia. Um representante da LCP, contudo, informou na ocasião que as imagens divulgadas retratavam um simples espetáculo teatral. 
 
Montada numa escola, a peça pretendia lembrar o aniversário da morte de Che Guevara, um dos personagens da Revolução Cubana.
 
Na mesma audiência, que não teve nenhum resultado concreto, o então secretário-adjunto de Segurança Pública de Rondônia, Cézar Pizzano, acusou a liga de receber contribuição financeira e orientações de movimentos guerrilheiros latino-americanos, como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o Sendero Luminoso, do Peru. 
 
Ele disse que extraiu as informações de um dossiê elaborado pela polícia entre 2004 e 2008.
 
Sem manifestações
 
O Rondoniaovivo entrou em contato com as lideranças da Associação Brasileira dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), que tem representação em Rondônia. 
 
A pessoa que nos atendeu iria verificar se haveria alguma manifestação da diretoria, mas até o fechamento desta reportagem, ninguém nos procurou.
 
Entramos em contato com duas representantes da Comissão da Pastoral da Terra. Uma delas, disse que iria avaliar se haveria alguma manifestação da entidade sobre os acontecimentos em Jacy-Paraná e Vilhena, porém até o encerramento da produção desta matéria especial, também não houve nenhum retorno.
Direito ao esquecimento

A política de comentários em notícias do site da Rondoniaovivo.com valoriza os assinantes do jornal, que podem fazer comentários sobre todos os temas em todos os links.

Caso você já seja nosso assinante Clique aqui para fazer o login, para que você possa comentar em qualquer conteúdo. Se ainda não é nosso assinante Clique aqui e faça sua assinatura agora!

Qual sua opinião sobre o bloqueio de emendas parlamentares?
Você acredita que a gestão Hildon Chaves realmente teve 90% de aprovação?

* O resultado da enquete não tem caráter científico, é apenas uma pesquisa de opinião pública!

MAIS NOTÍCIAS

Por Editoria

PRIMEIRA PÁGINA

CLASSIFICADOS veja mais

EMPREGOS

PUBLICAÇÕES LEGAIS

DESTAQUES EMPRESARIAIS

EVENTOS