EXCLUSIVO - Entrevista com o cientista político Humberto Dantas

Entrevista com cientista político Humberto Dantas

EXCLUSIVO - Entrevista com o cientista político Humberto Dantas

Foto: Divulgação

Receba todas as notícias gratuitamente no WhatsApp do Rondoniaovivo.com.​

Ele acredita que a participação e a educação política são pressupostos fundamentais para o avanço da democracia e a construção da cidadania.

Observa como legítimo o retorno de uma direita conservadora ao cenário político nacional, e analisa como positivo o atual papel da justiça no combate à corrupção. Alerta, no entanto, para o perigo do aumento do descrédito na política, o que poderia colaborar para uma conjuntura de golpes e o surgimento de “super-heróis” na arena eleitoral. É com grande esperança na democracia que o cientista político Humberto Dantas concedeu entrevista ao www.rondoniaovivo.com.

 Dantas, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), estará em Porto Velho nos dias 25 e 26 de setembro para ministrar um curso sobre o tema da formação política, na Faculdade Porto/FGV (FIP).

1)Na opinião do senhor, o sistema político brasileiro e seu modelo institucional, denominado "presidencialismo de coalizão", está em crise? Por que?

 A democracia representativa de um modo geral está em crise. O problema, na minha opinião, não é o sistema eleitoral em si, mas sim o quanto legitimamos a política em nosso cotidiano. A distância entre representantes e representados se tornou insustentável, o ritmo do mundo atual contribui para isso. Somos individuais e rápidos, enquanto a democracia é coletiva e lenta. Isso vai causando um estranhamento, que associado à percepção de que a política é a arena master da corrupção gera uma indignação que caminha para trilhas perigosas. Não acredito, por um segundo sequer, que mudanças no formato das eleições possam gerar impactos expressivos capazes de atenuar esse sentimento. E se algo for gerado nesse sentido o tempo se encarregará de arrefecer o sentimento. Com relação ao presidencialismo de coalizão o desafio, em termos institucionais, é menos complexo. Algumas medidas poderiam atenuar as dificuldades de governar com múltiplos agentes. Medidas pensadas em termos de reformas políticas que barrassem a representatividade de pequenos partidos. Mas isso é algo que precisa ser pensado como objetivo claro, e a reforma política que tramita não tem um objetivo claro. Também precisamos conceber que aumentar a chance de uma governabilidade mais clara é reduzir a representação de grupos plurais (partidos). Essa equação precisa se tornar clara e a opção necessita de discussão.

 

2) Como o senhor observa esse sentimento "anti-petismo" crescente nas classes média e alta, inclusive em setores que já apoiaram o PT em eleições anteriores?

Em São Paulo isso tem sido construído faz alguns anos, como resultado, principalmente, do julgamento do mensalão. A desconstrução começa com uma tentativa de associar o partido à corrupção e, em seguida, se reforça com a ideia de um distanciamento imenso entre o discurso de campanha e medidas amargas tomadas imediatamente após o pleito de 2014. Com relação à corrupção precisamos ter clareza sobre o fato de que a justiça está fazendo um trabalho que pode indicar expressivo amadurecimento de suas ações, mas certamente outros partidos devem surgir. Do ponto de vista institucional isso é essencial, mas passaremos por turbulências ainda maiores associadas aos desafios de legitimarmos a democracia. A política corre o risco de cair em descrédito maior e a falta de preparo político, consolidada em valores democráticos, pode sugerir alternativas fáceis como golpes e super heróis. Espero não ver isso, mas existem riscos.

 

3) Como pode se projetar as eleições de 2016 ( municipais)? O senhor acredita que haverá reflexo direto no resultado em razão de crise que o país passa?

 Tenho conversado com muitos políticos e sentido deles que será difícil pedir voto no ano que vem. O discurso pode não fechar. Deve haver espaço para novas lideranças em algumas cidades importantes, e isso não necessariamente é positivo, dada a qualidade do discurso que pode levar parte desses sujeitos ao poder. Não estamos atravessando uma crise que venha acompanhada de um banho de ética e moral em nossa sociedade. Estamos longe disso e isso não se constrói sem décadas de compromisso com a formação cidadã de nossos cidadãos. Essa semana o presidente de um dos principais partidos de oposição ao governo federal falou conosco na Rádio Estadão. Ele disse que o país precisa de novas eleições (um discurso frágil) e que precisamos de sorte para escolhermos alguém. Sorte? Sorte é a antítese de preparo consciente, ou seja, o Brasil está mesmo destinado à sorte nas eleições? Se isso for verdadeiro não temos uma democracia e, nesse caso, parece que ficaria mais razoável transformar as eleições num imenso sorteio.

 

4) O senhor acredita numa mudança de cenário, com eleitores se posicionando " à direita" em próximo pleito?

Essa é outra questão bem interessante, mas que merece atenção diferente daquela ofertada por algumas análises. Até 2002 a esquerda era sinônimo de algo muito ruim, e a partir das eleições de 2004, sob o efeito da chegada do PT ao poder federal, as legendas de esquerda iniciaram um processo de espraiamento pelo território digno de nota. Em 2012 já havia equilíbrio entre os principais partidos de esquerda e de direita nas eleições para prefeito. A direita passou por problemas, três de seus quatro principais partidos mudaram de nome (PFL, PL e PDS/PPR/PPB etc.) e agora parece que existe uma retomada. Isso é comum em tempos de crise. A Europa, por exemplo, ao longo da crise inverteu sinais. A França foi da direita para esquerda, a Espanha da esquerda para a direita. E nesses instantes surgem discursos que buscam o diferente. Assistimos isso na Espanha com o Podemos. Assim, essa direita sobre a qual falamos é uma espécie de conservadorismo que ilustra bem parte expressiva dos brasileiros. Trata-se de uma característica, e não um defeito ou algo negativo. São valores postos à mesa num complexo jogo democrático. Hoje, por exemplo, a Câmara dos Deputados parece mais afeita a esse grupo. Pudera, em 2014 tivemos um aumento de 5% do eleitorado em relação a 2010, de 4,5% de comparecimento e uma redução de 1% nos votos válidos para deputado federal. Se essa distância de -1% a 5% for representada por pessoas mais progressistas - e isso é uma hipótese - elas estão sem representação e simbolizam cerca de 5 a 7 milhões de eleitores. Percebe? O aumento de votos brancos e nulos não isenta o cidadão de ser representado por uma Câmara que lhe parecerá cada dia mais distante. Para além disso, ano passado tivemos uma eleição com pauta mais conservadora, pautada por exemplo no interesse das pessoas por questões associadas à segurança pública. Assim, a direita conservadora - não a de cunho liberal econômico - volta ao cenário. Legítimo? Certamente.

 

5) O fator Redes Sociais - Como influencia o processo politico atual?

Aguça de forma expressiva o debate e mostra uma perda de controle associada a certa falta de preparo para um debate mais democrático. O excesso de liberdade de expressão, essencial a uma democracia, desnuda características associadas ao nosso encontro com outros valores fundamentais, como a tolerância. Nas redes sociais vem à tona o desejo de brilhar, de aparecer, e alguns conseguem isso de formas pouco razoáveis. Os limites são testados, mas é impossível dizer que esse adensamento dos debates, ao menos, não serve para colocar as pessoas em contato com a política. Se num primeiro momento passamos por uma onda de intolerâncias e exageros, acredito que podemos ficar com o bom disso tudo. Impressiona a quantidade de projetos que surgem na web e são disseminados pelas redes, por exemplo, falando sobre um ativismo políticos, disseminação de informações sérias sobre políticos e estímulos educacionais à participação. As coisas coexistem e devem ser vistas sob seus aspectos positivos e negativos, é definitivamente uma era de transformações e novos valores.

 

6) Qual a importância de um curso de Iniciação Política em Porto Velho, promovido pela Faculdade Porto e ministrado pelo senhor?

 A mesma importância de tantas iniciativas que temos visto no país nos últimos anos, e isso se acentuou de forma expressiva a partir das eleições de 2014. Ou seja, parece possível sentir que parcelas cada vez maiores da sociedade estão entendendo que sem informação política não participarão desse jogo. Isso é essencial. Ao longo dos últimos 12 anos participei diretamente de 350 ações dessa natureza. Mas a despeito de minha capacidade de trabalho, tenho ficado cada dia mais motivado com o fato de que colegas cientistas políticos, por exemplo, têm relatado experiências semelhantes. Destacaria o trabalho dos alunos de faculdades públicas de Ciências Sociais em locais como Porto Alegre, Recife e Araraquara, por exemplo. Assim, a Faculdade Porto está de parabéns por iniciar um debate essencial, fruto do sentido mais puro do termo democracia. Democracia é participação - que varia de acordo com o modelo de democracia que adotamos - e educação, que o pensador italiano Norberto Bobbio chamou de a promessa não cumprida da democracia. Estamos tentando cumprir essa promessa. E isso é essencial.

 

 

Humberto Dantas, cientista social, mestre e doutor em ciência política pela USP. Professor universitário desde 1999, atualmente é docente-pesquisador do Insper em São Paulo. Coordena o curso de pós-graduação em Ciência Política da FESP-SP e leciona em outros dez programas de pós-graduação em diferentes cidades do país. Ao longo dos últimos 12 anos participou diretamente da formação de mais de 350 turmas de cursos livres de iniciação política. Colunista político da Rede Vida de TV, apresentador de programa na Rádio Estadão (ligada ao jornal O Estado de S. Paulo) e bloger no Infomoney e no portal de O Estado de S. Paulo. Conselheiro da Oficina Municipal, da Fundação Konrad Adenauer do Brasil e diretor nacional da ONG Movimento Voto Consciente.

Direito ao esquecimento

A política de comentários em notícias do site da Rondoniaovivo.com valoriza os assinantes do jornal, que podem fazer comentários sobre todos os temas em todos os links.

Caso você já seja nosso assinante Clique aqui para fazer o login, para que você possa comentar em qualquer conteúdo. Se ainda não é nosso assinante Clique aqui e faça sua assinatura agora!

Na sua opinião, qual companhia aérea que atende Rondônia presta o pior serviço?

* O resultado da enquete não tem caráter científico, é apenas uma pesquisa de opinião pública!

MAIS NOTÍCIAS

Por Editoria

PRIMEIRA PÁGINA

CLASSIFICADOS veja mais

EMPREGOS

PUBLICAÇÕES LEGAIS

DESTAQUES EMPRESARIAIS

EVENTOS