Os danos ambientais das cheias são causados pelas barragens?

Os danos ambientais das cheias são causados pelas barragens?

Os danos ambientais das cheias são causados pelas barragens?

Foto: Divulgação

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A atual cheia recorde no rio Madeira teve dois resultados; um surpreendente, o outro previsível e deprimente. O resultado surpreendente foi a necessidade de desligar a usina de Santo Antônio porque a altura de queda diminuiu com a elevação da cota a jusante da barragem pela passagem da cheia, ficando incompatível com o mínimo necessário para o acionamento das turbinas. O previsível/deprimente foi a acusação de que as barragens são culpadas pelos danos causados pela cheia. Embora esta acusação represente uma inversão de causa e efeito tão notável quanto a do lobo da fábula, que acusou o cordeiro a jusante no rio de sujar a água que ele, lobo, estava bebendo, ela é repetida por vários setores da sociedade e por parte da mídia. (Para os leitores mais provectos, outro exemplo de relação estapafúrdia de causa e efeito é a frase “cult” do antigo seriado japonês National Kid: Celacanto provoca maremoto .)

Vamos aos fatos. Como a água é um elemento absolutamente essencial, as populações procuram viver nas proximidades dos corpos hídricos. Com isso, elas normalmente acabam ocupando a calha secundária do rio, ou seja, aquela que só é atingida nas maiores cheias ou nas cheias excepcionais. Os antigos egípcios, babilônios, chineses e outros povos construíram obras hidráulicas para controlar o excesso de água ou armazená-la para o momento de escassez. Obras como barragens e retificações de calha são planejadas e executadas para diminuir os prejuízos nas cheias e garantir a água nas estiagens.

No entanto, estas obras só são eficazes quando acompanhadas por um plano de ocupação, o que frequentemente não ocorre no Brasil: boa parte dos problemas que vivenciamos se devem justamente à ocupação desordenada das encostas das cidades e das áreas ribeirinhas.

Por exemplo, em trabalhos recentes de Avaliação Ambiental Integrada de Bacias Hidrográficas, a PSR verificou que quase todas as áreas urbanas das bacias dos rios Paraibuna, Piabanha, Preto, Muriaé e Pomba evidenciam conflitos de uso dos recursos naturais com ocupação desordenada.

Infelizmente, a maior parte das bacias hidrográficas não possui planejamento de uso do solo. Os territórios dos municípios não registram qualquer controle da ocupação: as áreas ribeirinhas sujeitas a inundações e as encostas dos morros não têm “proprietários”, e a população que não dispõe de recursos ou moradia apropria-se dessas áreas. Para piorar o cenário, estas moradias em lugares perigosos são muitas vezes “regularizadas” em épocas de eleição, com pagamento de impostos e implantação de infraestrutura (iluminação, água encanada, coleta de lixo, etc.).

Este conflito de uso do solo é apresentado, então, como dano ambiental provocado pelo homem. A ocupação desordenada em áreas de preservação implica em alto risco de tragédias . As alterações de uso do solo (desmatamento e impermeabilização) também potencializam os efeitos de chuvas e enchentes.

O caso do rio Madeira

Embora, como visto, a manutenção de cobertura vegetal seja muito importante, ela por si não evitaria a ocorrência de eventos críticos. Um exemplo é a bacia do rio Araguaia-Tocantins, onde ocorreu uma grande cheia em 1927/1928, quando estava muito pouco ocupada. O rio Itajaí também possui registros de cheias desde 1852, com grandes eventos de enchentes observados antes de 1911.

O caso mais atual, e que será discutido em mais detalhe, é a bacia do rio Madeira, que está sofrendo com as cheias mesmo ainda possuindo uma vasta área com intensa cobertura vegetal. Como mencionado, o nível d’água deste rio já atingiu a maior marca histórica registrada, causando danos importantes à população. (Por exemplo, no momento em que este boletim ambiental está sendo escrito, boa parte da área urbana de Porto Velho está debaixo d’água.)

Face às demandas de uma população completamente desassistida, e que busca explicações para tanto sofrimento, o poder público, em todas as instâncias, recorre à solução adotada desde tempos imemoriais: busca dos culpados, seguida (em alguns casos) pela punição dos inocentes.

Por exemplo, o site do Ministério Público de Rondônia apresenta a seguinte matéria de 17 de Fevereiro de 2014 :

“Em que pese os esforços dos Ministérios Público Estadual e Federal, por meio de ajuizamento de ACPs , para evitar que as Licenças  fossem expedidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em 2012, a preocupação com os possíveis danos ambientais começaram a se materializar com os chamados “banzeiros” provocados pelo início da operação da Usina de Santo Antônio, o que levou o Ministério Público do Estado, em parceria com o Ministério Público Federal, a ingressar, em julho de 2012, com ação civil pública na Justiça Federal para impedir o Ibama de conceder Licença de Operação para que a Santo Antônio Energia procedesse à elevação da cota do reservatório de 70,5 m para 71,3 m, até que fossem cumpridas todas as condicionantes apontadas na Nota Técnica 5493/2013.”

Em audiência pública promovida pela Assembleia Legislativa de Rondônia o deputado federal Amir Lando (PMDB) disse que:

“As cheias são um fenômeno natural, mas que têm a ver com as barragens, em minha opinião. Eu vou fazer uma denúncia aqui: a usina de Santo Antônio aumentou a sua cota em 80 centímetros, ampliando as áreas de alagações e ganhando 450 megawatts na geração e energia. Enquanto isso, a população perde e precisamos investigar tudo isso, principalmente as compensações ambientais”.

E ainda:

“Pode ter acontecido algum erro nesse projeto. E se não houve, não tinham como prever o que aconteceria, na prática, em relação ao impacto ambiental causado”.

A primeira pergunta seria, portanto: as acusações acima são justificadas?

Uma resposta simples é: assim como na fábula do lobo e do cordeiro, a usina de Santo Antônio opera a fio d’água , portanto, não poderia ser a causa das inundações a jusante (em Porto Velho).

Respondendo de maneira mais detalhada, a PSR avaliou recentemente os efeitos possivelmente provocados por uma cheia no rio Jequitinhonha na cidade de Belmonte, situada cerca de 100 km a jusante da usina hidrelétrica de Itapebi, que também é operada a fio d’agua. Os registros de operação desta usina de postos a montante e a jusante da barragem, como indicado na figura abaixo evidenciam que as águas que entram no reservatório são iguais às que saem do mesmo em cada instante.

A elevação da cota a montante da barragem de Santo Antônio foi aprovada pela ANEEL e IBAMA. Mas ela só afeta a Área de Proteção Permanente (APP)  da usina, o que está previsto dentro do estudo de viabilidade e licença ambiental. Observa-se que uma das razões para a existência das APPs é justamente evitar a ocupação desordenada em áreas no entorno dos reservatórios que em condições de cheias excepcionais são inundadas sem qualquer problema para o empreendedor e para o meio-ambiente.

As fotos a seguir mostram a magnitude dessa cheia na área urbana de Porto Velho onde não apenas as áreas ribeirinhas foram afetadas. A ausência de poder público efetivo e eficaz no momento do planejamento do uso do solo e o desconhecimento da população sobre o problema contribuem para que as barragens sejam apontadas como responsáveis.

Antes de fechar esse artigo o noticiário veiculou as ações iniciadas pelo Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado (MP/RO), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RO), Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Estado em Rondônia que ingressaram com ação civil pública contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Energia Sustentável do Brasil (usina de Jirau) e a Santo Antônio Energia (usina de Santo Antônio).

Essas instituições pedem que a Justiça Federal obrigue as hidrelétricas a atender imediatamente as necessidades básicas (moradia, alimentação, transporte, educação, saúde etc.) de parte da população atingida pela enchente do rio Madeira, enquanto durar a situação de emergência e até que haja uma decisão definitiva sobre a compensação, indenização ou realojamento. As populações atingidas deverão ser identificadas pelas defesas civis municipal, estadual e federal.

Isto é um grande equívoco porque, novamente, coloca na conta dos empreendedores hidrelétricos a situação calamitosa da população afetada pelas enchentes. Nenhum questionamento é feito, por exemplo, às instituições do estado e município; nenhuma cobrança é feita sobre a drenagem urbana inadequada ou leniência com a ocupação das margens do rio Madeira em Porto Velho.

Na ação, os órgãos também pedem que a Justiça obrigue o IBAMA a suspender imediatamente as licenças das usinas até que novos estudos sobre os impactos das barragens sejam feitos, contribuindo para a insegurança da população e dos empreendedores diretamente relacionados com as usinas e aqueles que pretendem investir em hidroeletricidade no Brasil.

O Caso do rio Iguaçu-Botas/RJ

Para não apresentarmos somente um exemplo negativo, apresentamos um caso de como um bom planejamento de drenagem e ocupação urbana pode minimizar efeitos de cheias que historicamente penalizavam populações ribeirinhas em região densamente ocupada na bacia do rio Iguaçu-Botas na Baixada Fluminense. Nesta bacia foi implantada uma barragem numa área cedida pelo Exército num convênio com o Governo do Estado do Rio de Janeiro (SERLA , posteriormente incorporada ao atual INEA). Em condições normais a área do campo de provas do Exército de Gericinó (a montante da barragem) fica seca, podendo ser utilizada. Isto porque as águas “bem comportadas” seguem a jusante da barragem na calha do rio, com uma vazão compatível com a rede de drenagem do local. Em condições excepcionais (enchentes), a vazão a jusante da barragem é limitada de forma a não provocar inundações. Como a vazão natural do rio nestes eventos é superior ao que passa pela barragem, a área a montante é inundada durante este período, com grande vantagem para as populações e sem grandes transtornos ao Exército.

As imagens a seguir mostram a área urbana que ficou protegida e o local do barramento. Essa área urbana a jusante da barragem não sofre mais com as cheias periódicas.

Conclusões

• Só é possível minimizar os efeitos de inundações com obras de controle hidráulico e intervenções orquestradas pelo poder público no plano de ocupação do solo;

• Não existem “danos ambientais” associados a barragens, pois as estruturas atenuam às cheias quando tem reservatórios, ou elas não alteram o regime do rio quando operam a fio d´água. Quanto às elevações a montante, cabe destacar que a Área de Proteção Permanente (APP) adquirida pelo empreendedor tem como um de seus objetivos justamente evitar uma ocupação desordenada em áreas no entorno dos reservatórios.

• É perfeitamente possível construir barragens com reservatórios de acumulação que permitam maior controle sobre os recursos hídricos, tanto nas cheias (caso atual do rio Madeira) como nas estiagens (caso atual do caso do rio Piracicaba, São Paulo). Como amplamente discutido neste ER a construção de barragens com esta finalidade tem, na prática, sido sistematicamente obstruída.

• Seria importante a capacitação das instituições competentes para o trato de questões relacionadas à hidreletricidade. Um melhor conhecimento técnico sobre o assunto melhoraria a qualidade das ações movidas..

• É essencial que se conscientize a população das áreas marginais a não ocupar essas regiões e implantar efetivamente as Áreas de Preservação Permanente – APPs. Há um enorme desafio de que o poder público municipal assuma de forma responsável e com embasamento técnico a tarefa espinhosa de ordenamento territorial, em especial, em áreas próximas de corpos hídricos. A experiência positiva da barragem no campo de Gericinó é alentadora; apesar das dificuldades, mostra que quando há vontade política e articulação este é um objetivo perfeitamente alcançável.

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