CARTA CAPITAL - Acusado de tortura, diretor do presídio em Rondônia foi promovido

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CARTA CAPITAL - Acusado de tortura, diretor do presídio em Rondônia foi promovido

Foto: Divulgação

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Após acumular um trágico saldo de mais de cem mortes em dez anos, fato que levou a Corte Interamericana de Direitos Humanos a impor seis resoluções contra o Brasil, o presídio Urso Branco, em Porto Velho, não registra um homicídio há cerca de um ano. Um feito que as ONGs que acompanham a situação da cadeia comemorariam efusivamente, não fosse por um detalhe: a multiplicação de denúncias de torturas praticadas por agentes penitenciários contra os internos, quase sempre arquivadas devido à falta de provas e ao silêncio de quem teme apontar seus algozes.
 
Uma dessas denúncias não deve, porém, ser arquivada tão facilmente. Um juiz realizou uma visita-surpresa ao presídio, em setembro de 2008, na tentativa de evitar uma possível rebelião, antecipada num documento apócrifo encaminhado ao magistrado. “A carta fala sobre os preparativos do motim e cita a existência de ‘irmãozinhos’ espancados num dos pavilhões”, afirma Sérgio William Domingues Teixeira, juiz da 1ª Vara de Execuções e Contravenções Penais de Rondônia.
 
Ao vistoriar o presídio, Teixeira identificou catorze presos com lesões corporais e os joelhos dilacerados na cela F6. “Os internos estavam com a pele em carne viva e disseram ter sido obrigados a passar um longo período, superior a quatro horas, dando voltas de joelhos na quadra descoberta do presídio, com o sol escaldante sobre as costas”, comenta. Diante dos indícios de tortura, depois confirmados nos exames de corpo de delito, o magistrado pediu a abertura de investigação policial.
 
O inquérito policial 065/2008 está perto de ser concluído, mas os investigadores evitam falar à imprensa. Quatro funcionários do presídio foram indiciados criminalmente por ter participado da sessão de tortura, incluindo o então diretor-geral do Urso Branco, Wildney Jorge Canto Lima, apontado como o mandante do “castigo”. Wildney foi afastado da direção da cadeia. Logo assumiria o posto de gerente-geral do Sistema Prisional, cargo de confiança da Secretaria Estadual de Justiça.
 
“É um absurdo, ele saiu da direção do Urso Branco para chefiar todos os presídios”, afirma Gustavo Dandolini, advogado da Comissão de Justiça e Paz. “Houve o entendimento de que ele só precisava ficar longe do Urso Branco”, justifica-se Gabriel Tomasete, secretário-adjunto de Justiça de Rondônia. “Mas hoje mesmo (27 de março) tivemos de afastá-lo da gerência. Surgiram indícios de que a permanência dele poderia comprometer as investigações”, disse, sem se estender em explicações.
 
Dois dias antes, o afastamento de Wildney havia sido solicitado à Justiça pelo promotor Dandy Jesus Borges. No despacho, ele relata que, um dia depois de ser indiciado, o gerente do Sistema Prisional foi ao Urso Branco e, “com incondicional apoio do diretor-geral do presídio, Wanderley Pereira Braga, e do diretor de segurança, Carlos Alberto Silva Nascimento, retirou, um a um, do interior de suas celas, os apenados (que denunciaram a tortura)”. A manobra tinha como objetivo coagir os presos a mudar a versão dos fatos, assumindo que eles se automutilaram.
 
A trajetória de violações dos direitos humanos no presídio é longa. Recentemente, a Delegacia Especializada em Crimes do Sistema Prisional apresentou um relatório à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência, apontando 73 mortes violentas no Urso Branco entre 2002 e 2009, dados obtidos em inquéritos policiais e relatórios da Secretaria de Justiça Estadual.
 
Uma chacina de 27 presos, em janeiro de 2002, levou as ONGs Justiça Global e CJP a denunciarem o caso na Organização dos Estados Americanos (OEA). Isto porque, em cumprimento de uma sentença judicial, policiais militares e agentes penitenciários do Urso Branco retiraram os presos do chamado “seguro” e os distribuíram em celas comuns. Mas, sem assegurar proteção, permitiram que os desafetos os matassem com crueldade, alguns deles decapitados.
 
A sentença atestava que, antes de promover a transferência, era necessário garantir a segurança dos presos nos pavilhões, fato que não foi observado pelas autoridades que comandaram a ação. O Ministério Público denunciou 42 presos e oito agentes públicos pela chacina. Passados sete anos do massacre, a Justiça nem sequer se manifestou sobre a aceitação dos réus no júri popular.
 
A última resolução imposta pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Estado brasileiro, em maio de 2007, cobra investigação criteriosa das mortes no presídio. O documento ainda sugeriu que o governo federal promovesse uma intervenção no sistema penitenciário de Rondônia. Diante do apelo, o procurador-geral 7da República, Antonio Fernando de Souza, pediu ao Supremo Tribunal Federal “a adoção das providências para a efetivação da intervenção federal” em outubro de 2008.
 
Pouco depois, o governador Ivo Cassol decretou estado de emergência no presídio para evitar que o STF acolhesse o pedido. O secretário-adjunto de Justiça afirmou à CartaCapital que o estado não tinha o controle efetivo do presídio Urso Branco até outubro de 2006. “Na ocasião, deflagramos a Operação Pente Fino, que confiscou as armas e culminou com a transferência de 27 lideranças para um presídio em Catanduvas, no interior do Paraná”, afirma Tomasete. “Nossa administração nunca foi omissa em relação aos problemas do presídio e todas as denúncias envolvendo funcionários públicos são investigadas.”
 
Essa operação também foi marcada por abusos. Os presos foram obrigados a passar quase uma semana no pátio descoberto do presídio apenas de cueca, sob o sol e o relento, e sem acesso aos banheiros. Centenas de detentos tiveram queimaduras de segundo e terceiro graus em virtude da exposição ao sol. Para o juiz Teixeira, a operação foi um mal necessário. “Das 60 celas do presídio, 48 estavam interligadas. Os presos tinham livre acesso. Fizemos um mutirão na cadeia e identificamos que 80 presos estavam foragidos. Ninguém havia notado as fugas até então.”
 
Tamara Melo, advogada da Justiça Global, afirma que, para evitar novas rebeliões, os funcionários do Urso Branco passaram a agredir os presos sistematicamente. “De lá para cá, recebemos dezenas de denúncias de tortura, mas é difícil punir os responsáveis. As provas são apagadas muito facilmente e os detentos temem delatar os agentes e sofrer represálias.”
 
O juiz Teixeira confirma a versão estatal de que muitas denúncias têm sinais de fraude, mas confirma ter pedido a investigação de “ao menos dez casos com fortes indícios de que agentes penitenciários realmente espancaram detentos”.
 
Outro grave problema é a superlotação. Em dezembro passado, o magistrado determinou a interdição parcial do presídio, proibindo que novos internos fossem acolhidos no Urso Branco até que o presídio tivesse uma população compatível com a real capacidade. À época, a carceragem tinha 456 vagas e 1.119 presos. Hoje, o número está em torno de 830 internos.
 
“Ocorreu um efeito adverso, a superlotação de outros presídios do estado”, lamenta Teixeira. Com capacidade para abrigar 180 detentos, o presídio Urso Panda, por exemplo, contava com 422 presos em dezembro de 2008 e hoje abriga 615.
 
Cassol abriu licitação para a construção de um presídio de 421 vagas, com recursos do PAC, e outro de 470 vagas, com recursos da União. Ambos os projetos incluem contrapartidas do governo estadual. O investimento é de 32 milhões de reais.
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