Um documentário revelador narra a ascensão e queda da diva pop, que há treze anos perdeu o direito de decidir sobre sua vida e carreira
Foto: Divulgação
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Ao despontar, em 1998, Britney Spears era um furacão de categoria 5. Aos 16 anos, lançou o clipe de …Baby One More Time, no qual dançava com roupas mínimas ao som de uma batida sensual. O álbum de mesmo nome foi um estouro, vendendo 26 milhões de cópias — ao longo da carreira, ela somou 150 milhões de discos comercializados.
Hoje, aos 39, Britney em nada lembra o começo arrasador. Um colapso mental, em 2008, a fez perder a autonomia sobre sua vida e carreira: o pai, Jamie Spears, ganhou na Justiça americana o direito de ser seu tutor, alegando que a filha era incapaz de cuidar de si.
Toda decisão sobre a cantora passou a ser dele, incluindo desde pessoas com quem tem contato até a administração da fortuna de 60 milhões de dólares. Britney perdeu, inclusive, o direito de expressão. Na última entrevista em que teve liberdade para dizer o que pensava, desabafou: “É um excesso de controle. Até quando alguém vai para a prisão, a pessoa sabe que um dia vai sair. Comigo, é indefinido”.
Essa trajetória trágica é vista por nova perspectiva no documentário Framing Britney Spears, produzido pelo jornal The New York Times e lançado nos Estados Unidos por FX e Hulu (ainda não há previsão de estreia no Brasil). O filme destrincha o dilema de Britney com a fama, ilustrando com triste perfeição um drama antigo das estrelas femininas.
A história do pop contabiliza um sem-número de “divas” que viveram montanha-russa semelhante. Artistas do sexo masculino também estão sujeitos, claro, às agruras da tal “engrenagem do showbiz”. No caso das mulheres, contudo, o drama é ampliado por um fator que até não muito tempo atrás passava despercebido: o peso do machismo. Tina Turner, raro exemplo de superação, padeceu nas mãos de um marido abusivo. Até morrer de overdose, há dez anos, Amy Winehouse penou namorando “boys-lixo” e sendo explorada pelo pai. Mariah Carey se casou com um executivo de gravadora, Tommy Mottola — e por anos foi oprimida. A saga de Britney segue o roteiro-padrão: depois do endeusamento, ela caiu do pedestal sob os olhares sádicos do público.
Há uma década, antes do advento das redes sociais, o sofrimento de beldades como Britney era um negócio rentável para os paparazzi que as seguiam sem trégua e vendiam os flagrantes para tabloides. A sequência de episódios que deu argumentos a Jamie Spears começou em 2007, quando a cantora raspou o cabelo e atacou o carro de um fotógrafo na noite em que seu ex-marido Kevin Federline a impediu de ver os dois filhos. Britney foi internada numa clínica psiquiátrica e só retomou contato com os filhos após se submeter à tutoria do pai.
O colapso não se deu do dia para a noite. Criada no estado americano de Louisiana, Britney começou aos 11 anos no infantil Mickey Mouse Club, da Disney, antes de assumir sua persona virginal e provocativa. A aura se dissipou com o fim do namoro com o cantor Justin Timberlake, que tentou encaixá-la no estereótipo da vilã que traiu o bom moço. A partir daí, a perseguição dos paparazzi se tornou mais doentia.
As fotos de Britney eram vendidas por somas absurdas — a cena dela raspando a cabeça alcançou 500 000 dólares. Passou a ser tratada como devassa e instável. Daí a perder a guarda dos filhos e o direito às próprias decisões foram poucos passos.
Treze anos se passaram e a situação da cantora pouco mudou. Britney é a primeira estrela pop sob tutela de longo prazo — a medida normalmente é destinada a idosos com demência ou adultos com danos cerebrais. Nada indica que seja incapaz. De lá para cá, lançou quatro discos, fez turnês e foi jurada de TV. O arranjo, porém, é rentável para o pai — que, aos 68 anos, ganha anualmente 180 000 dólares pela função, além de embolsar lucros de shows. Enquanto isso, ela recebe uma mesada de 1 500 dólares semanais. Em 2020, quando a Justiça negou o pedido para que Jamie deixasse de ser tutor, Britney avisou que não iria trabalhar até ter a autonomia de volta.
Framing Britney Spears chega num momento em que há maior entendimento de que saúde mental e vícios não são piada. O trato com a nova geração de cantoras mudou: Demi Lovato fala abertamente sobre o problema com drogas, e Selena Gomez revelou a luta contra o transtorno bipolar. A situação de Britney provocou um mea-culpa geral: Timberlake pediu perdão pelo modo como tratou a cantora, assim como humoristas, revistas e jornais. Fãs que há anos endossam o movimento #FreeBritney (Liberdade para Britney) perderam o status de malucos com seus cartazes, para ser promovidos a “ativistas”.
Neste mês, uma juíza manteve um acordo feito no ano passado em que se decidiu que Jamie Spears dividiria a tutela dos bens da filha com um fundo de gestão de patrimônios. Novas audiências estão marcadas para março e abril. Que um final feliz possa surgir no horizonte da “princesa do pop”.
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