As lições de resiliência, serenidade, sabedoria e coragem do compositor, cantor e escritor nos enchem, sobretudo, de esperança
Foto: Divulgação
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Em tempos obscuros e envoltos em retrocessos, as doses curativas de Caetano Veloso se fazem necessárias. Mais do que isso. As lições de resiliência, serenidade, sabedoria e coragem do compositor, cantor e escritor nos enchem, sobretudo, de esperança.
Escrevo isso ainda sob o impacto de Narciso em férias, filme dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, no qual o artista conta sobre os 54 dias em que ficou preso -- sete deles em uma solitária --, de 27 de dezembro de 1968 até a quarta-feira de cinzas do ano seguinte.
São 83 minutos em um único cenário: Caetano sentado diante de uma parede cinza e relatando como foi aquele período de incertezas.
"Comecei a achar que a vida era aquilo ali. Só aquilo. E que a lembrança do apartamento, dos shows, da vida lá fora era uma espécie de sonho que eu tinha tido", relembra.
Em alguns momentos, ele saca o violão e entoa umas poucas canções que trazem lembranças da época. Descrevendo assim, a obra pode até parecer monótona e parada, mas prende e emociona o espectador de tal forma que mal dá para sentir o tempo passar -- mérito, claro, do carisma do protagonista.
Orador nato, as palavras saem com facilidade, mesmo nos trechos mais difíceis, em que a voz embarga e os olhos lacrimejam. Mas sem vitimismo.
Os depoimentos foram gravados há dois anos e, a princípio, deveriam fazer parte de um documentário sobre o período da ditadura militar.
O material, porém, ficou tão completo que os diretores perceberam que, ali, tinham um filme pronto. "Quando a gente é preso, é preso para sempre", diz em um certo momento, parafraseando o amigo Rogério Duarte.
E as marcas da prisão estão lá. Em entrevista recente a Pedro Bial, Caetano revelou que não consegue mais cantar algumas canções que o fazem lembrar dos dias de cárcere.
Na noite anterior à detenção, tinha ouvido ao lado da então companheira, Dedé, e de amigos, clássicos como Assum preto, de Luiz Gonzaga; Súplica, de Orlando Silva; e Onde o céu azul é mais azul, de Francisco Alves.
Supersticioso, porém, tem boas recordações de Hey Jude, dos Beatles. Sempre que a ouvia no rádio dos soldados era prenúncio de algo bom iria acontecer, acredita.
Só há poucos anos, o cantor teve acesso aos depoimentos que prestou na época. Descobriu que era descrito pelos militares como "cantor de música de protesto de cunho subversivo e desvirilizante".
Aos risos, confirma: "sou essa pessoa". Mas se indigna quando lê a outra descrição: uma pessoa que faz ataque ao regime (militar) e exalta os sistemas socialistas. "Eu nunca exaltei (os sistemas socialistas) nem quando tinha 15, nem 17, nem 23, nem 34."
A grandiosidade do cantor, porém, revela-se, mais uma vez, durante a entrevista com Bial, em que admite o flerte atual com teorias socialistas, mesmo sendo um liberal inveterado, e que "um rapaz de 78 anos" pode, sim, mudar. De fato, o Brasil precisa da grandiosidade de Caetano.
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