A pressão sobre o governo brasileiro neste assunto tem crescido nos últimos dias.
Na semana passada, um grupo de 29 fundos de investimentos enviou uma carta a sete embaixadas brasileiras em países europeus, no Japão e nos Estados Unidos. Eles pediam encontros com representantes do governo brasileiro para discutir o aumento da devastação na floresta.
Juntos, estes fundos somam US$ 4,1 trilhões — mais de duas vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no ano passado (US$ 1,8 trilhão).
Na estação seca do ano passado, o Brasil ganhou as manchetes do mundo por conta do aumento da destruição da floresta. Depois de dados do Inpe mostrarem o aumento da devastação, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) demitiu o físico Ricardo Galvão, que dirigia o órgão de pesquisa, aumentando a repercussão do assunto.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a situação deste ano pode ser ainda pior que a de 2019. Ter um planejamento claro para enfrentar a temporada seca na Amazônia é fundamental para evitar uma devastação ainda maior, dizem eles.
O climatologista Carlos Nobre explica que o desmatamento na Amazônia oscila dependendo da região: em lugares acima da linha do Equador, como Colômbia, Venezuela e no Estado brasileiro de Roraima, a derrubada tende a acontecer nos meses de dezembro a março — a época seca do hemisfério norte.
"Mas, quando você está ao sul (da linha do Equador), onde está a maior parte da Amazônia brasileira, o desmatamento ocorre mais durante a estação seca daqui. Que é agora: julho, agosto, setembro, e vai até o começo de outubro", diz ele, que é doutor em meteorologia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e já integrou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Na Amazônia brasileira, diz Nobre, maioria das queimadas costuma acontecer nos meses de agosto e setembro.
"A dinâmica principal é sempre assim: corta-se a floresta antes do período seco; espera a floresta secar durante uns dois meses, às vezes até três (...). Porque, se você tentar botar fogo no dia seguinte ao que queimou a floresta, está tudo tão úmido que não pega fogo. E aí abre-se o espaço para, na hora que começa a estação chuvosa, plantar grama e fazer a pastagem. E, no começo do ano seguinte, começa a trazer o gado", diz ele à BBC News Brasil.
Segundo Nobre, a derrubada de árvores também se intensifica em meados do ano — e também é quando o Ibama e os órgãos estaduais de meio ambiente deveriam ir a campo realizar ações contra os desmatadores.
"O que me preocupa muito é que o Exército chegou lá na primeira semana de maio, com milhares de homens, e não estamos vendo até agora, até os últimos dados, o sucesso dessas operações anti-desmatamento. O desmatamento de maio (de 2020) foi maior que o de maio de 2019; e o de junho (de 2020) será maior que o de junho de 2019, ao se confirmar a tendência. Então, não há como perceber efetividade, pelo menos até agora", diz o cientista.
Paulo Moutinho é doutor em Ecologia e pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Segundo ele, este ano pode ser "desastroso" do ponto de vista das queimadas, se a União e os governos locais não agirem de forma coordenada e com inteligência.
"Nós tivemos, no ano passado, um aumento bastante expressivo do desmatamento. E a ida do Exército (para a região amazônica) em agosto do ano passado acabou tendo um efeito positivo de reduzir o número de queimadas (...). Houve um arrefecimento, mas não uma correspondente redução do desmatamento, que continuou subindo. Então, o que temos agora é uma área que ano passado foi derrubada, e que por uma ação do Exército e do Ibama não foi queimada, e que pode queimar este ano", explica ele.
"Então esse cenário, se confirmado, é muito pior do que no ano passado", diz Moutinho. A quantidade de floresta pronta para queimar este ano pode chegar ao dobro do ano passado, diz ele.
"Nós calculamos em 4,5 mil quilômetros quadrados de floresta derrubada e não queimada. Se a gente soma com o que foi derrubado até agora (este ano), com mês a mês batendo recorde, podemos chegar ao fim do ano com no mínimo 9 mil quilômetros quadrados de floresta derrubada e pronta para queimar. E isso num ano (2020) bem mais seco que o ano passado", diz o pesquisador.
O que pode ser feito? E o que já funcionou no passado?
Segundo os especialistas consultados pela BBC News Brasil, é fundamental que exista um planejamento para enfrentar o desmatamento nos próximos meses.
A médio prazo, o país também poderia recuperar aspectos de planos anteriores como o PPCDAm, que foram efetivos em diminuir o desmatamento.
"No curtíssimo prazo, é apresentar um plano estruturado para coibir o desmatamento e as queimadas nos próximos quatro, cinco meses. Esse plano, que até agora não veio à tona, nem pelo Conselho da Amazônia e nem pelos Estados, ele é crucial. Um plano desses tem que mostrar onde tem maior risco de queimada; qual o tamanho das áreas; e calcular o tamanho das equipes que vão atuar", diz Paulo Moutinho, do Ipam.
"Sem essa ação planejada e estratégica, não adianta mandar as tropas para a fronteira ou para áreas remotas onde você não tem um risco de incêndio, ou de desmatamento ilegal", diz Moutinho.
Moutinho diz ainda que, no longo prazo, é preciso um planejamento para desenvolver a região sem a necessidade de desmatar. O pesquisador do Ipam diz que há precedentes — como o período de 2005 a 2012 — nos quais a produção agrícola e pecuária da Amazônia cresceu enquanto o desmatamento caía.
"Sem isso, vai ser muito difícil. A gente vai ficar assistindo a isso todo ano, nesta época. Uma quantidade enorme de fogo, e o governo tratando disso de forma emergencial", diz ele.
O período de 2005 a 2012 foi justamente o auge da aplicação do PPCDAm.
"Essa foi uma experiência (o PPCDAm) exitosa e reconhecida internacionalmente. Ela tinha vários pilares, mas o que o tornou único foi o nível de articulação entre os diferentes setores. Não só do governo, mas também do setor privado e da sociedade civil organizada. Todos os setores dialogavam muito nesta época, que não é algo que estamos vendo acontecer agora", diz o geólogo Carlos Souza Jr., pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e doutor em Geografia pela Universidade da Califórnia de Santa Barbara.
"A outra coisa era a transparência. Você tinha metas e, depois da implementação do plano, tinha prestação de contas. E esse processo era muito transparente e aberto à sociedade, o que permitia ajustes", conta ele.
"O Brasil chegou a 2012 com um nível de desmatamento muito baixo, em relação a 2004. Foi uma queda expressiva, mas fruto de muito esforço. Um esforço continuado", diz Carlos Souza Jr.
A especialidade de Carlos é a área de sensoriamento remoto — isto é, o uso de imagens de satélite para "vigiar" a floresta. Segundo ele, hoje, o monitoramento por satélites é usado apenas para constatar o desmatamento depois que acontece. Ao passo que antes, a ferramenta era usada para guiar as fiscalizações. Este uso dos satélites era a terceira "perna" do PPCDAm.
"Hoje, a Amazônia tem os sistemas de monitoramento operacionais só reportando os aumentos (do desmatamento). Então, o monitoramento está aí só para constatar que está havendo aumento. Ao passo que, no passado, essa ferramenta foi usada de forma estratégica para concentrar nas áreas críticas, onde tinha foco de devastação", diz ele.
O especialista conta ainda que o PPCDAm envolvia uma lista de "municípios críticos" em desmatamento — quem caía nessa lista tinha dificuldades no acesso ao crédito rural e a investimentos privados. Para deixar a lista, era preciso tomar medidas para controlar a destruição da floresta.
"Vários municípios se engajaram no plano de controle do desmatamento para sair dessa lista. A saída não acontecia por negociação política. E sim pela efetividade no controle (da destruição)", diz Carlos Souza Jr.
"O Brasil foi pouco ambicioso. Quando chegamos no patamar de cinco mil quilômetros quadrados (desmatados ao ano), em 2012, começou-se a festejar, a entrar na zona de conforto. Quando justamente ali a gente deveria ter sido mais ambicioso e colocado uma meta de desmatamento zero", diz ele à BBC News Brasil.