Não se trata de ladainha, mas temos a lamentar, uma vez mais, a ocorrência do ridículo, da insensatez e da omissão desta terra em relação àqueles que lhe prestam e emprestam a boa vontade na busca incessante do seu resgate histórico e cultural.
A AMMA entende que a postura correta, legítima e aceitável do honrado jornalista, historiador, pesquisador e cônsul americano, sr. Gary Neeleman, abre para Rondônia as portas para o mundo. Ao participar da recente Conferência Internacional Meio Ambiente e Patrimônio Histórico Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, ele contribuiu para que pessoas até então descrentes passassem a compreender o verdadeiro sentido de buscarmos as raízes desta cidade.
Extrapolam as regras do bom senso, o fato de autoridades culturais rondonienses, mais alguns setores do Poder Judiciário, do Ministério Público Estadual e do Ministério Público Federal, pouco ou nada terem feito para preservar o patrimônio histórico desta capital, inescrupulosamente dilapidado ao longo dos anos.
A AMMA classifica de demagogia e desespero de causa o zelo disfarçado do IPHAN, quando verbera: “(...) faremos ações enérgicas com apoio da Polícia Federal e do Ministério Público, para a devolução do patrimônio que é do povo”.
Em vez de se pautar pelo diálogo que rege a vida democrática, a Superintendência do IPHAN agiu rasteiramente, protagonizando um ato que exalou a nojeira, por dispensar os mínimos escrúpulos com tão nobre visitante e colaborador.
Ademais, registre-se que escritores, jornalistas, historiadores e pesquisadores brasileiros se valem de bibliotecas americanas para desvendar detalhes do Golpe de 1964 e outras facetas da história brasileira. Nem por isso, temos que nos curvar aos EEUU, como se fossem “proprietários de acervos”.
É louvável a missão de proteger os interesses difusos proclamada pelo Ministério Público desde o seu nascimento, pela Constituição de 1988. Contudo, suas ações teriam sido mais apropriadas e eficazes por ocasião de cada furto ou roubo perpetrados contra o museu e os galpões da estrada de ferro. Deles, sorrateiramente, retiraram de armários e cristaleiras, desde a caneta de um presidente da República a peças metálicas, documentos e até mesmo um vagão inteiro. Este, inexplicavelmente, sem nenhum encanto, foi parar em Brasília e lá ainda se encontra.
Por que o IPHAN se recusa a trazer de volta o vagão, não vasculha o sumiço de peças valiosas e não resgata acervos fotográficos sabidamente conhecidos e que por longos anos estiveram em nossas mãos.
Por quê?
Infelizmente, esse mesmo IPHAN autoriza mais destruições do patrimônio histórico ao lado do qual deveria dormir guarnecido por seu “grupo de inteligência” e pelos diligentes agentes da Polícia Federal e zelosos promotores de Justiça — pelo menos os mais dedicados a essa causa.
O derradeiro crime foi o instituto permitir a destruição do Plano Inclinado (Serraria das 11h) construído entre 1907 e 1912, no século passado. Era um dos mais importantes pontos da Madeira-Mamoré. Foi utilizado como ponto comercial de uma sorveteria porto-velhense, embora sua característica tenha ficado intacta. Fique claro que a transformação do prédio numa grande lixeira se deu na atual administração do IPHAN em Rondônia.
Ao mesmo tempo em que ofereceu a Rondônia a sua contribuição muitíssimo qualificada, o jornalista Neeleman, que também é escritor, pesquisador e autoridade consular americana, logo despertou ciúmes. Isso denota um comportamento doentio, em se tratando de uma cidade que já perdera para São Paulo o próprio acervo do fotógrafo Dana Merril, considerado um dos mais nobres registros da construção da ferrovia de saudosa memória.
Diante de uma pessoa serena, correta e disposta a fortalecer esse resgate, desde quando iniciou suas pesquisas nos Estados Unidos e também a partir do momento em que aqui pisou pela primeira vez, com o que nos deparamos? — Com malévolas tentativas de sabotagem do evento abrilhantado por uma pessoa que se dispôs a vir por conta própria do seu país, a fim de compartilhar conosco o seu formidável acervo inédito.
Lamentavelmente, aqueles que fazem exibicionismo, querendo tomar-lhe o referido patrimônio documental e fotográfico, não reuniram semelhante esforço por ocasião da perda do acervo de Dana Merril. Onde estavam eles no palco daquela liquidação de negativos e fotos, que poderia ter sido evitada por, pelo menos, três governadores?
Se agora eles tardiamente se mobilizaram, parecem fazê-lo sob o ritmo da sucessão nos escalões do poder federal e estadual. Ou seja, ostentam cérebros avariados pela inveja, orgulho e ciúme, esse péssimo triunvirato que campeia em Porto Velho.
Graças ao Sr. Neeleman, tivemos a oportunidade de conhecer raridades de imagens da nossa história. Surpreendeu-nos, ao nos apresentar o até então desconhecido acervo fotográfico pertencente à família de Albert Hendersone o lançamento mundial do filme "O Rio Madeira Antes das barragens", de autores americanos.
A Conferência repercutiu, embora quisessem abafá-la, com ressentimento à flor da pele. Não conseguiram.
É preciso avaliar e dar um basta a gana dos interesses politiqueiros imediatistas de pessoas que exploram imagens históricas de Rondônia para vender livros e fazer cinema. Parte dessa classe até infiltrou-se no auditório da Conferência, se intitulando “grupo de inteligência do IPHAN”. Vinculado ao Ministério da Cultura deste País, esse órgão dispensaria tal adjetivação.
Devemos desculpas ao sr. Neeleman, vitimado por uma intimação arbitrária para devolver documentação que, em momento algum, quis guardá-la apenas para si, senão, compartilhá-la com estudiosos, pesquisadores e com o povo de Rondônia.
Não há como justificar a destruição de parte do Cemitério da Candelária, onde o vandalismo oficializado usou tratores para remover ossadas humanas da pior forma possível, e aterrou igarapés da redondezas. Para o “grupo de inteligência” do IPHAN, o sítio histórico é Cujubim. Incendiaram a mata nativa para dar lugar a um conjunto de casas.
Esse instituto permaneceu estático frente aos trilhos arrancados pelas obras da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, em área tombada pela União. Boquiaberto deve ter ficado ainda, porém, por conveniência preferiu o silêncio, quando derrubaram torres de trilhos do pátio ferroviário.
E o alargamento da Avenida Farquhar para dentro do pátio ferroviário? Nesse injustificado desprezo com o patrimônio, também arrancaram árvores centenárias da área do entorno na Vila Ferroviária e na Candelária. Fizeram calçamento com bloquetes e madeira sobre parte do pátio ferroviário.
O vandalismo oficializado permitiu ainda construções de quiosques que impedem a visibilidade do ambiente do sítio histórico tombado, a Ferroviária.
O IPHAN autorizou a construção de um prédio com 15 andares, ao lado das três caixas d’água tombadas pela Constituição do Estado de Rondônia). Já o museu começou a ser destruído em 2007, para dar lugar a restaurantes.
Como explicar esses injustificáveis crimes de lesa-pátria? Sim, porque todos eles desrespeitam frontalmente o Decreto Lei 25/37 e as Portarias 231/07 e 187/2010. Tudo foi denunciado aos MP e ao MPF e à 4ª Câmara. Sucedeu-se a inércia.
São tantas atrocidades a lamentar e vem agora a agressão ao pesquisador americano que dispensa favores, tampouco cobra um centavo para oferecer seus préstimos na obra de resgate daquele que ainda nos resta da Madeira-Mamoré. Muito triste.
Associação de Preservação do Patrimônio Histórico do Estado de Rondônia e Amigos da Madeira-Mamoré (AMMA)
Porto Velho, 25 de junho de 2010.