Na última semana, mais um fato deu a dimensão do flagelo que o Brasil, em especial Rondônia, está passando com a pandemia do novo coronavírus. A Prefeitura de Porto Velho contratou junto ao cemitério particular Recanto da Paz, 1800 gavetas para enterrar as vítimas de covid-19, da capital.
Essa decisão da prefeitura da capital reflete a caótica situação em que se encontra os moradores da cidade, em meio a uma pandemia que não dá trégua e, diariamente, tem levado vidas de pais, irmãos, tios, primos, sobrinhos e amigos.
Segundo dados da própria Prefeitura de Porto Velho, o único cemitério público da cidade, o Santo Antônio, ou Tonhão, como é apelidado pela população, já atingiu seu limite devido as mortes causadas pela covid-19. Desde o início da pandemia, em março do ano passado até fevereiro de 2021, foram 946 sepultamentos de moradores da cidade, vitimados pela doença.
A Prefeitura de Porto Velho adquiriu 1800 gavetas em um cemitério particular para enterrar as vítimas de covid-19
Os números são assustadores, mas por trás deles, existem pessoas que perderem os entes queridos e lutam para superar a dor e se manterem saudáveis física e mentalmente, em meio a hospitais lotados e falta de vacinas. Aliás, essa última, parece ser a única solução para esse flagelo que se abateu sobre o Brasil.
Mas essa última semana, a Prefeitura de Porto Velho anunciou a compra de 400 mil doses de vacina para imunizar a população da capital. A notícia é um alento para os moradores da cidade que, apesar de uma minoria que teima em negar a pandemia, estão assombrados com a violência do vírus no dia a dia de todos.
No entanto, segundo a Secretaria Estadual de Saúde (Sesau), para 3.333 rondonienses que perderam a luta para covid-19, a vacina chegou tarde. Só em Porto Velho, 1.496 vidas foram ceifadas pelo coronavírus, desde o início da pandemia no Brasil, em meados de março de 2020.
Esses números chocam qualquer ser humano com um mínimo de sensibilidade, mas eles não expressam a extensão da dor que cada morto pela doença deixa para sempre na memória de familiares e amigos.
DEPRESSÃO
Uma dessas pessoas que perdeu ente queridos e luta com as marcas que a covid-19 deixou é a ambientalista Ivaneide Cardoso, mais conhecida como Neidinha da Kanindé. Em setembro do ano passado, ela perdeu a mãe, Moemia Bandeira Cardozo, aos 79 anos, devido às complicações causadas pela covid-19, após dez dias internada lutando contra a doença.
Ela conta que sente muito a falta da mãe e tenta enfrentar, se possível, da melhor maneira esse período de luto. “Sinto muita tristeza e tento pensar que ela está bem para onde fez a passagem. Durante o período em que ela ficou doente, me senti totalmente inútil, impotente, como se tivesse perdido o chão”, contou.
Neidinha perdeu além da mãe, outros familiares para a covid-19
Os impactos da covid-19 na vida de que perdeu familiares e amigos; de quem teve a doença ou de quem está na linha de frente do enfrentamento é algo que ainda vai levar tempo para a ciência entender e explicar.
Enquanto isso não ocorre, as pessoas tentam lidar com a dor de perder pessoas queridas e aprender com o sofrimento.
“O impacto é devastador. Perdi mãe, tio, cunhado, e vários amigos e amigas. Isso tudo me causou uma depressão que venho tentando vencer. Uma lição que aprendi, foi a de que precisamos uns dos outros. Portanto, a maior declaração de amor é fazer o distanciamento, usar máscaras e ajudar aqueles mais necessitados. Mesmos os que não tem necessidades materiais, precisam de apoio psicológico e de uma palavra amiga. Um gesto. Devemos apoiá-los em suas dores. Outra lição foi ver que muitos brasileiros realmente são solidários na dor do outro, embora haja os que fazem aglomeração e não tem empatia”, declarou.
SEMPRE SORRIDENTE
A covid-19 também levou o luto para a família de Olímpio Ferreira da Silva no final do ano passado, quando perdeu o irmão dele, Walmir Ferreira da Silva, que era economista do Idaron, em Porto Velho. Hoje a saudade é o que restou da relação entre os dois irmãos, que eram muito unidos.
Walmir era economista do Idaron e muito querido entre familiares e amigos
“O Walmir era uma pessoa que sempre estava disposta a ajudar o próximo e a família. Sempre sorridente. Esse vírus veio para modificar o mundo e destruir muitas famílias. Teve famílias inteira falecidas. Nós temos que ser mais humano um com outro”, declarou.
Olímpio buscou na fé, uma forma de lidar com a perda do irmão, mas lembra que muitas pessoas ainda não estão adotando com seriedade as medidas de prevenção da doença. Essa atitude acaba por facilitar a propagação do coronavírus em nosso estado.
“No início, estavam tomando cuidado. Mas agora têm muitas pessoas que não estão nem aí. Vejo pessoas em lugares juntas e sem máscara. Meu conselho para quem está passando por isso, é que deve se apegar a Deus porque um dia isso vai passar. Pouco a pouco se supera a dor da perda de uma pessoa querida e a vida vai voltar à normalidade”, acredita.
LUTO
O luto é um momento de tristeza, lembranças e de fortalecimento. Para o psicólogo Aluizio Vidal, enfrentar o luto pode ser um momento de renascimento pessoal, interior para quem passa por essa experiência.
“O luto é uma preparação psicológica para que a pessoa trabalhe com a sua perda. E a tomada de consciência de que aquela pessoa não estará mais presente em seu cotidiano. O luto é fundamental para que a pessoa consiga retomar sua vida normal. Portanto não deve ser negado, nem cultuado, e sim, vivenciado”, disse.
Para o psicólogo Aluizio Vidal, é uma preparação psicológica para que a pessoa trabalhe com a sua perda. Foto: Cássio Miranda
Ele explica também que como tudo na vida o luto é composto por fases, que são: negação, raiva, barganha, depressão e assimilação. Cada um desses momentos vai depender da condição psicológica de cada um, em relação a duração. Vidal observa que a fé tem papel importante na vivência do luto.
“Algumas pessoas trabalham melhor essa perda. Outras pessoas, na intenção de manter presente a lembrança de quem morreu, acabam por dificultar ainda mais a assimilação. A religiosidade que cada pessoa tem pode prover lhe uma explicação metafísica sobre a morte, o que pode ser muito útil para que se encare essa perda. Mas mesmo assim, é fundamental que cada um assuma a dor, a perda, a saudade e a necessidade de retomar sua vida como a missão que lhe restou. Olhar pra frente e continuar a vida, é fundamental para que o processo seja retomado”, finalizou.