O presidente da Bolívia, Evo Morales, enviou uma mensagem à oposição, dizendo que o referendo deste domingo, que deverá ratificar ou não a nova Constituição do país, "é nacional e deve ser respeitado".
Esta foi uma resposta a novas declarações de integrantes da oposição em Santa Cruz, de que se o "não" à nova Carta vencer em alguns Departamentos (Estados) não será respeitado nestes locais.
Morales acrescentou: "Foi graças ao otimismo que cheguei à Presidência e é graças ao otimismo que chegamos a este dia histórico. Essa é a primeira vez que os bolivianos decidem se querem ou não uma Constituição. Estão decidindo sobre o futuro do país".
Morales votou numa escola na Villa 14 de Setembro, na região do Chapare, no Estado de Cochabamba, no centro da Bolívia. Naquele mesmo momento, o prefeito (governador) do Estado de Santa Cruz, Ruben Costas, votava em Santa Cruz de la Sierra, reduto da oposição. Ele pediu "conciência ao povo" neste domingo.
Oposição
Pouco antes, o presidente do chamado Comitê Cívico Santa Cruz, Branco Marinkovic, outro representante da oposição a Morales, disse, numa entrevista à imprensa, que "vencerá o não" à nova Constituição.
Costas e Marinkovic disseram, nas últimas horas, que não pretendem respeitar a nova Carta, caso o "sim" vença na contagem nacional, mas não seja o resultado em Santa Cruz.
Além de Santa Cruz, outros quatro dos nove estados são governados pela oposição – Beni, Pando, Tarija e Chuquisaca.
As declarações de Costas e Marinkovic levaram o vice-presidente do país, Álvaro García Linera, a dizer, neste domingo, durante café da manhã com a imprensa, em La Paz: "Não aceitaremos nenhum tipo de chantagem de líderes que são locais e não nacionais. A lei que definiu a eleição de hoje é clara, a votação e, portanto, o resultado, são nacionais".
Apesar da nova rodada de troca de farpas entre governo e oposição, o clima é tranqüilo em todo o país. Os eleitores chegaram cedo às urnas, onde vão votar pelo "sim" ou "não" à nova Constituição, e também sobre o tamanho máximo a ser permitido a novas fazendas, se de 5 mil ou 10 mil hectares.
A questão da terra, assim como de gás e petróleo, levou a uma série de disputas e mortes neste país com 184 anos de vida republicana.
No entanto, o clima calmo deste domingo não lembra em nada a tensão e violência vividas na Bolívia nos últimos anos.
A votação termina às 17h00 (hora local, às 19h00 em Brasília) e a previsão, segundo o presidente Morales, é de que o resultado final seja divulgado até às 22h00 (hora local).
Entenda os pontos polêmicos da nova Constituição da Bolívia
Segundo o presidente Evo Morales, a nova Carta Magna vai representar a “refundação” da Bolívia, mas a oposição alega que o texto tem passagens vagas sobre a posse de terras e pode dividir a sociedade boliviana ao estabelecer novos direitos para os povos indígenas.
Cerca de 4 milhões de eleitores devem ir às urnas para escolher entre o “sim”, defendido pelo governo Morales, e o “não”, apoiado pela oposição.
A BBC Brasil destacou alguns dos pontos mais polêmicos do projeto constitucional que será votado neste domingo.
Questão indígena
Mais de 80 dos 411 artigos da nova Constituição proposta pelo governo tratam da questão indígena no país.
Pelo texto, os 36 “povos originários” (aqueles que viviam na Bolívia antes da chegada dos europeus), passam a ter participação ampla efetiva em todos os níveis do poder estatal e na economia.
Se a nova Carta for aprovada, a Bolívia passará a ter uma cota para parlamentares oriundos de povos indígenas, que também passarão a ter propriedade exclusiva sobre os recursos florestais e direitos sobre a terra e os recursos hídricos de suas comunidades.
Em um de seus pontos mais polêmicos, o texto também estabelece a equivalência entre a justiça tradicional indígena e a justiça ordinária do país.
Cada comunidade indígena teria seu próprio "tribunal", com juízes eleitos entre os moradores. As decisões destes tribunais não poderiam ser revisadas pela Justiça comum.
Ao mesmo tempo, em épocas eleitorais, os representantes dos povos indígenas poderiam ser eleitos a partir das normas eleitorais de suas comunidades.
Também seria criado um Tribunal Constitucional plurinacional, que teria membros eleitos pelo sistema ordinário e pelo sistema indígena.
Membros da oposição argumentam que os direitos estabelecidos para os povos indígenas dividiriam o país ao criar duas classes distintas de cidadãos.
Terra
A questão da divisão agrária é outro ponto polêmico do texto que será votado.
Além de votarem no "sim" ou no "não" à nova Constituição, os eleitores ainda terão que decidir se querem que as propriedades rurais no país tenham limite de 5 mil hectares ou 10 mil hectares.
Assim, aqueles que, no futuro, adquirirem uma quantidade de terra maior que a aprovada, poderão perdê-la.
Depois de negociações com setores da oposição, o governo decidiu que, no entanto, a medida não será retroativa, ou seja, não afetará os atuais proprietários.
Mas há outro ponto que preocupa os fazendeiros bolivianos. O novo texto estabelece que a terra tenha uma “função social”, termo considerado vago pelos oposicionistas.
Alguns acreditam que o termo vago pode permitir que o governo confisque terras quando bem entender.
Reeleição
O projeto ainda estabelece a possibilidade de o presidente concorrer a dois mandatos consecutivos, o que é proibido pela atual Constituição.
Assim, a aprovação do texto no referendo abrirá caminho para que Morales convoque novas eleições e concorra novamente ao cargo de presidente.
O texto também prevê a instituição do segundo turno em eleições. Atualmente, quando nenhum dos candidatos consegue atingir mais da metade dos votos, é o Congresso quem decide quem será o novo presidente entre os dois mais votados.
Também se estabelece a possibilidade da convocação de referendos revogatórios de mandatos.
Divisão territorial
O texto constitucional que passará pelo referendo também muda o mapa político da Bolívia.
Embora a atual Constituição do país já estabeleça níveis de descentralização política, o novo texto prevê a divisão em quatro níveis de autonomia: o departamental (equivalente aos Estados brasileiros), o regional, o municipal e o indígena.
Pelo projeto, cada uma dessas regiões autônomas poderia promover eleições diretas de seus governantes e administrar seus recursos econômicos.
A oposição alega que isto dividiria o país em 36 territórios e diminuiria as autonomias dos Departamentos (Estados).
No ano passado, quando o país esteve à beira de uma guerra civil, os principais líderes da oposição a Morales eram os prefeitos (governadores) dos Departamentos de Santa Cruz, Tarija, Chuquisaca, Beni e Pando, a regiões mais ricas do país e que poderiam ter seu poder diminuído.
Recursos naturais
Pelo projeto constitucional, os recursos naturais passam a ser "propriedade" dos bolivianos e não mais do Estado, como diz a Constituição atual.
Segundo o artigo 349 do projeto, “caberá ao Estado administrar (os recursos naturais) em função do interesse público”.
O texto também estabelece que recursos como o gás não podem ser privatizados e que recursos energéticos só podem ser explorados pelo Estado.
Recursos hídricos também não poderão ser privatizados e está inclusive proibida a sua exploração por meio de concessão.
Coca
O cultivo da coca, vegetal típico da Bolívia e que pode ser usado para a produção de cocaína, recebe proteção especial no novo projeto constitucional.
O texto diz “que o Estado protege a coca originária e ancestral como patrimônio cultural, recurso natural renovável e fator de coesão social”.
O projeto também estabelece que a produção, comercialização e industrialização da folha de coca serão regidas por lei.
Política externa
A Bolívia perdeu sua única saída para o mar após a chamada Guerra do Pacífico (1879-84), quando, ao lado do Peru, lutou contra o Chile.
O novo projeto constitucional, no entanto, estabelece “o direito irrenunciável e imprescritível sobre o território de acesso ao Oceano Pacífico”, o que pode causar desavenças com o país vizinho.
Além disso, o texto estabelece que tratados internacionais sobre temas sensíveis sejam submetidos a referendo e proíbe a instalação de bases militares estrangeiras em seu território.
Religião
O projeto constitucional do governo Morales estabelece que o Estado seja laico e destitui o catolicismo da condição de religião oficial da Bolívia.
Mas outros artigos também preocupam a Igreja e os católicos do país.
A proposta de Constituição estabelece o “direito à vida”, mas sem especificar se ele tem início desde o momento da concepção, o que, para os católicos, pode abrir uma porta para a aprovação do aborto no país.
O texto também fala em “direitos sexuais e reprodutivos”, mas sem especificar a que se referem.
Isto, junto com uma definição ambígua de “família”, pode, segundo os católicos, abrir caminho para o casamento entre homossexuais.