DA PROFANAÇÃO À GLÓRIA: Símbolo histórico do Alto Rio Madeira, a capela foi inaugurada em 1913

DA PROFANAÇÃO À GLÓRIA: Símbolo histórico do Alto Rio Madeira, a capela foi inaugurada em 1913

Foto: ARQUIVO PESSOAL

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A Capela de Santo Antônio de Pádua, conhecida simplesmente como “Igrejinha”, surgiu como o único templo da cidade de Santo Antônio do Rio Madeira, no extremo norte do Mato Grosso. Essa cidade foi extinta e sua área anexada a Porto Velho em 1945.

 

Embora a população e as casas da antiga cidade tenham desaparecido, alguns vestígios permanecem. Entre eles estão:

- Uma torre simbólica, afixada pelas autoridades em 1922, em homenagem ao primeiro centenário da Independência do Brasil.

- Um casarão elegante, repaginado e reconstruído, conhecido como “dos ingleses”.

- O cemitério de Santo Antônio.

- Os trilhos da estrada de ferro, espalhados pelos arredores do casarão e escondidos pela mata, sob a ponte que leva ao largo da Igrejinha.

 

Hoje, a Igrejinha é um atrativo turístico, um memorial e um ícone regional ligado à identidade de Rondônia. Originalmente, fazia parte da Diocese de São Luiz de Cáceres (MT), cuja sede ficava a mais de 1200 quilômetros, com acesso dificílimo que levava até um mês.

 

Torre simbólica de 1922 sobre a pedra, na velha cidade de Santo Antônio. Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

 

Na prática, durante muito tempo, a capela foi cuidada pelo vigário da vizinha Humaitá (AM). O padre Raymundo de Oliveira, vindo dessa cidade amazonense, celebrou a primeira missa na capela em 21 de setembro de 1913. Na prática, Santo Antônio fazia parte da Prelazia de Humaitá, que, por sua vez, estava subordinada à Diocese de Manaus.

 

O inventário da capela, feito durante sua inauguração, revela um patrimônio humilde, incluindo imagens do padroeiro, São Pedro, Nossa Senhora de Nazareth e São José, além de paramentos, altar de madeira, figuras emolduradas e outros elementos típicos. A população aguardava ansiosamente os folguedos dedicados a Santo Antônio, incluindo procissões, quermesses, piqueniques e música ao vivo.

 

Estado tombou a Igrejinha como patrimônio histórico, em 1986. Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

 

Em 1918, o padre Raymundo Oliveira [terceiro prefeito de Porto Velho] celebrou a trezena, uma série de encontros para orações que duravam 13 dias. O jornal Alto Madeira noticiou os cânticos harmoniosos apresentados pelas senhoras e senhoritas durante as festividades, culminando com uma procissão do andor do santo português pelas ruas e um leilão de prendas no dia 13.

 

A importância e influência dos folguedos religiosos, especialmente aqueles dedicados ao santo protetor da cidade, estão intrinsecamente ligados ao grande contingente de pessoas de origem portuguesa que chegaram a Santo Antônio. Durante o período de construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), milhares de patrícios desembarcaram na região. Entre eles, 146 operários, muitos analfabetos ou com pouca escolarização, perderam suas vidas. Os demais, incluindo aqueles com algum capital, estabeleceram-se no comércio, na construção civil, em serralherias e outros empreendimentos.

 

O Censo de 1917 revela que Porto Velho abrigava 1.845 pessoas, das quais 900 eram estrangeiras. Dentre essas, cerca de duzentos eram portugueses. Esses números não incluem os milhares de trabalhadores que viviam na chamada “cidade-empresa” da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, muitos dos quais não fixaram residência permanente.

 

Entre 1908 e 1912, aproximadamente 19.500 estrangeiros chegaram à região, além dos clandestinos provenientes dos países vizinhos e dos milhares de portugueses que já habitavam Manaus e Belém. Muitos desses imigrantes encontraram seu lar em Santo Antônio, como atestam os registros de óbitos e casamentos.

 

A vida pulsava nas margens do Rio Madeira. Enlaces matrimoniais entre portugueses e mulheres indígenas ou caboclas contribuíram para uma miscigenação que marcou profundamente o “jeito de ser” do povo local, especialmente no âmbito religioso.

 

DECADÊNCIA

 

Na década de 1920, a Igrejinha enfrentava um período de franca decadência, assim como toda a cidade. O padre Antônio Carlos Peixoto, vindo de Humaitá, visitou Santo Antônio em 23 de novembro de 1926 e testemunhou o declínio.

 

Durante a festa do padroeiro, em junho daquele ano, a paróquia se transformou em um “clube de baile”, com banda de música profana dentro do templo, estouro de bombinhas, fogos de artifício e outras algazarras. Padre Peixoto lamentou a “decadência dos preceitos católicos em Santo Antônio”, atribuindo-a à presença de “gente exótica, esotérica, maçons e espíritas”.

 

A elite da cidade, composta em grande parte por maçons, gastava consideráveis somas em fogos de artifício. Curiosamente, mesmo após 13 anos da primeira missa, a Igrejinha permanecia inacabada, conforme os registros do sacerdote.

 

RESSURGIMENTO


Por mais de 20 anos, a Capela de Santo Antônio viveu o abandono e o esquecimento, desde 1950. Nesse período, a estrutura desabou, mas graças às mãos amigas e abnegadas da comunidade, o templo foi reconstruído. Embora a fachada de pedra permanecesse a mesma, o corpo da capela, originalmente construído com taipa, foi restaurado há quase 50 anos com a ajuda financeira da própria comunidade. Para arrecadar os fundos necessários, foi criado um “livro de ouro”, em 1977.

 

Representantes da comunidade reunidos na década de 1970 para reconstruir a Igrejinha.

Foto: Acervo/CDH-RO

  

Uma figura notável nesse processo foi Maria do Livramento Marques Tabosa, conhecida como Lili Tabosa (1928/2011). Católica fervorosa, Lili liderou uma campanha de arrecadação de fundos em 1977 para reerguer a Capela de Santo Antônio. Ela era uma cidadã distinta e respeitável.

 

Dona Lili também se dedicou à assistência social no antigo Território Federal de Rondônia. Após o nascimento dos cinco filhos, tornou-se uma dona de casa ativa na igreja e no voluntariado social. Sua benevolência se estendeu especialmente à Igrejinha, que estava abandonada na época. Com o apoio da Maçonaria e do Rotary Club, ela contribuiu para a preservação desse importante monumento.

 

Localizada às margens do Rio Madeira, a capela coexiste com a grandiosidade da moderna Usina Hidrelétrica Santo Antônio, que leva o nome da cidade-fantasma. O contraste entre o bucólico e o arrojo é evidente, separados apenas pelo leito do rio: o poderoso Rio Madeira.

 

A capela, construída em 1913, atrai curiosos e está intrinsecamente ligada à identidade do povo como um embrião de Porto Velho, eternamente unida pela história a Santo Antônio.

 

Dona Lili liderou movimento para restaurar a Capela em 1977. Foto: Acervo familiar

 

Apesar de sua modéstia, a capela de Santo Antônio permaneceu solitária e tranquila, próxima e distante de tudo. Sua restauração foi realizada com esmolas, antes que os recursos da compensação ambiental a transformassem novamente em um dos mais importantes patrimônios histórico-culturais de Rondônia.

 

A edificação da gigantesca usina hidrelétrica trouxe mudanças significativas para a região, afetando o ecossistema e a vida socioeconômica. A partir de 2001, com o advento das hidrelétricas, milhares de trabalhadores de todo o país deram início ao que chamam de “ciclo das usinas”. A Usina de Jirau, construída simultaneamente a 120 quilômetros de distância de Santo Antônio, marcou um novo boom econômico e demográfico. Assim, Rondônia voltou a figurar no mapa do Brasil, seguindo os passos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e dos telégrafos em outros momentos históricos.

 

HOJE

 

A Igrejinha, outrora caída e quase esquecida, hoje se ergue graças ao olhar atento e à dedicação de mãos e corações devotados. Sua nave mede 23,5 metros de comprimento por 7,20 metros de largura, com 28 bancos que acomodam 180 lugares. Missas são realizadas todos os domingos às 10h, sempre com grande participação. No dia dedicado ao santo padroeiro, uma procissão e festa animam o entorno da igreja. Além disso, casamentos comunitários e quermesses atraem muitos visitantes ao antigo largo da antiga matriz.

 

A Igrejinha continua a ser um marco religioso e cultural, um dos espaços públicos significativos de Porto Velho e um dos mais importantes bens culturais do patrimônio histórico de Rondônia.

 

Para chegar à Igrejinha, siga o seguinte caminho a partir da Avenida Sete de Setembro:
Vire à direita na Avenida Rogério Weber (anteriormente conhecida por outros nomes, como Avenida Mato Grosso, Avenida Major Guapindaia e Avenida Norte-Sul).

 

Continue até o cruzamento com a Estrada de Santo Antônio, que tem início na Rua Prudente de Moraes, próxima ao acesso ao 5º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC).

 

Ao longo desse caminho, você cruzará uma das “fronteiras” entre os estados do Mato Grosso e Amazonas, que ficava próxima ao Igarapé Grande (atualmente conhecido como Bate-Estacas), onde existia o seringal Santa Martha.

 

Quase no final da Estrada de Santo Antônio, o primeiro vislumbre da antiga cidade é o cemitério. Descendo um pouco mais, você encontrará a pequena ponte metálica sobre os trilhos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. A partir desse ponto, o trânsito de veículos é proibido no sentido da Igrejinha. O Memorial Rondon, um museu aberto à visitação pública, está localizado no largo próximo à capela. Atravesse a ponte a pé e percorra cerca de 80 metros até a capela.

 

À esquerda da ponte, do lado de fora da vila, uma rua de terra segue paralela ao antigo trilho da ferrovia e passa em frente ao “Casarão dos Ingleses”, que está próximo aos muros da Usina Hidrelétrica Santo Antônio. Essa usina impede o acesso direto ao local.


Hoje, restaurado e bem cuidado, o templo reina soberano como parte central do Memorial Rondon. Esse complexo foi construído em 2013 pela Usina Hidrelétrica de Santo Antônio com recursos de compensação, resultado da articulação entre o Governo do Estado, a União e a Prefeitura de Porto Velho. O Memorial abriga a exposição permanente “Rondon Marechal Paz”.

 

Em frente à igreja, há um marco divisor que simboliza a “fronteira” entre os estados do Amazonas e Mato Grosso, no antigo perímetro urbano. Vale lembrar que esse monumento foi reconstruído e realocado, pois o original foi destruído durante as obras da usina.

 

Em 2012, o Iphan tombou e reconheceu a área como Sítio Arqueológico Vila de Santo Antônio do Rio Madeira. A igreja já era tombada pelo Estado desde 1986. A fé de Dona Lili Tabosa, além de sua contribuição religiosa, ajudou a preservar esse ícone histórico de Rondônia.


 

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