Maior empresário do estado, com atuação nos setores agropecuário e de energia, o governador de Rondônia, Ivo Cassol (PPS), é grande defensor do complexo hidrelétrico do Rio Madeira, que corta o estado, apesar da controvérsia sobre o impacto ambiental da obra.
O projeto das usinas está orçado em R$ 14 bilhões e é o principal do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado neste ano pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O valor é quase 60% maior que o PIB do estado. A obra é objeto de controvérsia em razão do suposto impacto ambiental que poderá causar.
“É mais importante a sua sobrevivência e a da sua família ou a dos peixes?”, questiona o governador, em referência às críticas de ambientalistas.
Para Cassol, não fazer as usinas no Rio Madeira não será um problema para Rondônia. "Vocês aí que precisam, sob pena de ter de subir as escadas dos edifícios em Brasília e em São Paulo, sem elevador, e ficar no escuro", afirmou na última sexta-feira (4) ao G1.
Dois anos depois de gravar em vídeo, uma tentativa de extorsão feita por deputados em troca de apoio na Assembléia Legislativa, o governador - primeiro a se reeleger no estado - diz que ninguém mais se sente encorajado a fazer a ele propostas ilícitas.
“Agora só querem falar comigo na piscina”, disse. Veja os principais trechos da entrevista, a segunda da série com governadores no G1.
Escândalo das fitas
G1 - O sr. gravou deputados que tentavam extorquir dinheiro em troca de apoio na Assembléia Legislativa. Como ficou seu relacionamento com a Assembléia Legislativa após esse episódio?
Ivo Cassol - Na legislatura passada, não foi muito bom por causa da maneira como os deputados faziam política e sugavam o dinheiro público. Dessa assembléia nova, nós tivemos 19 deputados estaduais novos eleitos, de 24. Esses deputados estão dando um exemplo de economia, cortando despesas, demitindo servidores fantasmas que estavam no Nordeste, no Sul, em outros países. Nos primeiros três meses, economizaram R$ 8 milhões.
G1 - Em outros países?
Cassol - Ganhavam, mas estavam na Bolívia, Espanha, Portugal, Estados Unidos. Pessoas que ganhavam da Assembléia Legislativa, mas estavam em outros países. Faturavam à custa do estado sem trabalhar.
G1 - A Assembléia entrou com alguma ação contra essas pessoas?
Cassol - Entrou com processo administrativo para demissão. É o que eles fizeram.
G1 - Nessa nova Assembléia, os deputados reeleitos não têm criado dificuldades para seu governo?
Cassol - De maneira nenhuma. Mas, com os deputados novos, o presidente da Assembléia está tendo muita dificuldade, porque há uma pressão muito grande de alguns parlamentares para querer reviver o passado.
G1 - Algum parlamentar tentou fazer algum tipo de proposta ilícita?
Cassol - Não. Eles têm dificultado, quiseram tentar ter mordomias e reviver o passado, mas essa nova Assembléia Legislativa está moralizando o Poder Legislativo no estado.
G1 - Mas houve alguma outra tentativa de achaque por parte de deputados?
Cassol - Não para mim, mas eu tenho ouvido os próprios deputados reclamarem que há parlamentares que estão fazendo de tudo para que volte o passado, para ser tudo como antigamente.
G1 - O sr. pode dar nomes?
Cassol - Não tenho nomes. Como não tenho como provar, não posso falar. Se falar e não provar, me enrolo. Há alguns que achavam que podiam praticar a mesma coisa. E não estou me referindo aos que ficaram, estou me referindo a alguns dos novos.
G1 - O sr. acredita que o episódio das fitas vai dar condenação a alguns dos envolvidos?
Cassol - Eles vão responder criminalmente. O MP entrou com várias ações. Acho que é questão de tempo. A justiça está sendo feita. Quando não foram reeleitos, [a justiça] já estava sendo feita pelos eleitores.
G1 - O sr. repetiria esse episódio? Voltaria a fazer uma gravação?
Cassol - Se tivesse que fazer, sim. Mas agora ninguém mais fala nada comigo. Só querem falar comigo na piscina. Ninguém mais se sente motivado ou encorajado a falar comigo sobre coisas estranhas ou que não sejam de trabalho do dia a dia.
G1 - Apesar de ter feito essa denúncia, o sr. também sofre acusações de má gestão e irregularidades no uso de recursos públicos quando foi prefeito de Rolim de Moura, inclusive com ação no STF.
Cassol - O que acontece é o seguinte: Em final de 2003, quando já era governador, tive um problema com o procurador do Ministério Público do estado. Sou o único governador do Brasil que tem um processo e que não negociou com os deputados para que não fosse processado, para poder provar minha inocência. Fui um exemplo para o Brasil. Me arrependo disso.
G1 - Em Rolim de Moura, o problema foi com uma licitação?
Cassol - Eu tive vários convênios com ministérios. Convênios de R$ 50 mil, R$ 100 mil, R$ 200 mil, R$ 1 milhão e até R$ 3 milhões. Em todos eu executei as obras. O promotor me denunciou porque disse que fragmentei a licitação. Acontece que cada convênio tem um plano de trabalho, um empenho, uma ordem bancária e uma conta e uma prestação de conta. Para cada convênio fiz uma licitação. O correto é do jeito que fiz. Isso é o que eu vou ter que provar daqui para frente. Acabou.
Superfaturamento
G1 - No sorteio feito pela Controladoria Geral da União para verificação de contas da administração pública...
Cassol - ...Eu sei. O estádio de Rondônia foi citado. Ontem mesmo, quando tomei conhecimento, já determinei que se abrisse uma sindicância, apurando quem cometeu irregularidades, para serem punidos na forma da lei.
G1 - Apenas para deixar claro, governador, nós estamos falando do superfaturamento de computadores, que deveriam custar no máximo R$ 2,2 mil e custaram R$ 5,2 mil, não é?
Cassol - R$ 15 mil.
G1 - Mas o relatório da CGU fala em R$ 5,2 mil.
Cassol - É coisa assim. Nós estamos na Região Norte, temos um custo mais elevado para qualquer bem de consumo que compramos aqui por causa do frete. Mas nada justifica um aumento de 100%. Tudo que estiver fora do valor, real, o secretário tem que apurar.
G1 - Dá mais de 100%, nesse caso. O sr. afastou o secretário envolvido nessa licitação?
Cassol - Eu não acredito que nenhum secretário esteja envolvido em licitação. Nenhum deles. Infelizmente, o governador nunca tem o controle de tudo. Você depende de um grupo de pessoas. Em Rondônia, são 40 mil servidores. Mas vamos responsabilizar quem fez isso. Pode ser quem for, vai ser responsabilizado na forma da lei.
Operação Dominó
G1 - Como está o inquérito sobre a Operação Dominó, em que o sr. foi acusado de envolvimento com um esquema de desvio de verbas públicas?
Cassol - O inquérito está em andamento, e eu faço questão que a investigação aconteça, pois não tenho nada a temer. Meu nome foi citado pelos verdadeiros envolvidos, e eu fiz questão de ser investigado para provar a minha. Sou inocente. Tentaram me colocar na mesma vala, mas não temo nenhuma investigação.
Vida empresarial
G1 - O sr. é um dos homens mais ricos de seu estado e empresário com atuação em vários setores. Em um estado pequeno como Rondônia, sua atuação empresarial não cria conflitos de interesse direto com o estado?
Cassol - Sou empresário e empreendedor. Minha experiência de vida e empresarial me dá facilidade para administrar, para fazer as ações que tenho que fazer. Não quer dizer que os políticos não têm que ter nada. Enquanto há muitos políticos no país que botam o patrimônio em nome do laranjal, eu não tenho nem uma cibalena em nome de outras pessoas. O que tenho é meu e ganhei suado. Está no meu Imposto de Renda.
Hidrelétricas no Rio Madeira
G1 - O sr. tem seis pequenas hidrelétricas e vende energia para o governo federal. O projeto do complexo hidrelétrico do Rio Madeira não vai atrapalhar seus negócios no setor?
Cassol - De maneira nenhuma. Primeiro porque a primeira turbina só vai funcionar em oito a dez anos. Em segundo lugar, não é Rondônia que está precisando de energia. São vocês aí que precisam, sob pena de ter de subir as escadas dos edifícios em Brasília e em São Paulo, sem elevador, e ficar no escuro.
G1 - O sr. é a favor da obra?
Cassol - Totalmente. Nós temos que parar de ser escravos de americanos, de estrangeiros. O que é mais viável? Uma usina nuclear ou uma usina limpa? “Ahh, mas vai atingir os ribeirinhos...” Aí eu pergunto: quem veio do exterior ou da nossa capital federal ajudar os ribeirinhos? Essa usina não é igual à de Itaipu, que tem área de alagamento muito grande.
G1 - Mas há estudos ambientais que dizem que o impacto pode ser maior que o previsto, inclusive com a transferência de espécies de peixes que vivem em regiões baixas para as altas, onde poderiam passar a ser dominantes e vice-versa.
Cassol - É mais importante a sua sobrevivência e a da sua família ou a dos peixes? Nós podemos transportar alevinos, nós podemos fazer escadas nas barragens, fazer as eclusas para os peixes poderem subir. Isso não é pretexto para inviabilizar uma obra. É bom para Rondônia? É bom, é ótimo. Mas eu quero lembrar que é muito melhor para o Brasil. Com a projeção do governo federal de crescer 5% ao ano, se não construir novas usinas, o Brasil fica no escuro, vai ter apagão.
Política partidária
G1 - Na última eleição, o sr. apoiou o candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin. O sr. já fez parte do PSDB e hoje está no PPS, que também faz oposição ao governo federal. Como tem sido seu relacionamento com o presidente Lula?
Cassol - Com o Lula, sempre foi muito bom. Nunca foi muito bom com o pessoal do PT no meu estado.
G1 - O apoio dado ao candidato Alckmin criou algum tipo de problema nesse relacionamento?
Cassol - Eu ajudei o Geraldo Alckmin, mesmo ele não tendo sucesso, fiz a minha parte. Num país democrático, temos o direito de escolher para quem trabalhar e em quem votar.
G1 - Mas isso não causa embaraços políticos?
Cassol - Eu não defendo questões partidárias, eu defendo o ser humano. Quem ganhou a eleição? Foi o PT? Não, foi o presidente Lula. A maneira simples, humilde dele, que ganhou a eleição. O PT estava manchado em nível nacional. O partido em que estou hoje, o PPS, ou meu apoio ao Alckmin, não vão me distanciar de A ou B ou C.
G1 - Depois de migrar do PSDB para o PPS, como é seu relacionamento no novo partido?
Cassol - É excelente. Quando o presidente do partido, Roberto Freire, me convidou, aceitei de pronto. Em Rondônia temos uma grande representação partidária, e sou respeitado pela bancada nacional, que apóia o nosso projeto político. Fui convidado a ingressar em outros partidos, mas optei por permanecer no PPS.
Futuro político
G1 - Quais são seus planos políticos? Depois de ter sido reeleito, o sr. pensa noutro cargo?
Cassol - O futuro a Deus pertence. Não penso, no momento, em me candidatar a nenhum outro cargo.