A Serra da Muralha, também conhecida como Muralha da Serra, é um dos sítios arqueológicos mais enigmáticos e fascinantes da Amazônia brasileira. Localizada a cerca de dez quilômetros da margem esquerda do rio Madeira e a igual distância da foz do rio Abunã, no extremo oeste de Rondônia, a formação rochosa se ergue em meio à floresta densa e de difícil acesso — uma região conhecida por ser endêmica de malária, o que ajudou a mantê-la praticamente intocada ao longo do século XX.
Construída em pedra, algo incomum entre os povos tradicionais amazônicos, a estrutura circular despertou a curiosidade de gerações. O primeiro registro conhecido data de 1947, quando o jovem Cláudio Feitosa, de apenas 14 anos, acompanhado por um seringueiro, alcançou o topo da serra e registrou em fotografia a impressionante muralha. O historiador professor Abnael Machado de Lima, amigo de Feitosa, preservou o relato e a imagem, tornando-se uma das principais fontes sobre o monumento.
Em 2016, técnicos do Serviço Geológico do Brasil (SGB) voltaram ao local e constataram que o acesso havia sido facilitado por um varadouro aberto entre fazendas. Diante do risco de depredação, uma expedição foi organizada com apoio da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), ICMBio, IBGE, SGB, SECOM e o Jeep Clube de Porto Velho, que forneceu logística essencial para alcançar o topo da serra.
A equipe encontrou no sopé da formação uma floresta de aspecto singular, com árvores gigantes, bromélias, samambaias e nascentes de água cristalina — indícios de antiga ocupação humana. Após uma escalada íngreme, os pesquisadores chegaram ao topo, onde se depararam com uma paisagem surpreendente: uma superfície rochosa sem vegetação, cercada por uma muralha de pedra negra que delimita uma área maior que um campo de futebol.
A construção, perfeitamente encaixada, está quase intacta, exceto por um pequeno trecho danificado — possivelmente por uma descarga elétrica. Para os pesquisadores, a obra não parece ter caráter defensivo, mas sim cerimonial ou social, o que indica uma sociedade hierarquizada, semelhante às civilizações andinas.
A hipótese ganha força com estudos da antropóloga Denise Maldi Meireles, que em “Guardiões da Fronteira: O Guaporé do Século XVIII” relata a presença inca na região durante o colapso do império. Segundo registros bolivianos e relatos históricos, generais e chefes tribais incas teriam fugido para o leste após a captura do imperador Atahualpa pelos espanhóis, alcançando as bacias do Guaporé e do Madeira.
Essa possível rota explicaria a presença de técnicas construtivas semelhantes às dos Andes em plena Amazônia. O historiador que participou da expedição compara a Muralha da Serra aos portais cerimoniais de Machu Picchu, que separavam classes sociais dentro da hierarquia incaica.
Atualmente, o local é estudado por arqueólogos da UNIR e da USP, sob coordenação do professor Eduardo Góes Neves, referência na arqueologia amazônica. Utilizando tecnologias como o LIDAR — scanner a laser capaz de mapear o solo sob a copa das árvores —, os pesquisadores esperam identificar vestígios de antigas moradias, terraços agrícolas e áreas de cultivo.
Essas análises, somadas a estudos de fitólitos (microcristais de sílica que indicam as plantas cultivadas em determinado período), podem revelar quando e por quem a serra foi ocupada. Segundo Neves, a arqueologia amazônica tem mostrado que os povos da região eram muito mais organizados e interconectados do que se imaginava.
A Serra da Muralha pode, portanto, representar um elo perdido entre os Andes e a Amazônia, um vestígio de antigas civilizações que cruzaram montanhas e rios em busca de novos territórios. Enquanto a ciência busca respostas, a imponente muralha de pedra segue silenciosa no topo da serra, guardando segredos de um passado ainda envolto em mistério.
“Vamos aguardar as respostas da ciência”, dizem os pesquisadores — com a mesma reverência de quem se aproxima de um templo ancestral escondido no coração da floresta.