Porto Velho tem mais de 20 mil crianças sem o nome do pai na Certidão de Nascimento

Caso interessante, um senhor de 70 anos que resolveu reconhecer os cinco filhos, um deles cumprindo pena no presídio Urso Branco

Porto Velho tem mais de 20 mil crianças sem  o nome do pai na Certidão de Nascimento

Foto: Divulgação

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Embora não haja estimativas oficiais, nem mesmo na UNICEF - o Fundo das Nações Unidas para a Infância -, atualmente, no Brasil existem cerca de 3,5 milhões de estudantes, das redes pública e privada de ensino, que não têm o nome do pai na Certidão de Nascimento.

Em Porto Velho, segundo o Ministério da Educação, mais de 20 mil crianças sofrem discriminação nas escolas por não terem o nome do pai em seu registro civil. De acordo com a direção-geral da Maternidade Municipal Mãe Esperança, a maioria (70%) dos recém-nascidos vivos é filho ou filha de adolescentes que, por comodismo, não reclamam a paternidade. "No Cartório que funciona aqui, sempre é a mãe que procura tirar o registro de nascimento, mas não dizem quem é o pai, pois, muitas vezes, nem sabe quem a engravidou, em virtude dos inúmeros parceiros com quem mantêm relações sexuais", opina a ginecologista Ida Peréa, lembrando que nem mesmo o avô ou avó, que acompanham a filha, sabe quem é o pai da criança.

No Cartório que funciona no Hospital de Base "Dr. Ary Pinheiro", a situação não é diferente. Segundo o ex-diretor-geral do HB, doutor Amado Rahal, a puberdade precoce é o responsável por tantas crianças sem o nome do pai em sua Certidão de Nascimento. "Aqui, crianças de 10 a 13 anos, têm seus filhos ou filhas, mas, na hora de dizerem quem é o pai, preferem silenciar. Isso acontece porque os adolescentes homens só querem usar as meninas, pois, quando elas dizem que estão grávidas, eles desaparecem". Para a cartorária Francisca de Assis da Silva, sempre é a mãe que toma a iniciativa de registrar o filho ou filha. "Elas chegam aqui, aos montes, dizendo que não sabem o nome do namorado que sumiu depois de engravidá-la e, por isso, exigem o registro civil do recém-nascido sem o nome do pai, amparada na legislação vigente", completa.

Para a ativista Mara Regina de Araújo, os homens estão mais irresponsáveis, não assumindo a paternidade. "Eles desaparecem e chegam até a ameaçar a mulher, se ela colocar o seu (dele) nome no Registro de Nascimento do filho. Nesses casos, só mesmo a investigação de paternidade se faz necessário para resolver o problema", destaca, salientando que esse problema pode ser detectado não apenas nas estimativas do MEC ou projeções do IBGE, mas em todas as camadas sociais. "Quantos homens temem pagar pensão alimentícia e, por isso, relutam em assumir a paternidade, pois sabem que esse é um crime que leva direto para o Urso Branco", completa o delegado Paulo Abemor, da Central de Polícia de Porto Velho, que diz já existir jurisprudência sobre o assunto, "assim como sobre pedofilia" -- conduta responsável pelo aumento do índice de crianças sem o nome do pai na Certidão de Nascimento.

Diante do agravamento do problema, a Secretaria de Educação de Rondônia,  defende a necessidade de mutirões permanentes nas escolas públicas e particulares de todo o Estado, para a instauração de procedimentos de reconhecimento de paternidade. "O direito do registro civil é requisito básico para que a criança seja reconhecida como cidadã e, assim, tenha acesso a serviços e benefícios públicos", observa a professora Angela da Silva Onezorg, ao defender mutirões multifuncionais, sobretudo, com a presença de equipes do Poder Judiciário, como as ações que já vêm sendo desenvolvidas pela Justiça Rápida, através da qual é emitido outros documentos pessoais, como Carteira de Trabalho, CPF, Identidade e até passes-livres. A bem da verdade, o medo de pagar pensão de alimentos ou ir parar no Urso Branco são fatores responsáveis pelo alto índice de processos de investigação de paternidade.

Nos Conselhos Tutelares de Porto Velho, muitas mulheres reclamam que são ameaçadas quando procuram o pai da criança para ele autorizar a colocação do seu nome completo na Certidão de Nascimento. "Mesmo conscientemente reconhecendo a paternidade, muitos se esquivam; alguns até mudam de cidade para não terem maiores problemas com a Justiça. Aqui, na Capital, já houve um caso de morte de uma mulher dentro da sala de um Conselho Tutelar (ainda convalescendo de um parto normal) só porque denunciou o ex-amásio por não querer reconhecer a paternidade do filho", recorda a ativista e ex-conselheira tutelar Ângela Fortes. "Sem condições financeiras ou morais para assumir uma companheira, eles não querem admitir a paternidade para não pagarem pensões de alimentos; são mau-caráter e irresponsáveis", completa.

PAI PRESENTE - Para mudar essa realidade, está em andamento o Projeto Pai Presente, uma campanha de reconhecimento de paternidade promovida pelo Poder Judiciário do Estado de Rondônia. O projeto está na segunda etapa e pretende encontrar crianças e adultos sem o registro paterno. No ano passado, foram regularizadas as situações de três mil crianças. Para participar, a mãe tem que levar o registro de nascimento e a certidão do filho, junto com o endereço e nome do pai. O projeto tem o intuito de fornecer os direitos legais a essas pessoas. Com o registro paterno, a pessoa pode ter acesso aos direitos sucessórios, ao auxílio mútuo e de alimento, toda essa questão material. Além, claro, do emocional. Uma criança que cresce sem ao menos saber o nome do pai é exposta a situações agressivas e de preconceito.

Em 2014, cerca de 60 pessoas foram atendidas no Baixo Madeira, pela equipe da Justiça Rápida e 36 iniciaram o processo de reconhecimento de paternidade. Houve nove reconhecimentos espontâneos, seis audiências designadas para intimar os pais. Recentemente, a operação Justiça Rápida Itinerante Fluvial de 2012, estimou que tenham sido feitos em torno de 60 atendimentos de reconhecimento. Em Porto Velho, 503 pais resolveram reconhecer seus filhos.

EMOÇÃO -- Durante o atendimento, muitos casos emocionaram a equipe do projeto Pai Presente, justamente por envolver questões afetivas, que podem deixar marcas na vida das pessoas. É o caso de dois reconhecimentos de pais que cumprem pena em presídios da capital. Eles foram trazidos pela justiça até a escola onde ocorria a megaoperação Justiça Rápida Itinerante para que voluntariamente reconhecessem seus filhos. Apesar do ambiente hostil, no qual o pai estava algemado, acompanhado de agentes armados, um menino de oito anos demonstrou euforia e satisfação de estar recebendo o nome do pai na certidão de nascimento. São momentos como esse que fazem as pessoas perceberem o alcance e a importância do projeto. Ele não se importava que o pai estava preso, mas sim, que estava ganhando no papel o direito de ter um pai.

Outro caso interessante, foi o de um senhor de 70 anos que resolveu reconhecer os cinco filhos, um deles cumprindo pena no presídio Urso Branco, também foi levado até a escola para receber o benefício.  Não há limite de idade para quem quer registrar os laços no documento. Raimundo Rodrigues Monteiro, de 96 anos, também reconheceu sua filha Rosária pelo projeto "Pai Presente". O ex-soldado da borracha tem oito filhos, mas uma estava sem o nome do pai na certidão porque na época em que nasceu a família morava muito afastada, sem condições de viajar para fazer o registro. Com o reconhecimento tardio, além de fortalecer os laços entre pai e filha, tornou possível também a inclusão de seu Raimundo no plano de saúde dela. Ele tem quase cem anos, por isso está com a saúde já frágil.

A ação é desenvolvida em parceria com o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado. O reconhecimento de paternidade espontâneo é feito quando o suposto pai comparece na audiência e, na presença do magistrado, diz ser o genitor da criança ou adolescente. Quando não há o procedimento espontâneo, o processo é encaminhado para uma das Varas de Família de Porto Velho para distribuição. Ao receber a ação, o juiz determina que seja feito o exame de DNA. Caso seja comprovada a paternidade, o pai é chamado para uma audiência. Nesses casos, para ingressar com a ação é necessário um advogado ou defensor público. Após o reconhecimento de paternidade espontâneo, o magistrado determina, por meio de um mandado judicial, que o cartório altere a certidão de nascimento, na qual constava apenas o nome da mãe, para que seja inserido o nome completo do pai e dos avós paternos, ficando por opção de quem teve a paternidade reconhecida (e seus pais se for menor) incluir ou não o sobrenome paterno na configuração de seu nome.

Apesar de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já ter determinado o reconhecimento de paternidade por parte de pai que se recusava a fazer exame genético (DNA), num caso de Porto Velho (RO), a Promotoria defende que o Brasil adote a inversão do ônus da prova adotada em 2005 no Peru: A lei da paternidade foi um avanço, mas o problema só será resolvido com a inversão do ônus da prova, que obrigaria o suposto pai a comparecer ao processo. No Congresso Nacional, iniciativas nesse sentido enfrentam fortes resistências. Muitas vezes, no entanto, o principal obstáculo ao reconhecimento da paternidade é o bolso: os cartórios cobram em média R$ 100 por um documento quando o filho foi registrado só com o nome da mãe. "Tendo de pagar, eles não fazem mesmo [o reconhecimento]", diz Malúcia da Silva Oliveira, que lidera entidade de mães solteiras em Porto Velho: "Aqui, a lei da paternidade não funciona". (CP)

 

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