1 – POLÍTICOS FINADOS
Quanto valerá a alma de um político? Melhor dizendo, valerá a pena incluir entre as orações deste “Dia de Finados” algumas preces pelas almas dos políticos? Antes de começar a pensar no assunto, fique o leitor sabendo que, de saída, ficam excluídos dessa cogitação os mentirosos, os sonegadores, os defraudadores, os vigaristas, os trampistas, os intrujões, os chupistas, os tartufos e os embusteiros. Fique ainda estabelecido que a reflexão também não vale para os ladrões, os gatunos, os pichelingues, os unhantes, os ratoneiros, os trambiqueiros dos dinheiros públicos, que se apropriam de mais da metade de todos os orçamentos, deixando viadutos no ar, pontes no nada, esgotos a céu aberto e crianças mortas de fome, padecendo de tudo.
Excluídos ficam, destarte, os cleptocratas, os sicofantas, os enfiados na máquina pública, emperrando-a e sugando migalhas do Estado com voracidade e gula. E nem pensar nos homúnculos dedicados a se infiltrar nas frestas da Pátria para malversar, rapinar, larapiar desde pequenas gorjetas até “mensalões” atrozes, no revezamento sinistro de negociações com empresas fantasmas em terrenos baldios, não bastasse a rapinagem de todos os mínimos picuás dos miseráveis. Enfim, excluídos estão todos os políticos cachorros, safados e sem-vergonha.
Não, minha senhora, o dia 02 de novembro não é reservado para lembrar e homenagear os entes queridos – notadamente os parentes – que passaram desta para a melhor. No que diz respeito a estes, na verdade, ter-se-ia a obrigação de incluí-los nas orações diárias, porquanto as almas carentes desse tipo de ajuda precisam de muita, mas muita reza mesmo – como adiante se verá. Mas ao decidir que os defuntos próximos mais do que merecem um dia especial de atenção da descendência, a ocasião mais apropriada para fazer isso é no aniversário de morte de cada parente ou amigo, dia em que a família reunida dá um trato na última morada do distinto e dedica-lhe todas as preces que o falecido certamente terá feito por merecer.
2 – DEFUNTOS RUINS
Ao contrário do que se costuma observar, no Dia de Finados o que se faz – ou dever-se-ia fazer - é rezar pelos mortos de quem jamais se ouviu falar. Não por acaso o Papa Leão IX instituiu o 02 de novembro como o dia anual de orações por todos os mortos. Eis que no dia 1º de novembro é a festa de "Todos os Santos". O “Dia de Todos os Santos” celebra todos os que morreram em estado de graça e não foram canonizados. Mas como a morte em estado de graça é o passaporte para o céu e a entrada no lugar é certificado de santidade, estes são os santos anônimos, por assim dizer. O “Dia de Todos os Mortos”, portanto, celebra todos os que morreram e não são lembrados nas orações habituais.
De acordo com os ensinamentos da Igreja, as almas que precisam de orações são as que estão no purgatório. Ali, caso cumpram todas as penitências exigidas e sejam objetos de muitas orações por parte dos que estão do lado de cá, habilitam-se ao perdão divino e podem almejar habitar o paraíso. No entanto, as almas que seguiram direto para as profundas, para estas não tem remédio. Não há, em toda literatura esotérica do universo, registro de que o rabudo tenha liberado a alma de um vivente após este a ele tê-la entregado. Que o diga o doutor Fausto.
Por essa razão, leitor, é que toda aquela corja descrita no início está fora de cogitação. Guiado por Virgílio, gente como políticos daquela espécie, Dante encontrou aos montes em todos os noves círculos do inferno. Um horror! Não por acaso, como registrou o poeta, está escrito na porta do estabelecimento – “Depositai aqui, vós, que entreis, toda a esperança”. Longe, pois, de todos nós a falta de compaixão. Acontece que transposto aquele pórtico lá não adianta mais reza nem quaisquer outros procedimentos rituais de remissão dos pecados. Vale, claro, para o seu ente querido. Se da pá virada, já era. Ciente disso há muito mais séculos do que se desconfia, a sabedoria popular está careca de aconselhar a não gastar vela com defunto ruim.
3 – ALMAS APENADAS
A pergunta da coluna, assim leitor, trata dos políticos corretos, daqueles que não desonram seu ofício, que não se desviam na missão de pugnar pelo bem público. Porque político, leitor, é uma raça diferenciada, mormente no que diz respeito às questões da pureza d’alma. Para se ter uma idéia, desde que o mundo é mundo apenas um deles logrou habitar na morada do Pai Eterno – Thomas Morus, canonizado em 1935 papa Pio XI e consagrado em 2000 pelo para João Paulo II padroeiro dos políticos.
Maquiavel foi um dos primeiros a perceber que político é diferente, cuidando de separar a moral da política. Na seqüência, Max Weber distinguiu a ética deles como a da responsabilidade e a dos demais como a ética da convicção. Isto porque, para fazer o bem, frequentemente o político é obrigado a praticar o mal. Como no caso em que tem que recorrer à guerra para defender o povo do seu país. Exemplo extremado: para acabar com a II Guerra, Truman (respeitador das leis, incorruptível e temente a Deus) pulverizou duas cidades japonesas com bombas atômicas condenando à morte mais de 200 mil inocentes. Com graus variáveis de letalidade, a lista é infindável.
De onde se conclui que, salvo melhor juízo, tirante Morus, os políticos finados, na melhor das hipóteses, estão vagando no purgatório. Como o nome indica, o recinto é de purgação. Uma vez lá, as almas sofrem cumprindo penas que têm como objetivo a sua purificação. As penas são às vezes tão terríveis quanto às do inferno, mas as almas cumprem-nas sem reclamar, pois têm certeza de que, quando o tempo de sua purgação chegar ao fim, ser-lhes-á concedida a entrada no Reino. Como as almas da Terra e as de lá mantém um vínculo entre si e podem ajudar umas às outras através de orações, uma forma de tentar abreviar-lhes a estadia no local é pelejar por elas fazendo preces. O dia, portanto, é reservado a interceder por aquelas almas que não têm alguém para fazê-lo, aí incluídas as da quase totalidade dos políticos. Quem se habilita?