Em 1997, quando ainda era jornalista de cultura e editor do Caderno 2 do jornal Alto Madeira, era convidado para participar e cobrir sarais culturais, geralmente com uma exposição de quadros, recital de poesias e muita música com artistas locais, nesse período o expoente do cancioneiro regional eram os três BB - Bado, Binho e Baaribu Nonato -, ótimos, excelentes músicos.
Os eventos aconteciam as vezes na Casa da Cultura Ivan Marrocos ou no Sesc, ou ainda em algum local estiloso que não fugia da art décor de um quintal cultural, regado a bebida e petiscos regionais. Nesses encontros eu conversava com alguns artistas locais, marcava entrevistas e num período ainda pré celular e internet de banda larga, os nossos contatos eram feitos pelo telefone da redação ou visitas no matutino.
Num desses congraçamentos culturais, eu estava sentado em uma mesa, circundado por alguns artistas e poetas, movimentadores do cerne cultural rondoniense, como o jornalista José Ailton “Bahia” e o seu parceiro de “Lítero Cultural”, Selmo Vasconcelos, que eram praticamente colegas de redação, pois a página Lítero era publicada no Caderno 2, um grande painel de talentos. E então conheci um cantor que estava impressionando a classe artística que atendia pelo nome de Zezinho Maranhão.
Voz macia, quase uma rouquidão no palato nos tons mais graves das músicas que cantava, de sua autoria. Sim de sua autoria. Nessa noite não consegui falar com ele, mas escrevi um artigo sobre esse sarau e falei dessa, que pra mim era uma novidade musical muito bem vinda naquele momento. Citei a sua poesia, letra e melodia no tom certo, com uma sinfonia intimista soberana para a música regional e de contemplação romântica.
Alguns dias depois ele me procurou na redação do Alto Madeira, queria saber quem era o jornalista que havia traduzido a sua música e a sua apresentação da forma que ainda não havia lido. Fiquei lisonjeado pela suas palavras de carinho e formalizamos uma amizade que sempre era exaltada pelo seu enorme carinho.
Onde fosse que estivesse sempre vinha me cumprimentar, conversar e falarmos de música, vida, pessoas e palavras, sua vida na noite paulistana. Não nessa ordem, mas da maneira que entendíamos os recantos da vida de luta.
Um tempo depois eu, através da direção cultural do Sesc de Rondônia, na figura do saudoso Judilson Dias, fui chamado para participar como jurado do Festival Aberto de Música, também chamado de FAM/SESC, que era um evento sensacional, onde artistas, músicos, compositores e cantores de Rondônia tinham um espaço para apresentar obras inéditas e que competiam pelo talento musical.
Ser jurado de um evento desse porte no Sesc foi algo maravilhoso na época, pois avaliamos letra, melodia, composição, apresentação e voz. E vi artistas notáveis como Baaribu Nonato, Marfisa, Mávilo, Ernesto Melo e o Zezinho Maranhão, entre tantos.
Mas no ano que fui jurado o cantor apresentou “Rancocamecrãs”, num palco iluminado em explosão de cores e com a plateia nas mãos. Foi dito por todos os jurados que era uma canção incrível e de uma sedução melódica única. Eu fiquei encantado. Nessa edição do Festival Zezinho saiu campeão e consagrado.
No outro ano, em outra edição do FAM/SESC ele vem para o palco e depois dos primeiros acordes solta esses versos:
“VOU TECER UM ELOGIO PRA UMA SUL-AMERICANA
QUE EM VIAGEM ENCONTREI EM CERCANIAS CUIABANAS
ÁGIL MULHER DE CIDADE
COM UMA INOCÊNCIA SERRANA
PRA MINHA FELICIDADE ERA UMA RONDONIANA”
Era Zezinho cantando “Porto Rondoniana” e cravando mais uma vitória no festival, algo absurdo de ver era presenciar aquela massa de pessoas dançando, vibrando e com a letra afiada na língua, cantando juntos. A produção do staff do Zezinho distribuia a letra para quem quisesse cantar junto. Foi outro sucesso.
A cantora Marfisa depois gravou a sua versão suingada.
Então quem era o Zezinho Maranhão?
Um talento nato, brilhante. Já considerado um “rei dos festivais”.
Oras, como dizia seu sobrenome artístico, de José Alves da Silva, o Zezinho, nasceu na cidade de Santa Inês, no Maranhão, e teve a sua carreira artística iniciada na cidade de São Paulo, quando morava no Bairro Bexiga, o berço das famílias descendentes de italianos, e point cultural paulista, onde de acordo com ele foi o local onde conheceu artistas como Fernando Mendes e Raul Seixas. Ali o músico foi criando sua história participando de um festival no Colégio Objetivo, que depois o impulsinou a ser chamado do Sarau Poético no Teatro Procópio Ferreira.
Sua trajetória como talento musical o trouxe a morar em Porto Velho, trilhando seu próprio caminho, e mostrando o seu talento o levou a gravar três CDs e vencer outros festivais fora do eixo local, como o FEMUCI (Festival de Música Cidade Canção), na Cidade de Maringá, no Paraná, quando conseguiu incluir duas músicas suas nos CDs oficiais do evento: “Porto Rondoniana” e “A Dança e o Rio” (essa feita em parceria com Flávio Carneiro).
Outras músicas suas como “Insígnia”, “Estórias de nós” e “Um tanto e tanto”, se tornaram pérolas de seu repertório.
Uma de suas obras mais lindas se chama “Canções Natalinas”, um CD de 2010, em que ele adotou um repertório mais tradicional e lúdico, com músicas referendadas no nascimento do menino Jesus, inclusive fazendo com que uma delas se tornasse um grande sucesso ao ser tema de final de ano da Rede Amazônica, através da TV Rondônia (Globo).
Logo que eu saí do jornal Alto Madeira, eu não tinha mais o amigo que me procurava na redação, levava um CD seu para divulgar ou vinha com convites de apresentação, mas eu o encontrava aleatoriamente pela cidade - sempre alegre, com um enorme e cativante sorriso.
Fiquei em choque quando em 2013, já trabalhando no Rondoniaovivo como editor, e soube da sua morte trágica. Foi um dos momentos mais tristes que eu vi, li e acompanhei como jornalista. Pra mim era o fim de uma era em Rondônia.
Os amigos mais próximos, músicos e poetas me ligando: “Marcos mataram o Zezinho Maranhão amigo. Mataram ele”.
Nas horas que se seguiram no dia 07 de dezembro, um sábado, uma metralhadora de emoções combaliam minha persona jornalista com o admirador, amigo.
Zezinho foi morto por uma mulher (evito citar o nome), então com 27 anos, dita sobrinha distante e era vizinha na mesma rua, que invadiu a sua casa, entrou no seu quarto - onde estava dormindo - e o golpeou com uma faca várias vezes, totalizando 17 perfurações.
A comoção em torno desse fato trágico tomou de assalto o noticiário, as mídias e causou um profundo impacto na família. O professor Chiquinho, uma grande figura, irmão de Zezinho, fez um relato impressionante das horas que antecederam e o crime através de uma entrevista divulgada na imprensa.
Foi algo surreal. A assassina depois acabou sendo presa, julgada e condenada a 13 anos e 6 meses por homicídio duplamente qualificado em regime inicial fechado, depois cumpriu um terço da pena e foi solta. É o que eu sei e considerei um absurdo.
Mas o legado do Zezinho é eterno. Ele acabou recebendo homenagens pós morte, no ano de 2016 foi agraciado com o título de PATRONO da Academia de Letras de Rondônia. No mesmo ano foi lançado o edital do primeiro Concurso Público Cultural de Música “Zezinho Maranhão”, criado pelo governo estadual.
Zezinho Maranhão jamais será esquecido pelo seu talento, espero que artistas e eventos culturais em Rondônia, o pessoal do movimento Bêra, lembrem o artista que foi esse talentoso músico e poeta das canções amazônicas.
As músicas do Zezinho Maranhão podem ser ouvidas no site
Soundcloud através de vídeos no youtube, ouçam ou assistam.