Já não basta ter que ficar longe da família, amigos e da terra natal, brasileiros (e rondonienses) que foram cursar medicina na Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia ainda têm que enfrentar outro suplício, bem caro e de nome complicado: o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira (Revalida).
O Ministério da Educação (MEC), por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, que também organiza o Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM) é quem planeja o Revalida.
Quem aplica a avaliação é o Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção em Eventos (Cebraspe), ligado à Universidade de Brasília (UnB).
De acordo com os candidatos que procuraram o
Rondoniaovivo, há um desespero pelo fim do prazo para interposição de recursos da segunda fase, que é uma prova oral feita por meio de vídeos.
Durante três dias (desde o domingo, 20) milhares de pessoas não conseguem acessar justamente a página do Cebraspe para ver as notas e mandar os recursos para questionar a avaliação feita pelos membros da banca. O prazo é do dia 21 a 25 de fevereiro, sem possibilidade de prorrogação, segundo aviso da instituição.
Desde a última segunda-feira (21), candidatos do Revalida não conseguem acessar página do Cebraspe
Salgado
Eles afirmaram que pagaram R$ 330,00 para participar da primeira fase, que é uma prova 100 questões de múltipla escolha durante a manhã e cinco dissertativas (escritas) no período da tarde e em um único dia.
Quem passou para a segunda fase, pagou novamente 3.330,00 reais, gastando quase 4 mil reais para ter o diploma de uma instituição estrangeira apto no Brasil.
“São seis anos igual no Brasil [curso de medicina]. A mensalidade é menor, mas a burocracia é igual. Fazemos uma prova de ‘grado’, para avaliar se estamos aptos a sair do país. E você só sai se tiver com nota boa. As pessoas dizem que fugimos de vestibular. Não sabem como é nossa luta e julgam. Ainda temos que fazer o Revalida, que é caríssimo”, desabafou Leonária Bernardo, rondoniense que começou medicina na Bolívia e concluiu no Paraguai.
Protestos por problemas na página do Cebraspe se espalharam nas redes sociais
Caminho árduo
Hoje, Leonária já atua na Medicina e trabalha em São Gabriel (RS), contratada pelo programa Mais Médicos. Na batalha para fazer o Revalida, ela conheceu a goiana Jéssica Rezende, formada na Bolívia, mas que ainda não atua na área.
A rondoniense Leonária Bernardo fez o Revalida em busca de regularizar o diploma de medicina conseguido em cursos na Bolívia e Paraguai
Porém, Jéssica criou uma página no Instagram (@revalidaflash), onde posta seus conhecimentos e ajuda também quem está em processo de revalidação, especialmente os passos difíceis dos últimos dias.
Postagens bem-humoradas de Jéssica Rezende, mesmo com dias perdidos para acessar a página do Cebraspe
“Fiz a prova de habilidades do Revalida em dezembro e no dia 21 de fevereiro, liberaram as notas fora do horário. Eu percebi aí que estava reprovada. Decidi entrar com recurso, mas não conseguimos ter acessos aos nossos vídeos. Pra completar, a plataforma aparece o nome de outra pessoa. Já tirei várias fotos da tela e muda o nome da pessoa, mas nada acontece”, protestou Jéssica.
Conforme vídeos e fotos enviados à redação do
Rondoniaovivo são horas e horas perdidas na tentativa de acessar as notas da segunda fase, com erros e mensagens que os interessados não entendem nada. Além de ligações na central de atendimento e vários e-mails.
Candidatos perderam mais de meia hora para tentar relatar problemas à instituição responsável pelo Revalida
“Eles [Cebraspe] não tem nenhuma credibilidade porquê vemos a prova de outra pessoa. Não temos acesso aos vídeos, pra gente mostrar que não fomos pontuados em determinada questão. Uma hora diz que vai carregar o vídeo. Outra hora, some. Você não consegue fazer nada na página. Mandei mensagem pro INEP e disseram praticamente: se vira! Estamos desesperados pra enviar esse recurso até o dia 25”, afirmou Jéssica Rezende.
De acordo com as candidatas, para a segunda fase a prova oral consistiu na gravação e envio de 10 vídeos para o Cebraspe, onde há a simulação feita por atores, onde quem é avaliado tem que descobrir a doença e tratar o paciente.
“A gente precisa ver onde errou e acertou e corrigirem nossa nota. A gente vai lá e corrige o espelho, que é uma folha onde dizem o que falei ou não, mas me ‘comeram’ muita nota. Eu tenho nota suficiente pra passar, porquê tem os vídeos pra provar que eu falei o que eles disseram que não falei. Não só eu né? Quase 7 mil pessoas!”, explicou novamente Leonária Bernardo.
A reportagem do jornal eletrônico fez um cálculo rápido e o Cebraspe arrecadou somente com a segunda fase do Revalida, mais de R$ 22 milhões, já que cada um que passou (e pagou novamente) R$ 3.330,00, em um total de 6.680 candidatos.
Desespero também se espalhou em grupos de WhatsApp criados para trocar ideias sobre o exame
“Os brasileiros saem daqui pra fazer medicina porquê tem um sonho. Não queremos fugir de vestibular, mas nem todo mundo consegue pagar uma faculdade particular. Não consegue ter um ensino médio bom. Minha escola vivia em greve. Não tinha dinheiro pra pagar um cursinho bom pra fazer uma universidade pública. A gente sai pra concluir o sonho, já que a nossa pátria não nos dá. Voltamos para o Brasil para estar na nossa casa, com nossa família”, comentou Leonária.
Respostas
O Cebraspe informou ao
Rondoniaovivo que o sistema de visualização dos vídeos e interposição de recursos da prova de habilidades clínicas, referente à segunda etapa do exame, vem apresentando instabilidade em razão do alto número de acessos.
De acordo com a instituição, o problema já está sendo resolvido e acompanhado pelo INEP, que vai prorrogar o prazo para interposição de recursos quanto à nota preliminar, conforme o tempo de duração da instabilidade.
O Cebraspe ainda destaca que é responsável pelo tratamento, a disponibilização das filmagens de prova e pelo recebimento dos recursos. A instituição está atuando de modo a corrigir, da forma mais ágil possível, a instabilidade apresentada no sistema.
Assim que o sistema estiver estável, o Cebraspe vai propor ao INEP o período de prorrogação do prazo de recursos, de modo a contemplar a exatidão de tempo em que ocorreu a instabilidade e para que nenhum participante seja prejudicado.
Durante a produção desta reportagem, durante a tarde da quarta (23) e a manhã da quinta (24), os participantes avisaram o
Rondoniaovivo que receberam a informação de dois deputados federais, um do Acre e outra de Rondônia, que o presidente do INEP, Danilo Dupas, teria falado que o prazo foi prorrogado para a próxima segunda-feira (28).