DÍVIDA : Soldados da Borracha e a morosidade da justiça brasileira

Morosidade, esquecimento e a história se definha com o passar dos tempos e os Soldados da Borracha jazem sem recursos no campo de batalha

DÍVIDA :  Soldados da Borracha e a morosidade da justiça brasileira

Foto: Divulgação

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O segundo ciclo exploratório da borracha foi marcado pelo sonho, onde muitos jovens nordestinos saíram do seio materno e vieram para as terras amazônicas com a promessa de uma melhor qualidade de vida, mas a busca pelo Eldorado foi sucumbida pela força das circunstâncias. Enquanto a Segunda Guerra Mundial rompia em todo o mundo, outra batalha começava no Brasil, onde os retirantes nordestinos, sem o menor treinamento, assumiram pagar o compromisso feito pelo Governo Federal, desbravando silenciosamente a mata amazônica.

 

Para suprir a mão de obra na Amazônia o Governo criou o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta), em 1943, onde a sede ficava localizada na cidade de Fortaleza, no Ceará. Saindo das suas terras natais motivados pela grande seca que castigava o nordeste, esses jovens chegavam em comboios, vigiados pelos militares em viagens feitas em embarcações marítimas que demoravam em média de dois a três meses.

 

Além das duras condições da viagem, os migrantes assinavam um contrato com o ‘Semta’ onde recebiam 60% de todo o capital ganho com a borracha. Mas para muitos seringueiros, a viagem foi um caminho sem volta, pois arrebatados pelas péssimas condições de trabalho, na extração do “ouro branco”, muitos soldados morreram nos seringais em decorrência da malária, febre amarela e hepatite ou atacados por animais selvagens, segundo estatísticas do Sindicato dos Soldados da Borracha e Seringueiros do Estado de Rondônia (Sindsbor), dos 60 mil homens convocados, cerca de 35 mil morreram na floresta.

 

“O Governo Federal deixou que os soldados entrassem nas matas para extrair a borracha nas seringueiras sem nenhum treinamento, muitos soldados aprenderam a sobreviver no meio da floresta com os índios nativos, já outros não tiveram a mesma sorte, e morreram em decorrência das doenças, mordidas de animais ferozes e condições climáticas”, conta o vice-presidente do Sindsbor, George Telles.

Apartados de sua terra natal os jovens recrutados, mesmo com o amargor dos anos difíceis  no sertão, chegaram a Amazônia esperançosos, mas o sonho acabou dando lugar para o desalento, pois sem garantia de direitos, o contrato de trabalho assinado pelos combatentes não possuía validade jurídica nenhuma. Por outro lado o Governo Federal deu mais um duro golpe nos combatentes, não cumprindo a promessa de reconduzir os soldados às suas terras natais quando a guerra se findou. Segundo dados do Sindsbor, dos 50 mil homens recrutados, apenas seis mil conseguiram retornar a duras penas aos seus lares.

 

Diante da impossibilidade de voltar para casa, os soldados que sobreviveram, vivem hoje espalhados pelos estados do Amazonas, Acre, Pará e Rondônia, recebendo um salário inferior aos compatriotas que foram mandados para servir em Monte Castelo na Itália, os soldados que serviram a pátria desbravando os seringais da Amazônia possuem uma realidade bem diferente. Recebendo uma pensão vitalícia do Governo Federal no valor de R$: 1.908,00, os soldados enfrentam mais uma omissão, pois a quantia não cobre os custos que eles precisam arcar com medicamentos, moradia e alimentação. “É uma covardia muito grande ao qual estes homens têm passado, eles não possuem acesso à saúde, esses homens lutaram pela pátria e nem direito a ter uma velhice com saúde eles têm”, disse o vice-presidente.

 

Inconformado o vice-presidente afirma que o Sindsbor entrou com uma ação no Ministério dos Direitos Humanos para que enquanto a situação da saúde não seja normalizada, os soldados fossem atendidos pelos hospitais das Forças Armadas, o pedido já foi homologado e agora espera uma resposta da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa. Além da questão da saúde, o Sindsbor entrou com uma ação civil pública no Governo Federal para a equiparação da pensão vitalícia de R$: 1.908,00 para R$ 10.000,00.

 

“Eles estão em uma idade muito avançada, hoje muitos deles vivem apenas com um salário de mil e novecentos reais, mas nós estamos lutando perante a justiça para equiparar o salário deles, pois os soldados que foram convocados na mesma época para servir fora do Brasil recebem muito mais, quase 10 mil reais, por isso a nossa luta não vai acabar até conseguirmos valer os direitos desses soldados”, esclarece George.

Todos os soldados da borracha são resguardados pelo decreto-lei nº 5.225, homologado pelo então presidente Getúlio Vargas, que começou a valer em 1º de fevereiro de 1943. Em 15 de julho de 2011 a então presidente do Brasil Dilma Rousseff, reconheceu os soldados da borracha com o título de “Heróis da Pátria” pela lei 12.447. Já em 2014, a PEC 27/2014, referente às indenizações em parcela única de R$ 25.000,00, sofre alteração e passa a ser a PEC 27/2014, onde o então senador Jorge Viana do (PT-AC), determinou a vigência imediata dos pagamentos.

 

A questão das indenizações tem gerado preocupação para o Sindsbor, pois muitos soldados estão morrendo sem receber a indenização em parcela única de R$ 25.000,00, o motivo apontado pelo sindicato é a falta de conhecimento por parte dos soldados, pois muitos combatentes sem entender os seus direitos aceitaram receber uma pensão bem inferior a quantia de R$ 1.908,00, recebendo um salário rural de R$: 979,00 pelo INSS, sendo assim, sem serem reconhecidos como soldados da borracha, estes combatentes perderam o direito de dar entrada na indenização.

 

Solicitado pelo Diário da Amazônia o INSS afirma que não possui em seus registros a quantidade de soldados que recebem atualmente o salário rural, os únicos dados apontam que em Rondônia estão ativos 123.889 benefícios concedidos para segurados especiais, que recebem um salário-mínimo.

 

Em junho deste ano, a história perdeu mais dois integrantes, os soldados Juvêncio Arruda e Antônio Soares Mendes Filho. Juvêncio vivia no município de Boca do Acre no Amazonas e era considerado o soldado mais velho em vida, ele morreu com 109 anos, em decorrência de uma gripe. Já Antônio Soares Mendes Filho faleceu uma semana depois na Capital Porto Velho. Os dois soldados agora fazem parte das estatísticas, daqueles que perderam a vida sem receber as pensões e indenizações, eles foram embora sem vislumbrar o sonho do Eldorado e o reconhecimento pelos esforços que fizeram pelo Brasil e pelo mundo.

 

A manhã nublada abafa o clima na Amazônia, sob o céu de cor cinza estanho que denuncia o prenúncio de uma tempestade, um olhar divaga no tempo em meio às seringueiras do Parque do Circuito em Porto Velho, com a voz mansa, José Romão Grande, humildemente brinca ao se apresentar: “Sou Romão Grande, mas grande mesmo é Deus”, a leveza é uma característica intrínseca do ex-soldado da borracha, o senso de humor se torna um aliado que o ajuda a camuflar os descontentamentos de quem passou a vida lançado à espera.

 

Seu Romão integra o cenário dos jovens nordestinos que foram obrigados por um decreto do Governo Federal a deixarem as suas terras para servir ao Brasil no período da Segunda Guerra Mundial. Fascinado com as promessas fervorosas que a Semta divulgava na época, e com o ideal de mudar a realidade de seca e escassez, Romão aos 20 anos de idade veio para os seringais da Amazônia extrair o Ouro Branco das árvores. Apartado do seio familiar, com o coração pesado, mas, mesmo assim, convicto da sua missão, o jovem com todo o seu brio chegou para desbravar os seringais da Amazônia, logo a dura realidade que precisava enfrentar foi apresentada, sem o menor preparo os soldados foram obrigados a aprender a sobreviver em meio aos perigos da selva, o ex-soldado lembra aflito das diversas mortes que presenciou dos seus amigos de combate.

 

Enclausurados nos seringais os intermináveis anos se passavam e o jovem Romão apenas esperava pelas melhorias de vida que outrora lhes foram prometidas. Os dias eram longos, as horas seguiam arrastadas, o cansaço acentuava as marcas do tempo, riscando a cada dia um novo sulco no seu rosto que o impedia de remoçar.

 

Os vagões de carga dos trens que compunham a Ferrovia do Diabo cuidavam de transportar o látex retirado pelos soldados, mas cada comboio levava algo além do ouro branco, todo o suor dos intermináveis dias de exaustivo trabalho em meio às condições adversas, junto era levada a fé e esperança que os soldados alimentavam de um dia regressar para casa.

Com o fim da guerra o que era para ser um alívio deu início ao martírio que os soldados precisariam enfrentar dali para frente, a omissão do Governo federal impôs aos soldados o silenciamento, onde todas as promessas que afastaram os jovens soldados dos seus pais, irmãos, amigos e parentes não foram cumpridas. Eles não receberam moradia, muito menos alguma quantia para sobreviver, a volta para casa se tornou uma utopia intangível, onde muitos soldados morreram sem ao menos voltar a ver as suas terras natais.

 

Dos 50 mil soldados convocados, hoje sobrevivem apenas 3.495 em todo o território brasileiro, onde ainda precisam enfrentar a omissão, recebendo uma pensão irrisória, sem direito a 13º salário e acesso a um plano de saúde adequado, algo necessário, pois muitos carregam as marcas físicas do trabalho nos seringais.

 

Mesmo diante de um cenário árido, Romão Grande não se embotou e sem perder a ternura, hoje ele é o presidente do Sindicato dos Soldados da Borracha de Rondônia, a sua força o impulsiona a seguir confiante em busca de melhorias que antes lhe foram preteridas e a todos os ex-combatentes de guerra. O seu inconformismo é raio que fulge, a sua luta legitima a memória que em esplendor semeia o seu lugar ao sol, já a sua pele marcada é reflexo da terra que, mesmo coberta por dias cinzentos é possível avistar um novo arrebol.

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