São 06h15 da manhã de terça-feira, o sol batendo na cara vai afastando a penumbra, o sereno deixa o orvalho nas folhas quase secas pelo advento da estiagem.
O som dos bichos do mato e do gado, o ruminar das vacas, é quebrado pelo som do motor de uma Kombi do ano 1997, o barulho é semelhante à de um fusca. No horizonte, subindo a encosta, lutando contra a areia indomável, o velho veículo vai aparecendo em ziguezague, desviando de buracos e quebra-molas naturais.
Lailla, de 10 anos, acordou às 05h00 e estava no portão da fazenda, ela caminhou uns 500 metros desde sua casa até a Linha para subir na Kombi. O veículo pára e o motorista desce com uma maçaneta, a coloca numa cavidade da porta para poder abri-la. Lailla sobe e cumprimenta Amada e Charles, dois amigos que já haviam sido recolhidos, mais cedo, pelo motorista.
A escola “O Progresso” do Perobal está localizada no Km 38 da BR-345 (ex RO-399), a 12 quilômetros da casa de Lailla, mas boa parte desse trecho parece uma aventura até chegar à rodovia, o terreno íngreme faz árduo o trabalho do motorista. Os alunos têm que se segurar nos bancos, pois não há cinto de segurança.
No trajeto subiram mais cinco crianças, hoje faltaram dois estudantes. O sol começa a bater direto no rosto dos meninos, a rodovia que acaba de ser recapeada, já apresenta buracos, há trechos em que o motorista tem que invadir a contramão para desviá-los.
Muitas crianças percorrem diariamente de dois a três quilômetros, usando lanternas ou lampião para chegar à Linha onde passa o transporte escolar. Os alunos que vêm da Cascalheira, próxima à Aldeia Sabané, retornam aos seus lares às 14h00 ou 14h30, todos os dias, isso se o transporte não sofrer percalços e quebrar no meio do caminho. Outros vêm da Agrovila, Usina do Melki, Baixadão, Linha 165 e da Comunidade Santo André.
Além de Lailla, há crianças mais novas, de quatro a cinco anos, que começaram as aulas no dia 25 de abril. As obras para a ampliação e reforma da escola terminaram na semana passada, a salinha não ficou pronta a tempo, esse foi o motivo da demora.
Aos poucos os ônibus escolares vão chegando, a cada minuto grupos de alunos vão aparecendo se unindo às crianças que brincam no pátio, uns dançam Parangolé, Michael Jackson, outros cantam e outros se divertem com um inseto. Alguns alunos pulam a cerca da escola, vieram a pé, suas chácaras estão nas proximidades.
Na cozinha o cheiro do leite fervendo provoca os paladares da molecada. Só às 07h20 é servido o café da manhã. Organizadamente e em fila os alunos vão pegando os copos de leite e uma porção de bolacha. A segunda refeição
será servida às 10h00 com direito a arroz, feijão e acompanhamento, às vezes um frango ou bife. “Hoje vai ser servido carne em pedaços e polenta”, diz a cozinheira Rosemar.
Alguns alunos carregam no corpo as marcas da vida na roça, desde cedo ajudam os pais na lavoura, deixando suas mãos calejadas e a pele queimada.
O sino toca novamente e os alunos correm para suas salas de aula, não se vê a presença de professores correndo atrás deles.
A vice-diretora Neliane Antônio Gregório é também um ex-aluna, estudou o ensino fundamental na escola e fez o ensino médio na Agrotécnica, posteriormente se formou em pedagogia na AVEC. “Para mim trabalhar na escola onde estudei é um sonho realizado”, aponta Neliane.
Na sala do oitavo ano a professora chega cobrando o trabalho da aula passada. “Quem não entregar poderá fazê-lo amanhã, só que valerá a metade da nota”, ameaça a professora Neliane. O tema de hoje, fala sobre a puberdade e o efeito dos hormônios, neste caso a testosterona. Na sala quase todos prestam atenção, apenas uma aluna do fundo ajeita, escondida, a maquiagem num espelhinho.
A escola funciona apenas no período matutino e atende 248 alunos. Muitos deles viajam 40 quilômetros para poder estudar. “Apesar da distância não temos um alto índice de faltas. Os alunos daqui não têm repetência. Os problemas aparecem quando vêm alunos transferidos alunos da área urbana, uns não sabem nem ler, talvez eles são transferidos todos os anos. Aqui com nove anos a criança já lê”, declarou a professora do quarto ano, Maria Rodrigues da Silva.
A aula termina meio-dia, mas a espera pela Kombi se prolonga até as 13h30 e só as 14h00 Lailla volta à sua casa.
Apesar do esforço das crianças, precoce para sua idade, elas seguem otimistas, têm alto índice de aprovação e poucas faltas. Como Neliane, a vice-diretora e ex-aluna da escola, um dia eles poderão cursar uma faculdade e devolver à terra que os viu crescer o fruto de suas realizações.