“Comadre Safira estava no João Paulo II” – Por Professor Nazareno*

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Foto: Divulgação

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Poucos rondonienses conhecem a Comadre Safira. Eu conheço. Ela tem uns 70 anos e nasceu na Ilha de Assunção no rio Madeira. Além de negra, é rondoniense nata e tem um trabalho prestado a esta terra muito maior do que qualquer Governador, autoridade de Estado ou político. Seu nome completo é Maria Safira de Paula Pimenta. Parteira experiente, já fez segundo as suas contas, muito mais de 300 partos. E ainda continua fazendo. Além do mais é uma “médica” pediatra, ortopedista, ginecologista, e todos os “istas” que se imaginem. Mora no bairro São Francisco em Calama numa casinha simples, de tábuas e coberta de palhas e cuja cozinha ainda tem piso de paxiúba, sem banheiro, água encanada, ou qualquer conforto que nós conhecemos e veneramos. Porém, muitos ainda dependem de seus honrosos trabalhos.
 
Com problemas circulatórios, ela adoeceu. Perna esquerda inchada, dificuldades para andar, teve que se deslocar até Humaitá no Amazonas. Quiseram-lhe amputar a perna. Teimosa, não deixou. Na sua mente ainda restava Porto Velho. Ainda restava o Hospital João Paulo Segundo. Incrível, mas ela confiava no nosso único hospital de pronto socorro. Minha comadre viu poucos hospitais em sua vida... Internada naquele moquifo durante 16 dias, fui visitá-la. Vi o que sabia, mas não acreditava que pudesse existir nem nos países em guerra. Contei 18 “leitos” esparramados pelo chão sujo daquilo que insistem em chamar de hospital. Não vi pessoas, mas rebotalhos, restos de gente que há muito perderam sua essência, sua dignidade, suas esperanças. Não vi ninguém de posses, só habitantes da periferia. E todos eleitores da Dilma, Cassol, Serra...
 
Mas tive tempo de dizer para a minha comadre que os rondonienses vão construir um estádio de futebol em Porto Velho com o pomposo nome de Terceiro Milênio e se descrito em números, os dados de mais esta obra faraônica serão os seguintes: capacidade para 40 mil pessoas, sendo 5.000 para autoridades, imprensa e pessoas com deficiência; camarotes com 1.000 lugares; sala para a imprensa com 200 lugares, “Business Seats” com 1.100 lugares, Tribuna de Honra com 100 lugares; Camarotes vips com 1.500 cadeiras; “Business Seats” (Vip) com 220 lugares. Além da estrutura que atende modalidades desportivas, outros ambientes serão construídos para receber diversos eventos. Ela não sabe o que é nada isso. Poucos rondonienses sabem. Nem os mais letrados. É tudo em inglês. Talvez só os nossos moto-taxistas saibam.
 
Disse a ela acreditar que não haja dinheiro público envolvido nesta aventura tresloucada. Só dinheiro vadio, aquele que os donos não têm pena de gastar. De fato, construir estádio de futebol numa terra onde não há futebol é o mesmo que instalar fábrica de geladeira no Pólo Norte. Será que Genus e Shallon levarão 40 mil idiotas para lá? Depois da ponte sem estrada, só faltava essa lorota para encantar os rondonienses. De coisas que não funcionam já temos o Ginásio de Esportes (?) Cláudio Coutinho que só serve mesmo para shows, alojamentos e exposições de flores. Ainda bem que ela não perguntou por que faltava tanta energia na “cidade das hidrelétricas”. Não saberia responder e muito menos por que estão fazendo este “oba-oba” com o dinheiro do PAC. Será que é por que somos otários mesmo já que acreditamos em tudo?
 
Antes de me despedir disse-lhe que este ano tem eleições e que já vi muitos políticos sanguessugas rondonienses fazendo campanha nas “barbas da Justiça” e tendo até apoio da mídia. Ela me disse que em Calama tem muitas sanguessugas também. Ela melhorou e quando a vi novamente, estava no barco a caminho de sua humilde terra. Não entendeu que é imoral e indecente construir besteiras com o dinheiro público e ainda me perguntou aos gritos para quê serviriam as sanguessugas. Disse-lhe, também gritando, que só depois das eleições é que o povo iria saber, pois sentiria na carne a conseqüência do voto. O barco “Caçote” sumiu entre a floresta e as águas barrentas do Madeira. Minha comadre está feliz, pois parece que fez algumas amigas lá no João Paulo Segundo: se não me engano, seriam a esposa de um desembargador, a filha de um juiz aposentado da capital, e uma parenta de um ex-governador, todas também internadas lá.
 
 

*Leciona na escola João Bento da Costa em Porto Velho.

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