Política em Três Tempos
1 – PALPITE INFELIZ
Sobrou para Andrea Rocha Izac, 37 anos, três filhos, mulher do engenheiro agrônomo Marco Antonio Izac, 39 anos, que trabalha para uma das empresas dos consórcios que estão construindo as usinas de Santo Antonio e Jirau. Para o eventual leitor que ainda não esteja ligado, trata-se da senhora tomada como gancho pela repórter Eliana Brum para, referindo-se a capital rondoniense que está sendo ocupada pelas famílias dos responsáveis pelo empreendimento, produzir a estridente reportagem “A cidade que não estava lá”, publicada pela edição de 31 de março da revista “Época”´, que tanto tem dado o que falar por esses dias.
“Essa metida a bacana ai, chamada Andrea, tem que ter vergonha na cara e voltar pra sua terra e ter mais respeito com terra dos outros. Não sou minhoca, mas tenho orgulho de ser rondoniense e nunca ter passado fome. Vai ver que a bacana saiu da lama e está com medo de retornar às origens”, vociferou “Marival” (marivalfurtado@hotmail.com), num comentário postado à reprodução da matéria no site de notícias “Tudorondonia”. Aliás, um entre cerca de uma centena de “posts” recepcionados, a maioria é nesse tom.
Claro que, em meio à enxurrada de comentários, teve gente que, por provocação (para botar mais lenha na fogueira), por ironia (idem) ou desabafo (gente de fora mesmo que está com a cidade entalada na garganta e imagina que jamais vai se acostumar com o lugar) aplaudiu a publicação. Mas não ficou por aí.
Para lá de ferido em seus brios telúricos, o vice-prefeito Emerson Castro (PMDB), “porto-velhense de mãe, avó e bisavó”, partiu para o contra-ataque num artigo distribuído pela Internet segundo seu “mailing” e publicado por pelo menos um site (Rondoniaovivo), onde pretendeu dar o troco na mesma moeda ao intitular seu texto de “Época – A revista que nunca esteve aqui.” Para se ter uma idéia do contraponto em questão, confira-se a pergunta que sapeca lá pela tantas: “Que espécie de canalhice é essa que trata toda a cidade e seu povo de forma tão vil, leviana e tendenciosa?”
2 – PÉS PELAS MÃOS
Para Emerson, “o texto foi duplamente infeliz, pois esconde-se (sic) atrás de fatos isolados na tentativa clara de fazer ataques ao único momento da história em que a nossa amada Porto velho recebe recursos reais e de grande monta por parte do governo federal”.
Não menos indignado revelou-se o presidente regional do PT, Tácito Pereira, que distribui o artigo “Porto Velho não está na Época”, publicado ao menos no “Tudorondonia”, onde teoriza: “O fato de a jornalista afirmar que Porto Velho tem uma atmosfera ‘pesada’ e ‘triste’ e que ‘não parece ser um lugar para pessoas’ é um total desrespeito com quem mora nesta cidade. É uma visão totalmente colonialista de pessoas dos grandes centros que acham que a periferia só serve para passagem, como os europeus vêem nosso país”.
Na hipótese de que Emerson e Tácito tenham imaginado que poderiam surfar à vontade na onda de indignação da Internet, até pela autoridade política de que se acham investidos, o feedback apurado pelo balanço dos comentários ao pé dos dois artigos com certeza tê-los-á feito cair das respectivas pranchas. No geral, os internautas baixaram o sarrafo na administração petista, na própria cidade, nos articulistas e, não raro, aplaudiram a iniciativa da revista. Claro que teve gente apoiando a dupla, mas numa medida inversamente proporcional à indignação original.
Predominaram comentários do tipo “Mais um Petista falando um monte de blá blá blá. E os buracos nas ruas e avenidas? E a dengue? E as obras caindo? E a falta de hospital municipal? E os outros 99% de rede de esgoto e saneamento que faltam? O presidente do PT e o vice-prefeito escrevem artigos na internet, mas acho que deveriam estar na rua pisando em lama ou em esgoto. Ou não?” (moises@moises.com).
Enfim, é uma ingenuidade imaginar que a grande imprensa vá se ocupar de uma região secularmente celebrizada como inóspita e insalubre para tecer loas a uma cidade só porque aqui “tem uma praça das caixas d'águas antiga e bonita, tem um Rio Madeira maravilhoso” e, pasme o leitor, “um pôr-do-sol bonito...”, como se ufana um enlevado Tácito Pereira.
3 – CLIMA DO CEARÁ
Importa, no caso das reclamações à jornalista Eliana Brum, verificar se ela mentiu. Pelo jeito, não Quanto à inadvertida Andréa Izac, ninguém lembrou de dar um desconto ao natural estranhamento dos recém-chegados à terra desconhecida. Ademais, há pessoas que têm verdadeira aversão às mudanças de endereço até na mesma cidade, quanto mais de uma cidade para outra. Para se ter uma idéia, leitor, tem gente tão avessa às mudanças que as resistem furiosamente mesmo quando confunde alhos com bugalhos.
Como a viúva de Manoel de Souza Martins, o Visconde da Parnaíba, 1º governador do Piauí. Casado em segundas núpcias com Mariana Joaquina Barbosa, o visconde bateu as botas em 1859, depois de ter governado o Piauí por 20 anos. Naquele tempo o Piauí não tinha mar. Depois de muita conversa, conseguiu-se, em 1870, um pedaço do litoral do Ceará em troca da região de Vila do Príncipe Imperial (atual Crateús), onde a enlutada senhora herdara fazendas e lá passava temporadas. Quando soube que região ia passar ao Ceará a viúva bateu o pé: “Mas nem morta eu vou mudar para o Ceará!”.
Viscondessa com honras e grandeza da Parnaíba, poderosa e influente junto à corte imperial, a recalcitrante aristocrata brecou o acordo por 10 anos. Só em 1880 o Piauí foi ter mar. Motivo: a viscondessa alegou que o clima do Ceará lhe prejudicava a saúde, como bem o atestavam as febres que contraíra sempre que estivera na província. “Mas minha senhora, não é o lugar que vai ser amarrado em lombo de burro para ser mudado para o Ceará”, obtemperou-se, inutilmente. Dez anos. Não conta que fosse loira.
Enfim, convenhamos: tenha ele a cor que se lhe queira dar, a idéia que se tem do inferno não é exatamente a de um recanto dos mais aprazíveis e nem é das melhores a reputação do dono do lugar. “O Desafio no Inferno Verde – A Ferrovia do Diabo” é um celebrado (inclusive - e principalmente - pelos locais) documentário de Beto Bertagna que alude justamente às origens de Porto Velho. Pois bem.
Como os porto-velhenses esperam que os recém-chegados se apaixonem pela cidade à primeira vista, se, não obstante verde, ela fica no inferno e sua referência histórica fundante é uma ferrovia... do Diabo? Tenha santa paciência! Menos, considerados! Menos! Com toda certeza essas expressões não surgiram do nada e nem de intenções infamantes ou sequer gratuitas dos pioneiros. Algumas boas razões devem ter tido nossos originários para cunhar essas perífrases.