*Homenagem do Bloco O Canto da Coruja em 24/02/ 2006 ao pioneiro Francisco Machado Siqueira
*Triste da sociedade que não reverencia os seus antepassados, que não homenageia os seus ancestrais, pois foram eles que criaram e colocaram os fundamentos tanto intelectuais quanto morais e pelos seus ensinamentos servem de exemplos e estímulos para que os jovens possam prosseguir uma trajetória de lutas e conquistas ruma a uma sociedade justa e fraterna.
*Toda cultura tem seus heróis – seus mitos-, aqueles que empunharam bandeiras, abriram caminhos, desvendaram mistérios e abrigam esperanças. São homens e mulheres que por serem de espíritos elevados não temeram as dificuldades e enfrentaram os desafios com a cabeça erguida. Esses heróis permanecerão nos corações e nas mentes de seus parentes e seus amigos, e com o tempo as gerações futuras os considerarão como pai. Assim se concretiza o verdadeiro herói, pois deixa de ser apenas humano para se transformar em uma entidade de luz. Os seus sonhos e desejos se incorporam nos aspirações do povo. Pois norteia o presente e abre fendas para as futuras.
*Os mitos com o tempo passam a ser lembrados, celebrados e festejados.
*No Brasil, entre tantas manifestações folclóricas, o carnaval é considerado o ápice da festa popular, e nele, tem-se a oportunidade para se presenciar as revelações de mitos e crenças. Mitos e crenças se confundem, alguns são conhecidos a nível nacional e outros somente a nível regional, mas todos têm a mesma representação. Essas manifestações gravadas no inconsciente coletivo da população são traduzidas para o presente através de elegerias, ou seja, por símbolos materializados em bonecos, sambas enredos e depoimentos, etc.
*Falar de um herói significa destacar sua saga, suas lutas e glórias. Porém aqui será destacada apenas uma parte da trajetória do homenageado desde ano, do Bloco O Canto da Coruja, Francisco Machado de Siqueira ou Barroso como era conhecido em sua cidade natal – Óbidos no Estado do Pará, ou Sivuca como ficou conhecido carinhosamente nessas paragens. Um herói do bairro do Areal, da cidade de Porto Velho, um herói Amazônico. O homenageado pode ser colocado na galeria dos heróis de nossa região, juntamente como o cacique Ajuricaba da tribo dos Manaos que lutando bravamente contra os portugueses para defender o seu povo, mesmo sendo preso, preferiu atirar-se no rio Amazonas e morrer, ao ser julgado pelo tribunal dos brancos em Belém, que na certa o condenariam. O que queria Ajuricaba era a autonomia de seu povo.
*Sivuca deve-se ser colocado no altar dos desbravadores de Rondônia, ao lado de figuras ilustres como Marechal Candido Rondon; Dr.Ary Tupinambá Pena Pinheiro, também de Óbidos e tantos outros heróis da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré e de homens e mulheres anônimos que desbravaram e ajudaram a construir e defender essa rica, cobiçada e explorada Amazônia.
*Francisco, Barroso ou Sivuca nasceu no dia 5 de junho de 1924, nas barrancas da cidade de Óbidos, parte mais estreita do rio Amazonas. Cidade fundada por Joaquim da Mota Siqueira em 1697, terra dos índios Pauxi, de Inglês de Souza, de José Veríssimo, Barão do Solimões e Saladino de Brito, entre tantos outros que dali saíram e contribuíram com a história da região e do Brasil.
*Menino de família pobre, mas que cultivou o espírito dos guerreiros Pauxi; sua personalidade foi forjada na tradição dos Cabanos (movimento que lutou contra o império português). Do sangue judaico-caboclo herdou o gosto pela aventura e pelos negócios. Das tertúlias obidenses, o gosto pele política e pela boemia.
*Filho de uma região miscigenada entre brancos, negros e indígenas herdou os ritos e crenças, ritmos e danças, como carimbó, lundu, merengues e forrós, além do fervor a Nossa Senhora. Da tradição do boi-bunda nascido em Óbidos e desenvolvido em Parintins, herdou o respeito pelos rituais de Pai Francisco e a Mãe Catirina.
*Como trabalhador, aprendeu sedo a lida, ainda em Óbidos trabalhou como vendedor. Em Manaus trabalhou como enfermeiro no Hospital Beneficência Portuguesa. Desempenhou várias funções desde de chegou em Porto Velho em 1943, trabalhando como cozinheiro no Hotel Brasil em Porto Velho, no Guajará Hotel em Guajará-Mirim e em vários restaurantes da boa mesa. Trabalhou na Estrada de Ferro Madeira Mamoré desde 1953 até sua aposentadoria em 1976. Trabalhou ainda como motorista, mas a sua paixão pela política e pela culinária o levou a arrendar a lanchonete A Seleta, famosa na década de oitenta como ponto de encontro políticos.
*Em Rio Branco capital do então Território Federal do Acre, em 1949 conheceu a jovem Maria da Conceição de Lima, com quem contraiu matrimônio em 1950 e desse casamento nasceram seus onze filhos: Zuca, Doró, Carlinhos, Luiz Alberto, Maria de Lourdes, Auxiliadora, Cezar, Helena, Júnior Siqueira e Domingos.
*Sivuca sempre teve paixão pela política. Sua atuação sempre foi coerente com os seus princípios e ideais. Como cutuba (agremiação política em Rondônia que apoiava o governo até a reforma partidária na década de 70) sempre apoio Aluisio Pinheiro Ferreira e Paulo Nunes Leal. Destacado e reconhecido politicamente pela sua militância e coerência com os seus ideais, promovia churrasco que ficaram famosos como sendo o “churrasco da 13 de setembro” com a finalidade de aglutinar pessoas entorno dos projetos que defendia. Gostava de um bom combate. Era implacável com os seus adversários arrogantes, mas tolerante com os humildes. E isso lhe constituía em um homem virtuoso e tolerante.
*Gostava de criação de animais, no Areal criou gado, cavalo, porco e galinhas. *Também era de sua propriedade a Olaria Santa Clara, localizada onde hoje é a granja do 5ª BEC.
*Sivuca homem religioso, católico praticante, não perdia uma missa aos domingos. Ajudou na construção da Igreja Nossa Senhora de Fátima, doando parte do terreno, além de ajudar e participar de grupos e movimentos católicos.
*Como boêmio, fazia do bar um lugar de debates e de convívio social. Através das músicas românticas trazia para o presente suas recordações do passado. Gostava de Altemar Dutra, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Ângela Maria, Emilinha Borba, entre outros cancioneiros. No samba, além de torcer pela Portela, gostava de Alcione, mas costumava cantar a interpretação de Beth Carvalho: “Meu Deus para que tanto dinheiro, dinheiro só pra gastar [...]”, dessa forma defendia que o maior valor humano é a felicidade e que o trabalho não deve escravizar ninguém, mas proporcionar as condições objetivas para garantir uma boa qualidade de vida.
*Sivuca não deixou nenhum livro escrito, apenas cartas aos seus familiares e amigos. No entanto, deixou um legado ético, uma conduta ilibada a ser seguida. Fez de sua vida uma verdadeira missão, procurou de sua forma, promover a justiça e a paz, e via na nas ações humanas a possibilidade de se concretizar esse objetivo. Acreditava nas pessoas e não era de seu feitio julga-las.
*Foi para o andar de cima em 24 de setembro de 2003, com 79 anos. Antes, porém de sua partida, com muitos sonhos na cabeça, continuava realizando projeto de vida. Era um homem apaixonado pela vida e amante da natureza. Durante sua trajetória de vida fez muitos amigos e enfrentou grandes batalhas, mas daqui para frente os seus exemplos serão lembras e seguidos.
*Hoje o Bloco O Canto da Coruja, cujo presidente é o economista João Bosco Siqueira, seu filho, faz uma justa homenagem. E ele, Sivuca, justamente com todos os pioneiros não somente do bairro do Areal, estão com certeza felizes. E nós daqui queremos pedir-lhe a sua benção e solicitar que continue olhando para o Bairro do Areal a fim de esta comunidade possam servir como um verdadeiro exemplo de alegria e seja um lugar onde o sonha de fraternidade possa se concretizar.
*O autor é Mestre em antropologia e professor de filosofia da UNIR